Uma autêntica formação filosófica faz-nos, ao contrário do que muitos julgam, voar para Deus. Sem dúvida, a consideração das limitações do raciocínio do homem e o anseio dos mais altos valores constituem o estímulo para a vida sobrenatural.
Ao longo da vida, todo homem adquire uma experiência interna de si mesmo, das suas próprias limitações, fraquezas e carências. Entretanto, ao experimentar essa insuficiência, ele sente desabrochar em seu interior um intenso desejo de voltar-se para algo de absoluto e divino, que compreende ser exterior a si. Essa necessidade, que é também uma carência, determina uma apetência e um desejo de ordem instintiva, que jorra possante e plenamente em sua integridade e pureza original, rumo ao Divino, no mais profundo da alma humana.
Esse fenômeno é denominado Instinto do Divino, algo que de si mesmo é inteiramente conforme à natureza.
À procura de Deus
Como fruto do Instinto do Divino, surge um conhecimento ainda anterior ao raciocínio, que é conhecido como Senso do Divino.
Movido pelo Instinto do Divino, o homem tem sua atenção voltada para alguns princípios de ordem filosófica, ainda quando subconscientes, que o fazem excogitar algo a respeito de Deus enquanto ser transcendente. Esses princípios induzem sua alma a aplicar as verdades já conhecidas também a este senso, permitindo-o entrever muito do divino nas coisas, facilitando assim a pesquisa feita pelo raciocínio rumo ao encontro do Divino. Este conhecimento anterior ao raciocínio explícito, capaz de guiá-lo e estimulá-lo, chama-se Senso do Divino.
O Instinto e o Senso do Divino são, portanto, de ordem natural. Porém quando corroborados por uma ação de Deus ou pelos dons do Espírito Santo no sentido de guiá-los e aguçá-los, podem passar facilmente da ordem natural para a ordem sobrenatural. Isso afirmava São Tomás de Aquino, utilizando-se de Aristóteles, acerca da ação do Espírito Santo no Instinto do Divino.
Formação autêntica
Compreende-se, então, como a autêntica formação católica deveria começar, desde suas mais básicas raízes, no estímulo ao Instinto do Divino como também ao Senso do Divino. Caso contrário este instinto atrofia-se, ainda nos anos da infância dos indivíduos, devido a mil circunstâncias desfavoráveis da educação moderna.
Considerando valores mais altos…
À luz destas noções, torna-se possível considerar o conceito de nobreza de espírito.
Para uma pessoa que não possua uma luz primordial1 especificamente metafísica, tanto o Instinto do Divino como o Senso do Divino se fazem sentir através da procura do que há de mais elevado e arquetípico em cada ordem de coisas criadas por Deus. De tal forma que o espírito busca, em tudo, o que é mais nobre. Essa é, então, a verdadeira nobreza de alma. E é na consideração ou procura de valores superiores, que vive o homem de alma nobre.
Essa nobreza constitui uma condição para que o Instinto do Divino obtenha o que anseia, que vem a ser propriamente Deus.
O Instinto do Divino predispõe a alma para receber a Revelação. Além de proporcionar uma docilidade em relação à Doutrina Católica, o que serve posteriormente como prodigioso argumento apologético. Pois o conhecimento da Doutrina Católica sacia de tal modo a alma humana e, em consequência, o Instinto do Divino, que se torna desnecessário um argumento apologético que prove as verdades da Fé.
Segundo São Tomás de Aquino, o Instinto e o Senso do Divino, quando corroborados por uma ação de Deus, podem passar facilmente da ordem natural para a sobrenatural.
Obstáculos a vencer
Entretanto, ao longo da vida, inúmeros são os obstáculos que nascem contra o Instinto do Divino. Esses empecilhos caracterizam-se, sobretudo, por um amarfanhamento ou um desuso desse instinto, que são diretamente provenientes do ateísmo e do egoísmo.
Outro obstáculo ocorre pela repressão do senso metafísico e do Instinto do Divino, causando uma “opacidade” de alma no indivíduo. Sua concepção do Divino limita-se, então, ao revelado, e sua posição de alma perante a Revelação torna-se mera recepção indiferente. Não repercute mais a Revelação nele se é de uma de outra forma.
Existe ainda a deformação do indivíduo que racionaliza esse senso. Ao fazer o estudo de Filosofia ou de Teologia, realizam-no de tal forma cartesiana, que julga dever reduzir o Instinto do Divino a tábula rasa, fazendo desse instinto um simples jogo de razão afastado de Deus, e portanto, indiferente às maravilhas das quais poderá tomar conhecimento.
Raciocínio humano
Lembro-me de um professor e filósofo do qual tomei conhecimento, que afirmava algo que me causava profunda estranheza. Porém eu ainda não possuía elementos sólidos para refutá-lo. Dizia ele o seguinte: “A verdade que eu concebo como corolário de meu raciocínio, é a verdade contra tudo e contra todos. Será verdade até contra a Igreja. Contudo creio que a Igreja nunca errará.” Ou seja, sempre concordaria com ele… “Mas a verdade, absolutamente entendida, não abro mão dela.”
Com o passar do tempo tornou-se-me clara a explicação para o problema: qualquer homem sente em si debilidades e fraquezas inumeráveis, por onde se torna inviável que ele mantenha uma confiança plena em seu próprio raciocínio. Por isso, conhecendo razões extrínsecas ao seu pensamento que o levem a duvidar dele, ele tem de fazê-lo. Pois o raciocínio humano não é, de modo algum, inerrante.
O Instinto do Divino indica-nos que toda conclusão a que possamos chegar, que em algo o contrarie, deve ser eliminada e negada, devido a uma verdade superior diretamente conhecida, que é incapaz de se equivocar: Deus.
Quem não toma esta atitude diante de suas convicções, faz do Instinto do Divino uma coisa absurda, transformando a Sabedoria em mera ciência.
E os verdadeiros voos do espírito?
Não será que a utilização dos brinquedos como entretenimento único e normal da criança, não contribui em algo para a eliminação do Instinto do Divino, sobretudo quando os brinquedos não possuem algo de elevado, ou tendente ao sobrenatural?
Todavia, não menor é o erro da formação universitária, quando realizada com o pressuposto de prescindir dos instintos sobrenaturais, proporcionando uma exclusividade científica. De modo que o indivíduo é obrigado a calcar aos pés todas as formas de Instinto do Divino e nobreza de espírito, para colocar-se em um patamar puramente racional, transformando-se, como se diz em latim, em um ente diminutae rationis.
Os verdadeiros voos de espírito ficam excluídos da equivocada formação universitária para dar lugar apenas ao raciocínio que se pode pôr no quadro negro.
Núcleo da vida sobrenatural
Sendo um elemento reto e ordenado, o Instinto do Divino acompanhado pelo Senso do Divino são o núcleo em torno do qual se estrutura a vida espiritual e mental do homem.
Tal é o auxílio que prestam à alma em busca de Deus, que agem diretamente sobre as virtudes, tanto teologais quanto cardeais, proporcionando temperança, equilíbrio e sensatez àqueles que deles desfrutam.
Não há fortaleza maior do que a do homem que busca energicamente a plenitude do Senso do divino. Não há justiça maior do que a do homem que se põe em face do Senso do Divino e por isso julga com justiça todas as coisas. Não há temperança maior do que a do homem que possui a distância adequada a cada coisa, pelo fato de viver em função do Divino.
Considerados no plano sobrenatural, o Instinto do Divino e o Senso do Divino são os principais elementos para uma adequada vida espiritual. De tal modo que seria mister desempenhar uma formação moral e consequentemente intelectual que proporcionasse um contínuo estímulo a esses sensos, em vez de os amarfanhar.
(Extraído de conferência de 3/7/1972)
1) Luz primordial: assim Dr. Plinio denominava a virtude ou o conjunto de virtudes que cada alma é especialmente chamada a admirar.