Com seu engenho artístico, o homem deveria aprimorar as belezas do Paraíso. Imaginando maravilhas e realizando-as, ele próprio completaria em si a imagem subjacente, ignota, de magnificências para as quais foi criado.
Podemos imaginar que, se não tivesse havido o pecado original, o espírito humano, conhecendo as pedras preciosas do Paraíso, analisando os rubis, os brilhantes, as safiras, as esmeraldas, perceberia que elas, dispostas como estavam na natureza, não transmitiam toda sua beleza, e que haveria um pulchrum mais elevado a lhes ser conferido.
Arte de aprimorar a obra de Deus
Como o domínio que o homem tinha sobre a natureza fazia com que todas as criaturas lhe obedecessem, tudo se fazia sem esforço. Assim, com um peteleco bem dado, a ganga de um brilhante cairia e ele saberia como expô-lo ao sol, de maneira a ficar o suficientemente mole para ser modelado. Ele sabia e podia tudo, e elaboraria com as pedras um belo mosaico.
Ora, qual seria a razão de ele fazer isso?
À primeira vista, é porque o deleite visual que as pedras esparsas dão é menor do que aquele causado pelo mosaico, diante do qual tem-se mais do que o simples deleite: o bem-estar de uma ordem superior, de algo que estava em desordem e foi posto numa ordem que Deus não constituiu, mas queria que o homem a imaginasse e a realizasse.
Assim, ao longo dos séculos, os homens iriam modelando o próprio Paraíso terrestre, de maneira a realizar nele uma certa forma e um certo grau magnífico de beleza, até ao ponto em que Deus lhes dissesse: “Podeis ces sar, porque tudo quanto Eu queria que fizésseis do Paraíso foi feito!”
E, no decorrer desse trabalho de ornato do Paraíso, a própria alma do homem iria se adornando. Porque, ao sonhar com as maravilhas e realizá-las, ele próprio completaria em si a imagem subjacente, ignota, de magnificências para as quais ele foi criado, mas que até então não existiam.
E assim como na procriação, transmitindo a vida a outro, prolonga-se a ação criadora de Deus, também nas elaborações artísticas, poéticas, literárias, o homem aperfeiçoa a obra da Criação, dando-lhe um acabado que Deus não quis dar.
Ora, por que a Providência dispôs que sua obra atingisse, pela ação humana, esse aperfeiçoamento, esse acabamento? É evidente que é para que o homem atingisse o grau de semelhança com Ele, o que Lhe daria a glória inteira.
Deste modo, quando desejamos melhorar algo do universo criado – se temos espírito de fé –, devemos compreender que estamos querendo torná-lo mais transparente, para através dele vermos melhor a Deus.
Um passeio imaginário
Imaginemos que o Paraíso tivesse uma longa extensão; ninguém sabe que tamanho ele tinha. O fato concreto é que podemos cogitar, por exemplo, a seguinte cena: alguns de nós andando deleitados pelo Paraíso, quando, de repente, encontramos um grupo de pessoas, também inocentes, que passam cantando. Elas estão adornadas com flores, banhadas de luz, são perfumadas, todas belas, castas, não suscitam a menor concupiscência.
E nós, dentro de uma água cristalina, onde nos deleitamos – não nos banhamos, porque a ideia banho traz a ideia de limpeza e de sujeira – vemos à margem passar esse cortejo. Andam todas ordenadas de tal maneira, que é belo vê-las passar.
O que é isso? É algo que Deus quis que o Paraíso tivesse em virtude das almas que, feitas à imagem e semelhança d’Ele, se aprimorariam lá, e que seria a melhor beleza disso. É, portanto, amor a Deus.
Se, por exemplo, um sacerdote estudasse bem nos Doutores da Igreja, em Padres e na Tradição, tudo quanto há sobre as hipóteses do Paraíso e se especializasse em pregar sobre essa matéria e nada mais, como seria? Ele atrairia multidões para o ouvirem! E creio que ele deixaria atrás de si um rastro de interesse pelas coisas da Igreja, que seria profundamente diverso de tantos outros sermões, que não há comparação.
Pensamentos benfazejos que enlevam e distendem
Não é verdade que nós descansamos um pouco evocando isso? Não é verdade que, por exemplo, isso prepara para o sono, para a distensão?
Eu acho que ser capaz de pensar como seria o Paraíso terrestre e como será o Paraíso celeste acaba descansando muito mais do que as câmaras de recuperação, onde o doente fica estendido, com vários aparelhos ligados em si, para ver se não está morrendo; e ele vivo, deixando o tempo correr…
Que bom pensamento a se fazer para um cardíaco que esteja em estado de graça: “Meu caro, é bem verdade que se estourar uma veia de teu coração, que pode estourar de repente, tu morrerás. Mas, já pensaste o que é morrer? Estando em estado de graça, irás a um lugar muito melhor do que este, irás para o Céu ver Deus face a face. Separa-te do Céu apenas a parede tão tênue de uma artéria que não está funcionando bem.”
A alguns doentes seria preciso persuadir de continuar na cama, em vez de facilitar para ver se morriam. E não é aquele terror da morte que têm os que agonizam. Quer dizer, isso é eminentemente benfazejo, interessante, bonito e o que mais queiram.
Sonhos que adivinham a realidade
Se eu tivesse tempo e se a tanto me ajudasse engenho e arte, eu estudaria isso no Cornélio a Lápide1 e faria várias reuniões sobre o tema. Mas, deixando que depois cada um dos senhores imaginasse as coisas do Paraíso na linha de nossa vocação e de nosso espírito, acrescido porém com peculiaridades pessoais, desenvolvendo o assunto. Daria uma conversa muito bonita.
Como seria bom se, às noites, nos encontrássemos para trocar impressões sobre as últimas novidades do Paraíso, os “fatinhos” do Paraíso imaginário! Não seria muito mais atraente do que qualquer televisão, rádio, tudo que anda por aí por fora?
Diriam: nós somos uns sonhadores. É verdade, mas desses sonhos que não são contrários à realidade, mas a adivinham.
(Extraído de conferência de 9/4/1983)
1) Jesuíta e exegeta flamengo (*1567 – †1637).