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Belezas e sublimidades da Apresentação de Nossa Senhora

Embora as aparências indicassem um fato em extremo comum, a entrada de Nossa Senhora no Templo de Jerusalém quando ainda criança significou o início da realização da grande promessa da história da Redenção.

No dia 21 de novembro, comemora-se a Apresentação de Nossa Senhora no Templo. Esta festa possui alguma beleza especial?

A realização da promessa

Maria Santíssima, eleita desde todos os séculos, a Raiz de Jessé da qual haveria de nascer Nosso Senhor Jesus Cristo, é apresentada no Templo. A instituição incumbida de guardar a promessa da vinda do Salvador recebe Aquela que dá o primeiro passo para sua realização.

Dá-se uma espécie de encontro da esperança com a realidade. Nossa Senhora entra e se consagra ao serviço de Deus, levando uma alma insondável e incomparavelmente santa. Nesse momento, apesar de toda a putrefação da nação de Israel e de o Templo ter-se transformado num covil de fariseus, como Nossa Senhora estava ligada a ele, entrou ali uma luz incomparável, que foi exatamente a santidade d’Ela. Nesse local Ela começava a sua preparação para, sem saber, vir a ser Mãe de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Na atmosfera e nas graças desse edifício sagrado, separada para servir a Deus, Ela foi aumentando de amor a Ele, até formar o desejo ardente de que o Messias viesse logo e formular o pedido de ser uma servidora daquela que seria a Mãe do Messias, pois não sabia que seria Ela mesma.

Fotos: Flávio Lourencço
A Virgem rezando – Galeria Nacional de Úmbria, Itália

Toda essa santificação preparatória da vinda de Nosso Senhor, essa inaudita e assombrosa preparação, se deu a partir do momento em que Nossa Senhora se apresentou no Templo. É essa primeira Apresentação que a Igreja celebra.

Nossa Senhora se dirige ao Templo

No livro de Régamey1 Les plus beaux textes sur la Vierge, nós encontramos as seguintes reflexões baseadas em São Francisco de Sales:

É um ato de admirável simplicidade o desta gloriosa criança que, presa ao regaço de sua mãe, não deixa, contudo, de conversar com a Divina Majestade. Ela se absteve de falar até o tempo apropriado e, ainda então, só o fazia como as outras crianças de sua idade, embora falasse sempre com muito acerto.

Ela permaneceu como um suave cordeiro junto a Santa Ana pelo espaço de três anos, após os quais foi conduzida ao Templo, para aí ser oferecida como Samuel, que também foi conduzido ao Templo por sua mãe e dedicado ao Senhor na mesma idade.

Ó meu Deus, como desejaria poder representar vivamente a consolação e a suavidade dessa viagem, desde a casa de Joaquim até o Templo de Jerusalém! Que contentamento demonstrava essa criança vendo chegar a hora que tanto desejara!

Os que iam ao Templo para adorar e oferecer seus dons à Divina Majestade cantavam ao longo da viagem. E para isso o real profeta Davi compusera expressamente um salmo, que a Santa Igreja nos faz repetir todos os dias no Ofício Divino. Ele começa pelas palavras: “Beati immaculati in via”: “Bem-aventurados são aqueles, Senhor, que caminham na tua via sem mácula, sem mancha de pecado”(Sl 118, 1).

“Na tua via”, quer dizer na observância dos teus Mandamentos.

Os bem-aventurados São Joaquim e Santa Ana cantaram então esse cântico ao longo do caminho, e nossa gloriosa Senhora e Rainha com eles.

Ó Deus, que melodia! Como Ela a entoava mil vezes mais graciosamente que os Anjos! Por isso ficaram eles de tal forma admirados que, aos grupos, vinham escutar essa celeste harmonia e, os Céus abertos, inclinavam-se nos alpendres da Jerusalém Celeste para olhar e admirar essa amabilíssima criança.

Eu quis dizer-vos isso, embora rapidamente, para que tenhais com que vos entreter o resto deste dia, considerando a suavidade dessa viagem; também para que fiqueis comovidos escutando esse cântico divino que nossa gloriosa Princesa entoa tão melodicamente, e isso com os ouvidos de vossa devoção, porque o muito feliz São Bernardo diz que a devoção é o ouvido da alma.

Uma infância comum, mas cheia de sabedoria e contemplação

O fundamento teológico de tudo quanto está dito aqui é a Imaculada Conceição de Nossa Senhora.

Como, desde o primeiro instante de seu ser, Ela foi concebida sem pecado original, não tinha as limitações inerentes a ele. E entre essas limitações está o fato de a pessoa nascer inteligente, mas sem o uso da sua inteligência. Esse uso só vem mais tarde, com o desenvolvimento do corpo.

Fotos: Flávio Lourencço
Menino Jesus na Manjedoura – Igreja de São João, Freising, Alemanha

Nossa Senhora teve, desde o primeiro instante, o uso da sua inteligência de modo altíssimo. Na infância d’Ela, como na de Nosso Senhor – e na d’Ele com uma sublimidade desconcertante –, reuniam-se, num contraste admirável, aspectos aparentemente contraditórios. De um lado Ela tinha uma contemplação que, a meu ver, era maior que a dos maiores Santos da Igreja, quando Ela estava ainda nos primeiros passos de sua vida. Mas, de outro lado, Ela mantinha toda a atitude de uma criança e não fazia uso externo disso, de sua sabedoria, querendo, por humildade, viver como uma criança qualquer.

De maneira tal que, quem tratasse com Ela, a não ser por alguma expressão de olhar ou algo semelhante, teria a sensação de estar tratando com uma criança comum, igual às demais, como Nosso Senhor Jesus Cristo que em todas as suas manifestações externas era como uma criança e, como tal, quis ser nutrido, guardado, pajeado como uma criança, embora fosse Deus, soberano Senhor e Rei do Céu e da Terra; mas em todas as suas manifestações externas era como uma criança.

Podemos imaginar na vida quotidiana de São José e de Nossa Senhora, o momento em que era preciso dar-Lhe leite ou trocar-Lhe as roupas. Eles O pegavam, colocavam-No sobre uma mesa e vestiam-No com uma roupinha. Ver Aquele que eles sabiam ser Deus, a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade hipostaticamente unida à natureza humana, o Qual estava nos esplendores das alegrias, da majestade e da grandeza da divindade e, ao mesmo tempo, era aquela criancinha que ria, não só fazendo que não entendia, mas com uma certa autenticidade nesse não entender, embora entendesse!

Pois bem, algo semelhante se dava também com São Joaquim e Santa Ana. Não sei se eles sabiam que Nossa Senhora seria a Mãe do Verbo Encarnado, mas certamente sabiam ser Ela uma Menina designada a altíssimas coisas em ordem ao Messias. E essa Menina levava a vida de uma criancinha.

Beleza dos contrastes harmônicos

Isso nos faz compreender como se ajustam esses aspectos da benignidade extrema de Deus Nosso Senhor, da extrema afabilidade, de extrema acessibilidade, da extrema bondade de Nossa Senhora, com uma grandeza de que os maiores homens da Terra não são senão uma minúscula figura.

Por quê? Porque Nossa Senhora quis que as coisas fossem assim e, sendo Rainha incomparável, Ela era, ao mesmo tempo, Menina simplicíssima. O que, aliás, Santa Teresinha do Menino Jesus, discorrendo a respeito do modo de pregar sobre Nossa Senhora, comenta muito bem, dizendo que ela gostaria de fazer um sermão à sua maneira, ou seja, mostrando em Nossa Senhora todo esse lado de simplicidade, de acessibilidade, a ponto de comportar-se como uma criancinha obediente a seus pais, sendo a Rainha do Céu e da Terra.2

Esses contrastes harmônicos têm uma tal beleza em si mesmos, que eu até digo que desdouramos o assunto tratando longamente dele. Porque eles têm qualquer coisa de insondável, sendo melhor mantermos silêncio do que propriamente os comentarmos.

Fotos: Flávio Lourencço
Santa Ana ensinando a Virgem a rezar – Museu de Belas Artes de Angers, França

Uma Menina com voz inefável caminha cantando o Salmo de Davi

Ora, segundo uma tradição muito generalizada, foi Nossa Senhora, nessas condições, aos 3 anos de idade, levada ao Templo, cantando durante o percurso, como os judeus costumavam fazer naquela época. É um fato lindíssimo!

O Templo ficava em Jerusalém. Em outros locais havia sinagogas para rezar; mas, para fazer os sacrifícios, somente o Templo de Jerusalém.

Os judeus de toda a nação, como também os da diáspora dispersos pelo mundo inteiro, iam periodicamente a Jerusalém para participar do sacrifício no Templo. E como era motivo de alegria ir aonde se manifestavam a glória e as consolações de Deus, ao lugar que representava o vínculo entre o Céu e a Terra, era bonito que fossem cantando, como tantas vezes acontecia em romarias antigas.

Os métodos de locomoção modernos conspiram contra o canto. Não se pode imaginar uma pessoa num subúrbio, partindo para Aparecida de trem, este a toda velocidade e ela cantando dentro dele. É melhor cantar do que não cantar. Mas, como é mais bonito ir a pé, pousando de quando em quando, parando, cantando, tocando para frente! Como isso tem outra plenitude humana, outra harmonia natural que o canto dentro de uma locomotiva não tem. Pior é o canto enlatado dentro do ônibus. Eu sou pouco viajante com este veículo, mas, presumo, há uma tal conjugação da lataria contra a harmonia, que cantar ali se torna impossível.

Imaginemos a beleza, quando chegava o mês da visita ao Templo, os judeus de todos os lados irem cantando até ele. E a nação judaica se encher, nos seus caminhos, de cânticos de todos os lados.

Por isso São Francisco de Sales imagina como algo normalmente certo, que quando Nossa Senhora se dirigiu ao Templo, foi cantando com São Joaquim e Santa Ana.

Como seria o cântico da Menina, entoando com uma voz inefável o salmo que Davi, por inspiração do Espírito Santo, havia composto para essa circunstância!

Ora, com uma finura de tato extraordinária, São Francisco de Sales não fala da impressão que esse canto produziu nos homens, porque precisamente como Nossa Senhora não manifestava a sua grandeza, era possível que Ela não cantasse com toda a perfeição com que sabia cantar. O cântico de Nossa Senhora teria de ser o cântico por excelência. Antes e depois d’Ela ninguém cantou melhor, exceto Nosso Senhor Jesus Cristo. E depois disso, nenhum cântico foi cântico.

Isso nos faz imaginar outra coisa: os Anjos ouvindo o cântico d’Ela, porque eles ouviam as harmonias de alma com que Ela cantava, e isso os extasiava. E, como se pode comparar o Céu a uma cidade, a Jerusalém Celeste, São Francisco diz que dos alpendres ou dos terraços da Jerusalém Celeste, os Anjos debruçavam-se para ver Nossa Senhora cantando pelos caminhos da Judeia, e era para eles, então, um gáudio inexprimível, embora os homens ignorassem aquele canto.

Fotos: Flávio Lourencço
Apresentação da Virgem ao Templo – Convento Mãe de Deus, Lisboa

Eu confesso que não conheço ideia mais apropriada para essa circunstância, nem mais bonita. Um pensamento mais belo do que esse só poderia haver no momento em que imaginássemos Nossa Senhora entrando no Templo.

Depois da grande plenitude, veio a grande tragédia

O Templo de Jerusalém, na sua majestade sacral, na sua grandeza, ainda habitado pela glória do Padre Eterno, onde se realizavam sacrifícios, era o lugar mais sagrado da Terra.

Meditemos no estremecimento de alegria de todos os Anjos que pairavam ali no momento em que Nossa Senhora entrou pela primeira vez, como uma rainha naquilo que lhe é próprio, como a joia no escrínio onde deve ser guardada.

Os Anjos sabiam que a grande história e, ao mesmo tempo, a grande tragédia do Templo ia se realizar. O Messias entraria no Templo e este iria recusá-Lo. E o fim dessa tragédia seria aquilo que Bossuet chamou magnificamente de as pompas fúnebres de Nosso Senhor Jesus Cristo, referindo-se ao momento em que Ele morreu e o Padre Eterno começou a preparar funerais: o céu se obscureceu, o Sol se toldou, a terra tremeu, e, diz Bossuet, os Anjos sacudiram o Templo com indignação.

A meu ver, os Anjos receberam ordem de entregar o Templo aos demônios, e estes fizeram ali abominações, à maneira de cem mil gatos selvagens soltos dentro do lugar sagrado, ou qualquer coisa desse gênero, fazendo estremecer o edifício todo. Deu-se aí o fim da história desse lugar.

Primeiro passo da plenitude do Templo

Mas, antes disso, o Templo conheceu sua plenitude quando Nossa Senhora levou até ele o Menino Jesus, e Ana e Simeão, que representavam a fidelidade da nação, receberam-Nos. Aí os fiéis reconheceram o Enviado e se fechou o elo entre os justos da Antiga Lei e a promessa que se cumpria.

Entretanto, Nossa Senhora, quando entrou no Templo ainda Menina, no momento de sua Apresentação, realizava o primeiro passo nessa plenitude da história do Templo de Jerusalém. O que os “Simeões” e as “Anas” que havia por lá naquele momento devem ter sentido? Quais graças e fulgurações do Espírito Santo deve ter havido ali nessa ocasião? Ninguém poderá dizê-lo, a não ser no fim do mundo.

Sigamos o conselho do suavíssimo São Francisco de Sales e fiquemos com todas essas recordações em nossas almas; pensemos nelas suave e alegremente, tanto quanto possível ao cabo de um dia de luta: Nossa Senhora cantando pelos caminhos, entrando no Templo de Jerusalém e, dos alpendres da Jerusalém Celeste, os mais altos Anjos embevecidos com a alma dessa Menina.

Esta é uma meditação muito adequada para o dia da Apresentação de Nossa Senhora.

(Extraído de conferências de 20 e 21/11/1965)

1) RÉGAMEY, Pie, OP. Les plus beaux textes sur la Vierge Marie. Paris: La Colombe, 1941, p. 229-230.

2) SAINTE THÉRÈSE DE L’ENFANT-JÉSUS ET DE LA SAINTE-FACE. Œuvres complètes. Les Éditions du Cerf et Desclée de Brouwer, Paris: 1992, p.1102-1103.

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