sábado, octubre 5, 2024

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Humildade, condição necessária para o supremo heroísmo

Para ser verdadeiro herói, o homem deve levar a humildade até o último ponto. Não basta aspirar a coisas grandiosas, é preciso aceitar o que Deus manda, com alegria.

No Céu se é muito mais feliz do que na Terra, por isso as pessoas deveriam ter mais desejo de ir logo para lá.

Ora, o homem tem um tal apego à vida, que tem vontade de dizer a Deus: “Espere eu gozar um pouco a vida nesta Terra, depois vou para o Céu.” Não é algo racional, mas está no nosso instinto de conservação. Entretanto, com as almas que sabem viver de confiança, a Providência tem um trato misterioso pelo qual com frequência intuem qual é o desígnio de Deus sobre elas: se é viver no Reino de Maria ou ir para o Céu antes que ele se instaure.

Havendo um desejo intenso de uma ou de outra coisa, a alma deve confiar de que é o desígnio de Deus que se realiza.

Um passaporte para o Céu

Durante a vida, o homem precisa ter a confiança de que Nossa Senhora vai preservá-lo de maneira a estar inteiramente limpo de qualquer pecado, porque não é difícil prevaricar durante o combate. Entretanto, quando alguém morre como um mártir, derramando o sangue pela Fé Católica Apostólica Romana, sobe direto para o Céu.

Arquivo Revista
São Bernardo de Claraval (Coleção particular)

A pessoa tem, então, vontade de dar glória a Deus lutando contra os adversários d’Ele e de Nossa Senhora, para a vitória da causa d’Eles na Terra e, ao mesmo tempo, a esperança de que, espadagando bem, direi to, lançando-se para a frente podendo ser morto no primeiro tiro, ele pode encontrar o passaporte para o Céu. É um sistema de pensamento que forma heróis, porque dá uma motivação para o heroísmo.

É preciso lutar – se se trata de uma guerra religiosa – contra os inimigos da Religião, mas batalhar com ódio à heresia, não ao herege. Se, por exemplo, um herege vier por cima de um guerreiro e, ao invés de matá-lo porque está atacando a Igreja, matá-lo pensando: “Este desgraçado está querendo me matar, antes mato eu a ele!”, matou por ódio pessoal e a ação não é santa. É preciso ser batalhador e matar por amor à Igreja, mas nunca por um ato de vingança pessoal.

Nunca recuar

Havia soldados que faziam votos terríveis por ocasião do combate. Houve uma Ordem religiosa cuja regra foi redigida pelo grande São Bernardo de Claraval. Depois ela degenerou, mas, enquanto esteve no seu apogeu, foi esplêndida: era a dos cavaleiros chamados Templários. Eles tinham um voto tremendo: nunca recuar na batalha!

Se recuassem, cometiam pecado mortal; cometendo-o, podiam não ter ao seu alcance um padre para dar absolvição. O cavaleiro batalhava e, se não tivesse arrependimento, a espadagada ou o golpe de lança podia ser o passaporte para o Inferno. É terrível! É preciso confiar em Nossa Senhora e saber dizer “Salve Regina, Mater misericordiæ” para não nos encontrarmos nessa situação.

Às vezes o batalhador era ferido – para falar em termos de guerra medieval – e atirado do cavalo ao chão, permanecendo ali horas e horas antes de morrer, sem nenhum socorro. A cavalaria do adversário podia passar por cima dele, deixando-o esmolambado durante um, dois dias, sem remédio, sem água nem nada, agonizando e vendo na morte a libertação. E ele devia ter confiança em Nossa Senhora de que tudo lhe seria recompensado, então rezava: “Salve Rainha, Mãe de misericórdia, vida, doçura e esperança nossa, salve…” Se até o fim ele perseverasse, haveria mais um santo no Céu.

Leonardo S.

Essa é a confiança.

A hora da maior dor

Qual o papel da humildade nisso? É fazer a vontade de Deus. Quando o homem está pensando que Deus o queria para esta Terra, de repente é ferido, percebe que vai morrer e diz: “Se Deus quis isto, está bem. Será pela punição de meus pecados. Se eu não tenho pecados, será para obter o perdão dos pecados dos outros, para que outras almas se salvem. De qualquer maneira, Nossa Senhora quis consentir que eu morresse de um modo inesperado: Salve Rainha, Mãe de misericórdia…”

Sei que o momento mais duro, na hora em que me acontecer como a Nosso Senhor no alto da Cruz, quando disse: “Consummatum est”, e inclinando a cabeça entregou o seu espírito nas mãos do Padre Eterno, será a hora da maior dor.

Lembro-me até hoje de uma explicação que ouvi de um padre jesuíta do Colégio São Luís, do qual eu era aluno, quando um colega meu perguntou, na aula de Religião, se a morte era realmente uma coisa tão terrível. O padre explicou: “Imagine que alguém pegue a sua unha e a arranque da carne sem anestésico nem nada; não seria uma dor terrível?” O menino respondeu evidentemente que sim. O padre disse: “Se a unha está tão ligada ao corpo, que arrancá-la é terrível, imagine o que é ar rancar do corpo a alma?” Deve ser uma coisa terrível!

Alegria pelo oferecimento aceito

Entretanto, quando chega a hora de morrer, o homem deve se conformar com a morte e com o tipo de morte que está tendo. Algumas pessoas têm uma morte suave; outras, uma morte tremenda. Santa Teresinha do Menino Jesus era muito moça e, tocada pela graça, ofereceu a Deus sua vida para expiar os pecados dos outros. E ela desejava ardentemente morrer cedo a fim de que a expiação pelos outros fosse logo. Uma noite ela percebeu estar lançando sangue pela boca, e isso era sinal da grande doença perigosa do tempo dela: a tuberculose.

Divulgação(CC3.0)
Santa Teresinha do Menino Jesus

Hoje tuberculose é uma doença combatida e é raro a pessoa morrer por isso, mas naquele tempo não, os remédios estavam mais atrasados e não era assim.

Santa Teresinha ficou tuberculosa, mas foi tal a alegria de notar que provavelmente estava tuberculosa, que ela teve vontade de acender a luz para ver se era sangue mesmo que tinha lançado. As carmelitas dormem com uma espécie de pano sobre o busto e ela poderia tirá-lo e comprovar. Contudo, para fazer penitência e temperar esse desejo da morte, ela dormiu calmamente e esperou chegar a manhã.

O que eu fazia com o meu presente de Natal, ela fazia com esse presente de Deus: o sintoma da morte. Quando ela acordou e viu o sangue, foi falar com a superiora. Começaram a tratar e era a morte que se aproximava.

Provas terríveis

Na véspera da morte, como o dormitório ficava perto da cozinha, ouviu duas freiras trabalhando ali conversarem e uma disse para a outra: “Nossa irmã Teresinha do Menino Jesus deve morrer de um momento para outro.” Ao morrer uma freira carmelita, manda-se uma circular para todos os Carmelos do mundo contando sobre sua morte e narrando suas virtudes. Então uma freira disse para a outra: “Eu não sei verdadeiramente o que nossa superiora vai escrever na circular sobre a morte dela, porque não fez nada de grande ou de extraordinário na vida.” A freira não sabia que ela tinha oferecido a vida e estava morrendo em consequência disso.

As dores da tuberculose ficaram tão lancinantes, que Santa Teresinha teve o seguinte comentário. Ela tinha ao alcance das mãos o remédio contra a tuberculose; era um líquido de um vermelho muito bonito e ela sabia que aquilo podia, pelo menos, atenuar a dor, mas, se bebesse muito, morreria. Ela comentou: “Os moribundos podem às vezes ter a tentação de se suicidar, é uma luta para eles. Não se deve deixar ao alcance deles o remédio que possa lhes servir para a morte.”

Era um sinal de que ela estava sendo tentada pelo demônio de se suicidar. Resistiu heroicamente, nem é preciso dizer! A morte foi entrando.

Quando afinal chegou o último momento, ela teve uma visão que ninguém sabe qual foi. Ela, que estava tão fraca que quase não podia se mexer, se endireitou na cama, maravilhada, e as freiras que estavam no quarto viram. Antes de expirar, ela exclamou: “Ó meu Deus, eu Vos amo!” e caiu. Ela tinha morrido. Imediatamente um perfume fortíssimo de violetas, de origem desconhecida, começou a se espalhar pelo convento inteiro. A violeta é o símbolo da humildade. Ela tinha aceitado com humildade a morte que Deus quis lhe mandar, na hora que Ele quis, do modo como quis e, por esta forma, sua alma entrou no Céu.

É um modo de levar a humildade até o último ponto. E o guerreiro deve ser assim também, ou seja, ter a humildade de aceitar o que Deus mandar.

Uma manifestação numa praça de Paris

Uma das vezes em que eu estive em Paris, tive uma impressão tremenda. Fui andar pela cidade; eu tinha pessoas com quem falar, coisas para tratar. Foi antes do desastre de automóvel, portanto, eu não usava cadeira de rodas, andava livremente. E andei por aquele centro de Paris. Passando junto à famosa Place de l’Opéra, onde tem o Opéra de Paris, um teatro muito rico, muito vistoso, em certo momento percebi que estava cheia e eu não tinha prestado atenção. Ela se encheu de repente com um público diferente daquele que estava quando entrei na praça.

Comecei a prestar a atenção e percebi que era uma manifestação de feridos da Primeira Guerra Mundial, os quais tinham participado da guerra e ficado feridos para o resto da vida, incapacitados de trabalhar e vivendo de uma pensão do governo. Acontece que o governo pagava insuficientemente, a vida ia subindo e ele não aumentava a pensão, então estavam fazendo pressão, com aquela manifestação, para o governo aumentar o que eles ganhavam.

Pensei: “Vou ficar um pouco aqui, quero ver como é essa gente.” Muito bonito falar de um soldado que foi para a guerra, mas passam-se cinco, oito, dez anos de invalidez, como ele toma a invalidez na qual caiu? Ele se arrepende? Como fica? Revoltado? Qual é a mentalidade do sujeito que foi atingido assim?

Willem van de Poll (CC3.0)
Place de l’Opéra na primeira metade do século XX

Havia duas mulheres atrás, não as olhei, mas afiei o ouvido para ouvir o que diziam, e percebi pela conversa que eram duas casadas com dois inválidos de guerra; uma delas perguntou: “O seu marido não veio?” A outra respondeu: “Não, mas ele está aqui por perto.” Depois a primeira disse, dando risada: “Ele trouxe toda a lojinha dele…” E deu um riso de escárnio.

A “lojinha” eram todas as medalhas ganhadas durante a guerra, que ele guardava e pendurava no peito, para ter uma certa compensação durante essa manifestação: ele fora um herói. Na vida comum, a mulher tratava dando risada e chamando aquilo de bazarzinho, de “loja”. A outra deu risada e disse: “Ah, o meu não tem loja, mas tem uma coisinha que também pendurou no peito.” Umas brincadeiras assim.

Quem é o verdadeiro herói?

Veja só! – pensei – quando a tropa parte, entusiasmo e clarins, todos vão ser heróis. Chega o momento de combater, uns morrem. O caso está encerrado, para os efeitos da Terra… Para os do Céu, não se sabe. O Purgatório é muito longo às vezes, e o Inferno é terrível e eterno! Se voltam feridos, podem ficar a vida inteira estropiados e então como fica a vida deles? Nisso ninguém pensa na hora de partir para o combate, e o verdadeiro herói não é só o homem que combateu, mas é o que depois não se arrependeu de ter combatido. Pensando: “O meu país pelo menos venceu a guerra.” Ou então: “Porque muitos como eu lutaram com coragem, o nosso país sofreu uma derrota honrosa. Isso me consola.” Isto é ter têmpera, ter força!

Olhei um pouco aquilo, uns quinze, vinte minutos. Desci uma avenida que partia de lá. Estava um dia quente, eu estava com amigos, passamos por uma cervejaria. Sentamo-nos, e logo vejo numa mesa perto uma cena.

Um casal relativamente moço ainda, o homem teria uns trinta e tantos anos, a mulher mais ou menos a mesma idade, ele cego. Ele, com os olhos fechados não via nada, mas via-se que, pelos sons, tinha avidez de viver, tomava contato com as coisas e tinha um interesse fabuloso pelo que ele conseguia captar da vida. Ele estava se distraindo, apesar de ser cego.

A mulher dele, prematuramente envelhecida, arranjada com a máxima negligência que se possa imaginar, porque, como o marido era cego, ela não tinha razão para se enfeitar para ninguém. Era séria, tocava de qualquer jeito o negócio de vestido, de penteado, com ar de derrotada, de cansada, como quem diz: “Estou associada a esse cego, carregando-o até o fim da vida…” Faltou-lhe a garra necessária para tocar a vida. A humildade levaria essa senhora a dizer: “Foi a vontade de Deus. Eu vou carregar esse fardo como Nosso Senhor Jesus Cristo carregou a sua Cruz!” E seguiria em frente.

(Extraído de conferência de 21/12/1991)

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