Quebrada a unidade de pensamento estabelecida pela Igreja na Idade Média, a diversidade de tendências religiosas e filosóficas foi gradualmente tomando tal incremento que, em nossos dias, a anarquia triunfou no domínio da vida intelectual, estendendo-se daí, como onda de lava destruidora, a todas as instituições, nações e continentes.
O Brasil sofre a tal ponto as desastrosas consequências desse mal, que é impossível constituir-se hoje uma grande corrente de pensamento capaz de se concentrar em um programa completo de reorganização nacional.
É frequente verem-se pontos de vista radicalmente inconciliáveis, defendidos por uma mesma pessoa, com igual calor. São deste naipe os conservadores socialistas, os comunistas que desejariam a abolição da propriedade e a manutenção da família, os liberais socialistas, os reacionários liberais etc.
Todos os sentimentos, mesmo os mais nobres, são postos em xeque por doutrinas exóticas. Enquanto subsistir esse caos no mundo do pensamento, será impossível instituir uma ordem durável no domínio da política e da economia.
Entre os sentimentos mais visados, figura o patriotismo, cuja falência os próceres do comunismo e do socialismo não se fartam de proclamar.
A doutrina católica se opõe a qualquer tendência intelectual destruidora do ideal patriótico. Mas, para que este ideal não seja vulnerado pelos ataques de seus adversários, é imprescindível que uma reação se esboce contra o falso conceito de patriotismo veiculado entre nós por um nacionalismo mal compreendido.
Por enquanto, nosso patriotismo se tem estribado sobretudo nas belezas naturais com que a Providência ornou o Brasil. Nossos poetas têm celebrado à porfia as palmeiras de nossa terra, “onde canta o sabiá”, a espessura de nossas selvas, a beleza de nosso litoral e a riqueza de nosso solo.
Pergunte-se a uma pessoa de cultura média qual a razão por que se ufana de ser brasileira e, de imediato, num arroubo de entusiasmo, ouviremos a interminável lista de referências a nosso céu de anil, a nossa fauna, flora etc.
Rarissimamente virá à tona uma alusão à inteligência de nosso povo, ao seu tino musical invulgar, às tradições históricas brilhantes que o honram e ao magnífico futuro que a Providência lhe reserva.
É certo que devemos nos ufanar da beleza natural de nossa Pátria. Muito mais do que isto, porém, nos honra o fato de descendermos da raça de gigantes que, desbravando selvas e domando feras, abriram em um continente por eles descoberto, uma civilização que o futuro tornará florescente.
A mentalidade brasileira, no que ela tem de tradicional e nacional – pois que no Brasil, tradicional, nacional e católico são ideias concêntricas –, contém em si gérmens de uma grande civilização. Até nos nossos defeitos há elementos de bondade mal compreendida. Assim, a célebre “moleza” com que muitas vezes nos cumpliciamos com as ações as mais condenáveis, por meio de uma tolerância culposa, não é propriamente uma adesão ao mal, mas o receio – censurável, é certo – de causarmos desgosto a alguém.
Eduque-se nos princípios religiosos e católicos esta grande raça e ver-se-á, dentro em pouco, um Brasil novo florescer, em que, eliminados os defeitos e reconduzidas as qualidades boas a seus verdadeiros limites, a História saudará o aparecimento de uma grande nação.1
Há 90 anos era promulgada a Constituição brasileira2. A eleição e atuação da Assembleia Constituinte foram o cenário de um dos episódios mais gloriosos da “gesta” de Dr. Plinio: seu desempenho como deputado, cujo programa para levar o Brasil ao pleno cumprimento de sua missão já se fazia entrever nas palavras acima transcritas.
Na presente edição, Dr. Plinio narra essa importante fase de sua vida.3
1) Cf. Legionário n. 105, 2/10/1932.
2) Publicada em 16 de julho de 1934.
3) Conferências utilizadas para a composição dos artigos do presente número: 22/6/1973, 23/8/1980, 16/4/1988, 30/4/1988, 27/8/1988, 10/9/1988, 7/1/1989, 14/1/1989 e 5/2/1995.