Dr. Plinio preferiu sofrer uma derrocada em sua carreira a deixar de ter uma dedicação e um compromisso exclusivos para com a Igreja e a Civilização Cristã. Muitos convites foram recebidos por ele, mas com honra soube menosprezá-los.
De acordo com o mecanismo da organização democrático-representativa e federal no Brasil, terminada a Constituinte, o eleitorado deveria ser convocado para a eleição de uma Câmara Federal e outra Estadual. Os políticos se empenharam nisso.
Restava-me a dúvida: do ponto de vista do apostolado e para o bem da Causa Católica, seria mais útil minha liderança no Movimento Católico ou a continuação de minha carreira política? Optando por esta última, eu poderia chegar a ser senador e participar de vários atos do Governo, nos quais a Igreja teria interesse. De outro lado, conquistando esses cargos, poderia consolidar minha liderança, da qual desejava fazer uma obra que se espraiasse pelo Brasil e influísse nos acontecimentos; algo do gênero da TFP, que ainda não existia e a qual eu nem saberia explicitar naquele tempo.
Ora, Nossa Senhora havia disposto que sofrimentos colaterais muito pungentes chovessem sobre mim nesse período.
Propostas do Arcebispo
Certo dia, D. Duarte chamou-me e disse:
— Tenho a dar-lhe um duplo aviso: estou muito contente com seu excelente serviço, mas devo dizer-lhe que a Liga Eleitoral Católica não atuará mais, porque já obteve tudo quanto dela se esperava, e, portanto, não apresentará candidatos para as próximas eleições. Proponho a vossemecê alistar-se em algum dos dois grandes partidos de São Paulo, com o qual mais simpatize.
Um era o Partido Constitucionalista, de tendência centro-esquerda. O outro, o Partido Republicano Paulista, de tendência centro-direita. Eu sabia que ele tinha simpatias por este último; eu não tinha por nenhum.
Ele continuou:
— Eu preciso arranjar para vossemecê uma candidatura a deputado em qualquer partido onde vossemecê queira entrar.
Com a votação enorme que eu tinha tido, os dois partidos me queriam ter em sua chapa, porque eu levaria comigo milhares de votos, que beneficiariam todos os candidatos e o próprio partido.
Eu disse:
— Sr. Arcebispo, Vossa Excelência sabe que sou monarquista e não me sentiria bem alistando-me em partido republicano.
— Mas, se quiser o Constitucionalista, eu arranjo também.
— Como membro de um desses partidos eu me sentiria mal. Com a LEC era diferente, não era nem pró nem contra a república ou a monarquia. Sobretudo, eu quero continuar como líder católico, e como católico praticante. Talvez me apresente como candidato avulso.
— Como avulso vossemecê não será eleito.
Isso equivalia a dizer: apoio oficial católico não terá nenhum.
A condição implícita era: aceitar integrar-me a algum partido, ou não ser eleito. Vacilava, portanto, entre a miséria ou a reeleição. E optei pela primeira:
— Sr. Arcebispo, agradeço a Vossa Excelência. Verei o que posso fazer, mas não entrarei em nenhum partido político.
— Então grave bem em sua memória que eu fiz o possível para vossemecê continuar sua carreira política e, se não continuou, foi porque não quis. Não quero que se possa dizer que, tendo-o feito entrar na política, o tivesse abandonado depois.
Naquele tempo, entrar para um partido político era renunciar à posição de líder católico. Ora, eu, que era por natureza e por vocação líder católico, receber do meu Arcebispo o convite para deixar de sê-lo? Ele parecia inteiramente indiferente a que eu continuasse como católico militante ou não. Foi para mim uma dor muito pungente, amarga como tudo, ademais de ver a Liga Eleitoral Católica ser desfeita por resolução conjunta do episcopado.
Candidatura a deputado estadual extrapartidário
Eu estava resolvido a não me fazer eleger por um partido, pois equivaleria a entrar para uma categoria de gente sem popularidade verdadeira, que maneja máquinas eleitorais, faz-se eleger por elas, mas não tem consideração do público. Havia um desprestígio profundo, uma suspeita do povo em relação à classe política.
Eu perderia parte dos meus aderentes e a consideração de jovem católico, de costumes impolutos, de dedicação e compromisso exclusivos para com a Igreja e a Civilização Cristã. E, com isso, a minha figura de líder católico ficaria grave e irremediavelmente embaçada.
Um líder com compromissos com partidos não seria um homem que se deu com incondicionalidade à Igreja, para vida ou para a morte, mas conservou seus interesses. Não era esse o íntimo da minha alma e não era essa a figura que eu deveria apresentar para exercer a liderança que eu julgava necessária para a Igreja.
Ora, em dado momento, comecei a receber pressão de vários católicos: “Por que você não se candidata?” Fui procurado por um bom número de congregados marianos, alguns dos quais de prestígio e importância, que me diziam não se consolarem com a ideia de que eu não fosse candidato. Compreendi que um bom filão de católicos ainda votaria em mim, dando-me a possibilidade de me eleger.
Naquele tempo, além dos candidatos que a lei eleitoral permitia que fossem eleitos por partidos, havia a possibilidade de uma pessoa se apresentar como candidato avulso. Não entrava nas chapas de nenhum partido, e votava nele quem quisesse. Se eu tivesse suficiente prestígio pessoal para ter o número satisfatório de votos, estava feita a minha eleição. Se não tivesse, ficava derrotado.
Para animar os meus amigos congregados marianos, manifestei-lhes a possibilidade de eu me apresentar como candidato avulso, e eles se entusiasmaram com a ideia. Havia a vantagem de que eu não me comprometeria com ninguém e conservaria a fisionomia moral e de homem público, como minha vocação pedia.
Eu deveria levar em consideração que não me convinha ser deputado federal, pois, para exercer o mandato, deveria voltar ao Rio de Janeiro. Ora, o meio católico do Rio demonstrava-se fechado a mim. De outro lado, se eu continuasse lá durante quatro ou cinco anos estando em São Paulo apenas sábado e domingo, os contatos com São Paulo ficavam liquidados, eu perderia minha liderança no Movimento Católico de São Paulo e nosso “Grupinho” nascente se desarticularia.
Do ponto de vista pessoal, eu poderia transferir minha mãe para o Rio e morar com ela lá. Porém, isso não resolvia o meu caso.
Logo, a primeira resolução era a de não me fazer eleger deputado federal, mas estadual, com vantagem de atuar residindo aqui em São Paulo, facilitando-me intervir muito mais no Movimento Católico, o qual eu já sentia minado por laivos de progressismo.
Mais de vinte candidatos concorriam para deputado federal, enquanto três ou quatro para deputado estadual. Assim sendo, eu tinha boas possibilidades de ser eleito. Entretanto, sem ser apresentado pela LEC de modo oficial, é claro que não teria a votação atingida na primeira eleição.
Negociações político-partidárias me eram feitas, convites taxativos e positivos que concorreram para eu reforçar minha candidatura como deputado avulso. Era o que eu desejava.
Instado a pertencer aos partidos políticos
Houve uma ocasião em que recebi um telefonema do Partido Republicano Paulista: “Dr. Plinio, queremos convidá-lo para deputado estadual e gostaríamos que o senhor nos marcasse uma hora.”
Eu marquei um encontro em minha própria casa. Esteve lá um deputado, cujo nome me esqueço, conversamos cordialmente. Por fim, ele convidou-me com muita insistência a ser deputado estadual pelo Partido Republicano Paulista: “Venha. Vamos fazer uma convenção na qual você será aclamado. Não precisa deitar o menor esforço para ser eleito, porque a diretoria do partido apresentará o seu nome dentro da chapa. Cuide apenas de sua eleição fora, com seus próprios quadros eleitorais. O senhor não perderá tempo nem despesa conosco.”
São os eternos paradoxos que eu conto para se compreender como é difícil a vida de quem serve a Nossa Senhora, cheia de aparentes contradições. Essa não era uma contradição pungente, mas muitas vezes elas o são.
Eu agradeci e por cortesia disse que ia pensar. Passados alguns dias, telefonei para avisar: “Eu sou muito agradecido; mas, não contem comigo para entrar no partido.”
Dias depois, o Partido Constitucionalista fez-me uma insistência desabotoada, oferecendo-me uma situação política melhor: deputado federal. Foi visitar-me o Dr. Antônio Cintra Gordinho1, então presidente da Associação Comercial de São Paulo, homem muito rico, influente, de um trato, aliás, muito simpático. Ele veio em casa e houve uma longa insistência para eu entrar para o Partido Constitucionalista, ao qual ele pertencia.
— Dr. Plinio, o Partido está reunido em assembleia plenária, estão todos fazendo discursos para entreter os convencionais, e falta só a sua palavra para ficarem constituídos em definitivo os membros da chapa. Estão esperando o seu “sim” ou “não”. Se o senhor aceitar, telefono daqui mesmo para eles dando a notícia e, dentro de meia hora, a chapa estará aprovada com seu nome. O senhor vai comigo de automóvel para a convenção e será aclamado can didato. Se o senhor não aceitar, será uma tristeza.
Eu respondi:
— Dr. Gordinho, transmita meus agradecimentos aos outros membros da mesa do Partido Constitucionalista. No entanto, eu estou firmemente resolvido a não entrar em nenhum partido político. O convite me honra muito, mas não são essas as minhas conveniências.
Ele se despediu afinal, e foi comunicar que eu não aceitara.
O Armando Salles2 também me convidou para pertencer ao Partido Constitucionalista. Estava a convenção reunida e mandaram o Piza Sobrinho3 me procurar em casa, dizendo que esperavam uma resposta minha. O Laerte Assumpção4 presidia a sessão e mandara me dizer que até o último momento me guardava uma cadeira de deputado estadual.
O integralismo também me convidou insistentemente. Recusei a todos, afirmando que me apresentaria como candidato independente.
Começaram, então, as articulações com os políticos, que insistiam em me convidar, e com os congregados marianos, para organizar um comitê de propaganda eleitoral em todo o Estado de São Paulo. Eu dava a eles jornal falado todos os dias sobre as negociações, porque julgava oportuno eles tomarem conhecimento de que os grandes partidos me convidavam e que eu recusava. Ficava constando que tinha as portas abertas e que não havia aderido porque não queria.
Nesse período, continuou a pesar sobre mim aquele conjunto de nevralgias que eu tivera no Rio de Janeiro. Certa ocasião, senti tanta, tanta dor, que comecei a andar no quarto de um lado para outro. No fim, quando a nevralgia passou, percebi que estava sentado embaixo de uma mesa de trabalho que havia no meu quarto de dormir. Ao raiar da aurora, a dor começava a melhorar e eu, afinal, podia dormir.
Mas já cedinho começavam a telefonar-me, perguntando como proceder na campanha eleitoral que devíamos levar adiante.
Incondicional generosidade de Dona Lucilia
Foi então que mamãe interveio com muita generosidade. Uma tia dela, solteira, fizera um negócio bem-sucedido. Ela procurou as três sobrinhas dela, uma das quais era Dona Lucilia, e deu a cada qual uma quantia como um presente. Era um razoável valor, dava quase um ano de ordenado meu.
Mamãe contou-me o fato:
— Meu filho, recebi este dinheiro. Qual a aplicação que você quer dar a ele? Eu confio inteiramente em você. Se quiser, ele poderia ser destinado a mobiliar nossa casa – era uma casa muito insatisfatória, e o interior ficaria organizado –, mas você deve estar necessitado de dinheiro para a sua candidatura. Por isso entrego-o aqui para você fazer dele o uso que quiser.
Eu disse:
— Mãezinha, eu vou pensar um pouco… Vamos ver como correm as coisas.
De fato, eu queria ver como corria a política, porque fiquei de início muito duvidoso de me candidatar. Ora, se eu nem sequer me apresentasse a candidato, seria uma forma de fraqueza que aceleraria ainda mais meu desmoronamento e meu desprestígio em São Paulo.
Fiz o orçamento de quanto custaria a campanha eleitoral e era o valor exato que minha mãe tinha recebido de sua tia. Medi bem as possibilidades: “Para a Causa Católica, é melhor fazer esse sacrifício, tentar a propaganda e jogarmo-nos na campanha eleitoral, custe o que custar.”
Continuaríamos vivendo em condições precárias, sem sequer poder decorar nossa casa, ficaria tudo desarranjado. Minha mãe tinha bons móveis herdados, mas não formavam uma mobília completa. Não tinha tapetes nem cortinas, não eram condições boas para ela viver.
Procurei por mamãe e disse:
— Mãezinha, para mim o melhor seria não me candidatar, assumir a minha cátedra na Faculdade de Direito e, com nossa casa razoavelmen te arranjada, tocarmos a vida com o que eu receber como professor. Sou advogado formado, trato de abrir um escritório de advocacia, de conseguir clientes e está tudo resolvido. Mas, a vantagem para a Causa Católica consiste em que eu me candidate como deputado avulso.
Expliquei a ela no que consistia e prossegui:
— Nessas condições, peço à senhora para, de fato, lançar mão de todo o seu dinheiro para fazer minha campanha eleitoral.
Mamãe foi modelar, aceitou com toda a naturalidade, deu-me o rolo de dinheiro no mesmo momento:
— Filhão, o que você quer você tem. Todo o meu dinheiro, tudo quanto é meu, disponha como quiser!
Ela nunca mais tocou no assunto. Aceitei e joguei-me na campanha eleitoral com todo o fogo.
Incansável campanha eleitoral
Comecei a trabalhar. Montamos um escritório de propaganda eleitoral na sala de um prédio da Cruz Vermelha, no centro da cidade, na rua Libero Badaró, quase esquina da Avenida São João. Constituímos um grupo de pessoas, várias das quais tinham pedido férias de seus respectivos empregos a fim de poderem trabalhar para minha eleição, gratuitamente. Era um serviço desinteressado de bons congregados marianos, o qual eu procurava compensar rezando por eles e lhes dispensando toda a minha amizade. Era só o que eu tinha.
Fiz várias circulares com um programa, uma das quais para todo o clero do Estado de São Paulo; enviei cartas em quantidade para os padres do interior, para os congregados marianos, para listas de amigos, de fichários de que eu dispunha. Organizei caravanas de rapazes, congregados marianos e membros do grupo do Legionário, que iam pelas paróquias distribuindo, por toda parte, cédulas que eu tinha mandado imprimir às centenas de milhares. Nelas constava: “Plinio Corrêa de Oliveira, para deputado estadual.”
O consumo de cédulas foi fantástico. Mandei imprimir cartazes que foram colocados em vários lugares de São Paulo. Publiquei um manifesto anunciando minha candidatura; o escol da mocidade católica mariana de São Paulo me apoiou assinando-o, prestigiando minha candidatura.
Lembro-me que quando foi encerrada a campanha eleitoral, daí a alguns dias, todos os meus colaboradores afluíam para o escritório eleitoral central, já tarde da noite, para comentar as disposições do eleitorado. Eu precisava de cinco mil votos para ser eleito, enquanto para deputado federal eram necessários doze mil.
Eu disse a eles:
— Joguei tudo pelo tudo, minhas últimas economias. Se papai ou mamãe adoecerem, não terei com que pagar o tratamento. Eu tenho a séria esperança de ser eleito! Mas, se eu for derrotado, minha carreira política eleitoral está quebrada e, na política, estou liquidado. A nossa vitória na Constituinte fechou o meu caminho; se a Igreja ainda estivesse precisando, Ela me elegeria; mas deram-nos bilhete azul na dissolução da LEC, o que, debaixo de um certo ponto de vista, é compreensível. Vamos ver no que as coisas vão dar.
O problema das urnas
Havíamos feito uma campanha muito ativa, na qual tinha sido aplicado todo o dinheiro dado por mamãe. Tudo indicava que a eleição correria bem. Mas, circunstâncias imprevistas vieram a prejudicá-la.
Mandei pedir ao Tristão uma carta a respeito de meu trabalho na Constituinte para apresentar ao público como modo de prestigiar a candidatura. Ele mandou a carta mais fria, desaforada e sabotante que se possa imaginar. D. Duarte fez sentir que não me combateria nem me apoiaria. Outros elementos eclesiásticos com os quais eu contava se desinteressaram, inclusive os bispos do interior, excetuando D. Epaminondas5, de Taubaté.
Nessas condições foram realizadas as eleições; dias depois começou a apuração dos votos e os resultados foram diferentes do que todos imaginavam. Era esperada a vitória do Partido Republicano Paulista, mas ele recebeu votações muito menores nos lugares onde tinha os melhores motivos para esperar grande vitória.
De outro lado, começou um zum-zum de que tinha havido fraude nas eleições; correram boatos de que as urnas tinham sido forçadas. E eu comecei a ficar muito preocupado. “Como? O que vai acontecer?” Tratei de investigar o que era feito das urnas nas eleições. E soube do seguinte: todas as urnas eram seladas pelos presidentes das sessões eleitorais e levadas para um ponto do Parque D. Pedro II, em uma repartição pública, cujas salas de andar térreo eram acessíveis ao público, defendidas apenas por grades e pela luz acessa que dava um certo controle. De lá, as urnas deveriam ser transferidas para o Tribunal Eleitoral, que faria a apuração dos votos.
A minha preocupação era se alguém mexeria nas urnas. Nenhum partido político mandava fiscais e ficaria esquisitíssimo se eu mandasse fiscais examiná-las, para as controlar. Sairia toda a espécie de detrações pelos jornais e se levantaria contra mim uma série de oposições, que não evitariam grande coisa, porque, na hora da contagem, eles poderiam contar os votos totais que quisessem.
Assim, não havia controle possível. Eu me perguntava onde ficariam as cédulas do resultado das eleições. Porque todos votavam, eu votei. Eu só podia me confiar a Nossa Senhora, mais nada.
Sabotagem durante a apuração
Ocorreu uma série de episódios; por exemplo, um deputado oposicionista, inimigo do governo, deu uma declaração pela rádio de que as urnas onde estavam guardados os votos podiam ser abertas por qualquer um. Ele fez a demonstração de abrir uma delas com uma chave de papel feita por ele mesmo diante de todo mundo no Tribunal Eleitoral, e abriu sem violar um só dos selos.
Telefonaram do Tribunal Eleitoral para A Gazeta, que era naquele tempo o jornal audacioso de São Paulo. A sereia da Gazeta só tocava ao meio-dia e às seis da tarde, mas nesse dia tocou às dez da manhã. A cidade inteira ficou em polvorosa: “As urnas foram abertas, as eleições estão fraudadas…” Deveriam ter anulado as eleições, não o fizeram.
Antes de arrebentar esse escândalo, no começo da apuração, precisei tratar de um problema com o Presidente do Tribunal Eleitoral, Sylvio Portugal6, a respeito de meu título eleitoral. Entrei numa sala cheia de gente e notei na fisionomia dele uma angústia ao me ver. Não dei a menor importância.
Depois tive todas as razões para suspeitar que meus votos tinham sido tirados das urnas em quantidade, pelo fato indiscutível de que havia pessoas que tinham votado em mim, mas cujos votos não constavam na apuração. Um destes casos foi o de um padre, que eu ainda não conhecia, chamado Antônio de Castro Mayer, da Freguesia do Ó, seminarista naquele tempo. Era uma fraude da qual eu não tinha a necessária documentação, ficando sem meios de prová-la.
Qual era o resultado? Estava claro que tinham tirado votos meus das urnas e que eu poderia ter ganhado. Perdi.
Candidatos independentes havia cinco ou seis, talvez um pouco mais. Mas, homens conhecidos pelo público, éramos dois: Marrey Junior7, longinquamente parente meu, e eu. Dentre os candidatos não partidários ao menos fui o mais votado; tive a metade dos votos que me eram necessários. Não fui eleito, mas ficou uma situação digna de um homem que tem um bom peso eleitoral. O deputado avulso mais votado e que quase se fez eleger fui eu, apesar de todas essas circunstâncias contrárias. O que significava que, havendo condições favoráveis, eu teria vencido. Em termos mais claros, diretos, eu estava derrotado; minha carreira política estava cortada. Notem o mecanismo deste corte: uma punhalada nas costas.
Algumas outras circunstâncias tinham pesado contra a minha eleição, duas mais notadamente.
Uma circular adversa disseminada pela Arquidiocese
Um dia, apareceu em minha casa o vigário da Igreja de Santa Cecília, Pe. Paulo de Tarso Campos8, mais tarde nomeado Bispo de Santos. Ele tinha tomado contato com um grupo de sacerdotes e estava indignado com o que se tinha passado.
D. Duarte declarara se desinteressar pela minha eleição. Assim, o Vigário Geral tinha passado uma circular a todos os padres de São Paulo, pedindo para votar no Partido Republicano Paulista, onde o irmão do Arcebispo, Tarcísio9, era candidato. Dizia que era desprestígio para o Arcebispo seu irmão não ser eleito, pelo que ele pedia – a título individual – que todos votassem nele.
Não ser eleito o líder católico mais conhecido em São Paulo era um desprestígio para a Igreja, e isso não tinha importância; mas, o que não se podia aceitar era o desprestígio para o Arcebispo!
O Pe. Paulo de Tarso Campos mostrou-me a carta para eu ver, dizendo-me vibrante de indignação:
— Se você quiser, nós vamos constituir uma comissão de sacerdotes para fazer um protesto a D. Duarte. E vamos juntos, com você, fazer esse protesto.
Eu tinha um grande respeito pessoal a D. Duarte. Além do mais, era o meu Arcebispo e eu não queria fazer nenhuma pressão sobre ele. Eu preferia uma derrocada na minha posição a apertar, com a ponta do dedo que fosse, a pessoa sagrada de meu Arcebispo. Transmiti ao Pe. Paulo que se eles quisessem fazer esse protesto, eu lhes agradeceria, mas não me associaria. E a coisa se desfez como espuma.
Eu não quero crer que a jogada tenha sido da parte de D. Duarte. Mas o Vigário Geral, velho e doente, muito amigo de D. Duarte, teve uma fraqueza e passou a circular: “Afaste o Plinio e ponha o irmão dele.”
O irmão foi eleito, e com muito boa votação.
As ameaças se cumpriram, mas nada abalou a fidelidade
O Estado de São Paulo, jornal laico, tinha uma seção religiosa, denominada “Movimento Católico”, dirigida por um velho senhor chamado Júlio Rodrigues; aí constavam notícias religiosas como numa espécie de lixo, como informações de segunda classe. Mas essa seção era muito lida pelo público católico, porque pensavam ser algo oficial da Cúria. Não era, ele escrevia de iniciativa própria. Mas, como era um católico militante, o público tinha a impressão de que aquilo era da Cúria.
Pouco antes das eleições, saiu um artigo dele censurando os candidatos avulsos, dizendo que a Doutrina Católica era contra os candidatos avulsos. Com que fundamento? Nenhum! E recomendava que se votasse apenas em candidatos de partidos políticos.
Eu, como sabia que essa seção era escrita por um particular, que não exprimia a voz da Cúria em nada, não dei atenção. E saí para o meu trabalho eleitoral.
Pouco depois recebi telefonema de minha irmã, indignada com o que tinha acontecido. Que explicação isso tinha? Ela entendia ser um ataque direto de D. Duarte contra mim. Expliquei bem a coisa concluindo: “Faço questão que nesta casa, daqui por diante, seja livre falar sobre D. Duarte. Mas falar contra ele, eu não permito! Porque ele é meu Arcebispo e não posso suportar que se fale contra ele.”
Orientação ou prescrição que foi seguida na perfeição. Na realidade, prejudicou-me e não pouco. A minha carreira política estava liquidada. Aquelas ameaças recebidas tinham se realizado ponto por ponto. Eu não tinha cedido, fui esmagado.
Como se manobrou para chegar até isso? Quais foram as pessoas que conscientemente trabalharam para isso? Quais as que se deixaram envolver e manobrar? No Juízo de Deus se saberá. Não acusarei ninguém. Pode ter havido muitos que se deixaram iludir ou intimidar. Pode ter havido inúmeros outros que sabiam o que estavam fazendo. Não sei, deixo no ar.
Eu não tinha pedido nada a Nossa Senhora, eu me deixei levar até lá e não pedi nada, nem sequer fiz uma jaculatória. E assim foi minha vida, com altos e baixos até hoje.
“Lutarei até o fim!”
Eu via o vagalhão que vinha destruir tudo quanto eu havia esperado! Parecia que as estrelas do céu se jogavam sobre mim como se fossem pedras, e eu dizia: “Não entendo nada. Não tenho força, relações nem meios para fazer face a esta horda de inimigos que avança com a intenção de esmagar a obra que eu estava construindo. Já prevejo a derrota e o esmagamento, mas lutarei até o fim!” Toda a esperança que eu tivera de constituir uma Contra-Revolução para esmagar a Revolução dava no contrário. A Revolução se voltava contra mim, parecendo esmagar-me.
Compreende-se como era sombria a perspectiva. E eu pensava: “Como sairei disso? Qual o sentido de minha vida? Terei cometido algum pecado que ignoro? Existirão talvez em mim resíduos de amor-próprio, de orgulho, de algo que não noto, mas que pesa contra mim na balança de Deus? Nossa Senhora me deu tanta devoção a Ela! Entretanto, parece que está muda diante de mim. Se eu fosse dizer que os meus inimigos me assaltam, não seria nada! A minha Mãe celeste me ignora…!”
Era o quadro de um cerco completo, uma tragédia aos 24 anos! A doença e o infortúnio abatiam-se sobre mim, e eu pensava: “Talvez deva oferecer minha vida a Deus como vítima expiatória, a fim de que outras almas façam, na Terra, o que não fui capaz de fazer.”
Uma conclusão muito triste, mas algo me dizia no interior: “Você não tem o direito de pensar assim! Tem a obrigação de esperar que outra coisa aconteça e que as velhas esperanças dos seus primeiros anos se realizarão!”
Nossa Senhora tinha dado a entender que Ela queria que eu formasse uma Ordem de Cavalaria. Portanto, eu deveria crer que, apesar de todos os obstáculos e trambolhões, eu teria de fato os recursos necessários para essa fundação.
Desde que eu fosse fiel, vivesse no estado de graça e fosse progredindo na virtude, Nossa Senhora faria por meu intermédio aquilo que eu percebia ser a determinação d’Ela.
Então eu compreendi a confiança: saber interpretar os sinais e as manifestações da vontade d’Ela e confiar numa coisa razoável. O Livro da Confiança tomou para mim todo o seu sentido. A Providência parecia querer que eu sobrevivesse e realizasse essa obra.
Tempos depois, começou a nascer, na Congregação Mariana de Santa Cecília, um núcleo sobre o qual pairava um desígnio. Era uma primeira renovação das minhas antigas esperanças que renascia da árvore que eu plantara e que o sopro da heresia jogara ao chão. Umas frutas caíram, deitaram na terra algumas sementes e uma outra obra nascia; minha alma se voltava a ela. Era a minha Ordem de Cavalaria!
1) Empresário, natural de Limeira, interior de São Paulo (*1893 – †1966).
2) Armando de Salles Oliveira, engenheiro e político (*1887 – †1945).
3) Luís de Toledo Piza Sobrinho, político (*1888 – †1983).
4) Laerte Teixeira de Assumpção, político (*1880 – †1950).
5) D. Epaminondas Nunes de Ávila e Silva , Bispo de Taubaté (*1869 – †1935).
6) Exerceu a presidência do Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo de 1934 a 1935 (*1890 – †1945).
7) José Adriano Marrey Júnior (*1885 – †1965).
8) Natural de Jaú (*1895 – †1970).
9) Tarcísio Leopoldo e Silva (*1888 – †1962).