Segundo Dr. Plinio, a visão do conjunto é superior à dos detalhes isolados, e a consideração destes não deve ofuscar uma enlevada observação daquele. Na verdade, só é capaz de admirar quem, dessa forma, sabe apreciar o conjunto. A aplicação concreta deste conceito ao apostolado é de extrema valia: não devemos permitir que algum defeito deste ou daquele desvie nossos passos no caminho de uma grande vocação.
Sempre que se observa algo, tem-se primeiro uma impressão do seu todo, em seguida dos pormenores e, finalmente, volta-se para o conjunto. Mesmo quando examina as partes, o bom analista não perde de vista o composto geral: ele as considera em função do todo, embora este ocupe o segundo plano de sua atenção. E ao observar o conjunto, ele não abstrai os detalhes, os quais, por sua vez, passam para o plano secundário. Compreende-se, pois se ele não vê nenhum pormenor, não percebe o todo, que é a soma daqueles.
Pode-se dizer que há, portanto, uma espécie de alternância de planos — do primeiro para o segundo, e vice-versa — a respeito de tudo o que se examina: as pessoas que conhecemos, os países que visitamos, a obra apostólica para a qual somos chamados e, sobretudo, a Santa Igreja Católica Apostólica Romana.
O conjunto, mais importante que os pormenores
É interessante salientar, porém, a importância maior do conjunto, em relação aos pormenores.
“Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom” (Gn 1, 31) — A observação do conjunto nos conduz a um patamar mais elevado do que o alcançado pela análise dos pormenores
Com efeito, diz a Escritura que Deus, ao criar todas as coisas, verificou que cada uma era boa e o conjunto era melhor (cf. Gn 1, 31). Ou seja, a consideração do conjunto nos conduz a uma clave superior àquela que se obtém pela análise dos pormenores. Cada ser possui em essência uma beleza que é diferente da dos demais; trata-se de uma distinção na linha horizontal. O conjunto, entretanto, apresenta um esplendor mais elevado, que difere verticalmente da beleza de cada parte.
Tomemos como exemplo uma música tocada num órgão. Cada registro desse instrumento emite um bonito som, mas o conjunto deles produz a melodia, de beleza superior à das notas isoladas. Ora, quem vive imerso dentro dos pormenores da coisa palpável, concreta, e não se interessa pelos conjuntos, assemelha-se a alguém que não ouve a música, mas apenas sons desconexos.
Aliás, seria uma experiência muito agradável visitar alguma igreja que tivesse um excelente órgão e ali, após se venerar o Santíssimo Sacramento recolhido no sacrário, pedir ao organista que acionasse cada registro para se analisar, degustar, estudar e comentar o instrumento. Em seguida, ouvir uma linda música tocada nele. Assim, cada pormenor — as diversas notas — se encaixaria numa visão de conjunto, isto é, a melodia.
Não se prender à clave dos detalhes
Cumpre salientar, também, que uma das coisas mais prejudiciais à Contra-revolução e ao progresso das almas na vida de piedade é certo estado de espírito por onde o indivíduo — e a sociedade contemporânea como um todo — torna-se habituado a prestar mais atenção nos pormenores do que nos conjuntos. Pior. Ele quer para sua própria alma, como clave, a mera perfeição da minúcia, contenta-se com isso e perde a visão do conjunto. Fomentando essa tendência, a Revolução forma pessoas medíocres, caracterizadas por um egoísmo rasteiro, cúpidas das pequenas delícias, que lhes proporcionam, não uma grande, mas uma diminuta satisfação que satura o dedalzinho de suas almas acanhadas. Têm vistas curtas, olfato breve, ouvido amortecido, língua distraída, tato entorpecido. E tudo que se lhes apresenta de grandioso, magnífico, elas olham sem admirar…
Onde não há admiração, resta a mediocridade
Ora, só é capaz de admirar quem possui a noção do conjunto. Porque a coisa minúscula, isolada, não pode ser propriamente admirada. Quem, pelo contrário, nutre a elevada visão do conjunto, torna-se capaz de se encantar, e compreende que viver é, antes de tudo, conhecer, admirar e amar os conjuntos como tais. Olhando o conjunto, vê também os pormenores, mas estes, conforme acima analisamos, permanecem num segundo plano.
Nessa perspectiva, pode-se dizer que a alma habituada a considerar os conjuntos — portanto, a contemplar maravilhas — reside dentro de um arco-íris. E o indivíduo viciado em apenas observar minudências, não tendo nada para admirar, como que mora no topo da chaminé de uma fábrica, da qual sai a pior fuligem: sua mediocridade.
“Amo a alma com vocação, mesmo alquebrada, como amaria cada fragmento dos vitrais da Sainte Chapelle, porque admirei antes o conjunto, a mentalidade que vi no florescimento daquele chamado”
Necessidade da visão de conjunto nos panoramas da vocação
Esse princípio cabe no tocante a um chamado para uma vida de apostolado, como a do nosso movimento. Pode-se afirmar que o vemos no seu conjunto quando sentimos admiração pela obra evangelizadora à qual a Providência, pelas mãos de Maria Santíssima, nos convida. Admiração esta que começa a fenecer quando deixamos de contemplar o conjunto e nos apegamos desordenadamente aos pormenores.
Para compreendermos o equivocado dessa atitude de espírito, imaginemos o olho humano mais bonito que tenha existido na Terra: extirpado de sua órbita, torna-se uma monstruosidade. E a órbita ocular mais bem feita e harmoniosa, sem o olho, não merece ser considerada. No conjunto reside a beleza.
Insisto: todo pormenor excluído do conjunto que lhe é natural acarreta, desde logo, uma visão de mediocridade e, em seguida, de feiúra.
Assim, cada membro de nosso movimento deve ver no outro a vocação, olvidando os defeitos pessoais, compreendendo ser aquela incomparavelmente mais valiosa que estes. Se observa apenas as falhas, desprezando o chamado de Deus, passa a ter uma desilusão, dizendo: “Não é esta a obra dos meus sonhos…”
E a resposta que lhe deveria ser dada é: “Nem você é dos sonhos de nossa obra”. Desejamos cumprir a vocação ao lado de pessoas que tenham, no mais alto grau, a noção de conjunto, procurando sempre realçar as coisas bonitas, de primeira ordem, e dar menos atenção às secundárias. Portanto, pessoas capazes de ver mais as qualidades do que os defeitos, embora estes sejam protuberantes.
Conservar a visão de conjunto e nela progredir
As lacunas são, de fato, como um pequeno caco de uma alma com vocação esplêndida. Suponhamos que alguém jogasse uma bomba na Sainte Chapelle, em Paris, reduzindo a fragmentos seus maravilhosos vitrais, os quais fossem depois jogados no lixo. Se eu tivesse condições, compraria esse lixo e passaria a admirar os restos da Sainte Chapelle, seus azuis magníficos, seus vermelhos incomparáveis, etc. Alguém poderia me dizer: “Mas, Dr. Plinio, isso é exatamente o pormenor e não o conjunto, que foi fraturado.”
Sucede entretanto que tive um conhecimento do conjunto, e em função deste revejo cada pormenor. Para mim, cada um daqueles cacos tem maior valor do que um vitral inteiro de outros lugares.
Assim, aprecio mais considerar uma alma com thau1, embora tenha defeitos, do que outra sem nossa vocação. E mesmo se este thau se acha reduzido a um caco, amo o conjunto, ou seja, a mentalidade que vi ou esperei ver no momento do florescimento daquele chamado.
A Santíssima Virgem trouxe a cada um de nós para habitarmos dentro de um arco-íris e cultivar sempre essa visão de conjunto. E quando for necessário descer aos pormenores, devemos fazê-lo de modo a que eles nos levem a admirar melhor o conjunto.
Queira Nossa Senhora nos alcançar esse estado de espírito, e que nele nos conserve e faça progredir.
1) Última letra do alfabeto hebraico. Dr. Plinio usava este termo para significar certo tipo de vocação (cf. “Dr. Plinio” número 101, p. 23).