São Pedro de Alexandria manteve-se firme e severo na punição do herege Ario. Aos fracos e temerosos, oferecia o perdão e recomendava-lhes jejuns; mas dos relapsos e pecadores públicos exigia categóricas penitências para desagravar a moralidade pública.
Temos a considerar duas fichas concernentes a São Pedro de Alexandria, cuja festa é comemorada em 25 de novembro.
Advertência divina por meio de um sonho
O antecedente do fato que será narrado é que São Pedro de Alexandria havia excomungado Ario.
O santo foi preso e Ario temeu que ele morresse sem lhe dar absolvição. Pediu, então, aos principais membros do clero que intercedessem por ele junto ao bispo. Os eclesiásticos, uma vez na prisão, foram visitar São Pedro.
Depois da oração costumeira, prosternados todos por terra, beijaram a mão do prelado e disseram: “Por vosso próximo martírio, usai de indulgência para com Ario. Perdoai-o.”

O homem de Deus respondeu-lhes com indignação, levantando as mãos para o céu: “Ousais suplicar por Ario? Neste mundo e no outro, ele está para sempre separado da glória do Filho de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo.”
Perceberam que uma inspiração divina levava o bispo a falar dessa maneira. De fato, mais tarde, São Pedro contou a um sacerdote, seu companheiro de prisão, porque fora aparentemente tão severo: “Alexandre, a loucura de Ario ultrapassou toda iniquidade. O que eu disse, não o disse por mim mesmo. Esta noite passada, quando a Deus endereçava minhas orações e vós dormíeis a meu lado, apareceu-me um menino de rara beleza, de seus doze anos, envolto numa luz que eu não podia suportar. Passada a primeira surpresa, perguntei-lhe: ‘Senhor Menino, quem te dilacerou assim as vestes?’
O menino trazia a túnica de linho rasgada, de alto a baixo, de ambos os lados.
Respondeu-me: ‘Foi Ario que assim me pôs.’ E acrescentou em seguida: ‘Guarda-te de o teres na comunhão, porque amanhã virão interceder por ele. E diz a Áquila e a Alexandre, que serão teus sucessores e governarão a minha Igreja, que também não o recebam. Quanto a ti, próximo, muito próximo está o teu fim.’”
Severidade para com quem não tem o coração contrito
O fato é sublime. São Pedro de Alexandria estava preso e delineava-se um movimento para que ele, antes de morrer, perdoasse Ario. O herege, naturalmente, só queria esse perdão por maldade, por falsidade, pois não tinha nenhuma intenção boa, nenhuma contrição verdadeira. Ele queria fazer mau uso desse perdão para, mais uma vez, iludir os bons e arrastar um número maior deles para a perdição.

Para evitar o mal que adviria se São Pedro atendesse a esse pedido, houve uma aparição durante a noite. O Menino Jesus Se manifestou a São Pedro com os dois lados de sua veste rasgados – para mostrar exatamente que Ario tinha agido assim com a Igreja, a qual é comparada à túnica de Cristo –, dizendo: “Não o recebas, e os teus dois sucessores que não o recebam também”, acrescentando que para Ario, já não havia perdão, tal era o mal que ele tinha praticado.
Por aí vemos a severidade divina até onde pode chegar, por vezes, em relação a uma pessoa viva.
Categóricas e belas formas de penitência
São Pedro foi bispo de Alexandria, ao tempo das perseguições de Diocleciano, Galério e Maximino Daia. Ao iniciar-se a primeira perseguição no tempo de seu episcopado, prescreveu penitência, durante a Páscoa, para os católicos que tivessem cedido aos perseguidores. Havia católicos que se deixavam intimidar e que cometiam a abominação de queimar incenso aos ídolos. Depois, iam desesperados procurar a Igreja para pedir perdão.
São Pedro de Alexandria determinou que se fizessem penitências pelas ações infames que eles tinham praticado. Assim, aos que não suportavam a prisão e a tortura por causa da fragilidade do corpo, declarava que quarenta dias de jejum eram necessários para que se purgassem.
Aos que, tendo sofrido a prisão, deixavam-se vencer no combate, um ano de penitência. Aos que nada tendo sofrido, eram dominados pelo temor e vinham à penitência, propunha-lhes a parábola da figueira estéril: se depois de um ano apresentassem frutos dignos, tinham direito de ser socorridos. Quanto aos impenitentes desesperados, a esses era dado conhecer a parábola da figueira maldita: não adianta nada, é preciso cortar e jogar fora.
Essas eram formas de penitência extremamente categóricas da Igreja antiga, mas, ao mesmo tempo, tinham este aspecto bonito: deixar, em quase todos os casos, o caminho aberto para o perdão, exceto para aqueles que não se penitenciavam.
Aquele era um tempo não apenas de penitências privadas, mas também públicas. Quem dava um escândalo, para ser admitido de novo aos Sacramentos tinha que sofrer publicamente um vexame correspondente ao mal que tinha praticado. Por aí compreendemos o desagravo que a moralidade pública recebia com isso.
O pecado público exige uma reparação pública
Imaginemos isso transformado num costume do nosso tempo e entenderemos o caráter profundamente salutar dessa lei.
Uma atriz célebre, por exemplo, que tenha levado uma vida escandalosa, participando em filmes imorais, e que queira voltar a receber os Sacramentos, pode ser recebida com todo o carinho e com todo o afeto. Porém, como o seu pecado foi público, ela deveria comparecer várias vezes a várias igrejas da diocese onde mora e ler publicamente um pedido de perdão a Deus e a todos aqueles a quem ela escandalizou pelo mal que fez. Assim se reconstitui a dignidade pública ultrajada e assim se remedeia a glória de Deus.

Fazia-se isso num tempo em que as leis também tinham penas infamantes para certos crimes civis. Por exemplo, quem era pego em pecados contra a carne, como o adultério e outros semelhantes, era enrolado nu com uma espécie de cola em grandes camadas, na qual se grudavam penas de pato e de galinha. A pessoa ficava toda ridícula eriçada de penas, mas, ao mesmo tempo, cuidadosamente coberta, não aparecia nada. Assim, descalço, o pecador era obrigado a percorrer as ruas centrais da cidadezinha onde morava, com a chacota da molecada, pois estes não perdem ocasião para fazer uma festa e para dizer tudo quanto lhes ocorra. Depois a pessoa voltava para casa e ficava expiado o que ela fez.
Necessidade de desagravar a moralidade pública
Desse modo a moralidade pública era desagravada e o perdão não significava uma atitude de fraqueza, mas de genuína bondade. Quando isso é praticado pela Igreja e pela sociedade temporal, a moralidade pública adquire força para punir todos que a escandalizam.
Na situação atual, isso é diferente. O indivíduo peca e alguém diz: “Ah, coitado! Vamos perdoar, não teve culpa. Tal coisa foi atenuante para ele. Ai de quem atirar contra ele a primeira pedra! Ai de quem falar mal!” E quem representa o papel da moralidade pública recebe todas as pedradas se falar algo. E o pecador continua comodamente, sem nenhum desagravo, no meio dos outros. Isso é errado.
Temos, pelo exemplo de São Pedro de Alexandria, uma ideia do valor das penas públicas que a antiga Igreja praticava.
(Extraído de conferência de 26/11/1965)