Continuando a busca de respostas para os mistérios que envolvem a ascensão e a decadência da sociedade humana, Dr. Plinio discerne a ação de Deus na História dos povos e aponta para a necessidade da obediência aos planos divinos.
Fustel de Coulanges1, num livro que recomendo muito — La Cité Antique2 —, trata dessa questão e diz que Roma fundou-se assim:
Fundamentos da sociedade romana
Havia povoados de famílias numerosas que habitavam toda uma zona. Essas famílias sabiam serem parentes entre si, mas já não tinham ciência de que modo nem em que grau; conheciam apenas a tradição do parentesco e possuíam um chefe cuja ascendência reportava, por via de primogenitura, ao antigo patriarca.
O rei fora, assim, um patriarca a quem o consenso unânime resolveu colocar numa situação diferente, criando uma dignidade nova. Então, fundou-se o Estado. Mas o monarca é um produto da cidade. E dentro da cidade de Roma, o rei, na maior parte dos casos, não governava diretamente, pois a urbe era dividida em tribos e estas eram dirigidas pelos respectivos patriarcas, por meio dos quais o rei governava.
Com o aumento da cidade, e dado o caráter meio soberano dos patriarcas, o rei não tomava todas as decisões, mas reunia o conselho dos patriarcas para resolver as coisas. Nasceu, assim, o Senado romano.
Depois começaram a aparecer tribos não mais aparentadas, mas já claramente pertencentes a outras zonas, e que migravam inteiras para a cidade, com a condição de serem admitidas com seus patriarcas e seus costumes. E devido à necessidade de braços para se defender contra o inimigo, a urbe romana as admitia, e aquelas tribos se inseriam num sistema tribal e patriarcal do qual elas também viviam; e os chefes dessas tribos entravam para o Senado, também em igualdade de condições com os demais patriarcas.
Os escravos não faziam parte do Estado romano, eram como bichos, sem ter qualquer direito, e ficavam à margem. Muitos deles, entretanto, começaram a ser libertados pelos donos e formaram a plebe livre estrangeira, porque não descendiam das tribos que constituíam o Estado.
Digo isso para mostrar como a ideia da tribo ficou profundamente vincada. O Estado era composto de tribos como uma laranja é formada de gomos.
Evolução do Direito romano
Com o passar do tempo, começa a aparecer nas cidades gente avulsa: aventureiros, homens livres, sem vínculo de parentesco com ninguém. Esses não eram naturalizados, não tinham direitos políticos, mas sim direitos naturais, humanos. Nas contendas jurídicas, os juristas romanos não aplicavam, para esses estrangeiros, o direito das tribos antigas, mas o direito deduzido teoricamente da natureza humana.

Na evolução do Direito romano constituíram-se, em determinada fase, dois Direitos: o Direito Quiritário e o Direito das Gentes.
O Direito Quiritário, baseado nos costumes e na religião, provinha das antigas tribos. O Direito das Gentes, elaborado por juristas com grande voo, era o Direito natural, aplicável aos pobres, estrangeiros, gentios, que estavam do lado de fora.
Com a expansão de Roma, chegou-se a tal superpopulação que, em certo momento, o Direito Quiritário começou a não se poder aplicar, e o Direto das Gentes foi-se estendendo aos cidadãos romanos — plebeus e nobres —; mesmo porque aquelas leis antigas, não sendo escritas, caíam no esquecimento, na confusão.
É muito bonito conhecermos essa evolução que Fustel de Coulanges afirma ter sido, com essas ou aquelas diferenças, a linha geral da evolução de todos os municípios gregos e latinos. Mas eu admito ter algo de comum com a formação de todos os municípios antigos, porque é tão natural e tão bonita essa passagem do primitivo patriarcado para o rei, e do primitivo conjunto de tribos até o Estado, que sou propenso à hipótese de que, com circunstâncias e com diferenças bem consideráveis, algo disso seja encontrado na constituição de todas as antigas sociedades.
O culto dos judeus e as religiões pagãs
Devemos pensar, agora, nos elementos vitais do patriarcado, e para isso precisamos nos pôr uma pergunta para a qual tenho muito menos do que hipóteses, não possuo senão vislumbres, porque seria preciso fazer um estudo mais aprofundado a respeito da vida sobrenatural.
Quais eram as relações de Deus com Adão, Eva e seus descendentes?
Por certo, Deus revelara muita coisa a Adão e Eva a respeito de Si mesmo, do destino do homem, e isso Ele não proibiu que fosse contado aos descendentes, para que assim esse conhecimento entrasse como um elemento da religiosidade deles.
Quer dizer, Adão e Eva levaram para fora do Paraíso terrestre sua crença religiosa sem nenhuma alteração, e tenho a impressão de que com isso vinham também favores celestes que proporcionavam aos homens uma relação com Deus pré-figurativa daquela estabelecida por meio da graça santificante, e os povos que ficaram fiéis à tradição vinda de Adão e Eva eram favorecidos por uma vinculação especial com Deus. Seria ou não seria sobrenatural, não sei, mas teria alguma coisa acima da mera religião deduzida pela razão humana, e que isto foi ainda mais acentuado nos judeus que, por ser o povo eleito, estavam visivelmente numa situação de partícipes do sobrenatural.
No culto dos judeus a presença do sobrenatural fazia-se notar a todo momento por meio de profetas que orientavam o povo, instituíram e regulamentaram o culto, edificaram um templo, previram o Messias.

Se considerarmos aquelas religiões pagãs antigas — a religião dos judeus não estava neste caso —, podemos nos perguntar se houve guerras religiosas. Por exemplo, os egípcios querendo provar aos gregos que os ídolos gregos eram falsos, e que os deuses deles eram verdadeiros; ou os gregos querendo provar o contrário aos egípcios, aos assírios, etc. Percebe-se que tais guerras não existiram.
Aos judeus, a Revelação; aos gregos, a Filosofia
Fustel de Coulanges trata, de passagem, desta questão e mostra que cada povo tinha os seus deuses, e quando dois povos iam à guerra, eles imaginavam que numa região ignota esses deuses lutavam entre si, e que a guerra entre eles era a mesma dos homens na Terra. Isso dava a ideia da crença em um mundo de deuses, todos “verdadeiros”, com atribuições que se excluíam umas às outras, pois todos possuíam força divina, dirigindo o universo, etc., como mais ou menos cada mitologia compunha as próprias divindades. Donde os povos viverem numa contradição enorme, pacífica, mas não ecumênica, pois não visavam fazer prevalecer seus deuses, nem fundir todas as religiões.
O primeiro povo que, pelo esforço de sua razão, procurou ter uma noção exata de Deus e de todo o universo, e constituir, portanto, uma Filosofia, foi o povo grego.
Os gregos, por assim dizer, tinham duas espécies de religiões: a religião filosófica, que os filósofos — na ponta dos quais floresceu Aristóteles — cultivavam e que era mais um conhecimento do que um culto. De outro lado, o culto idolátrico do povinho, que os filósofos fingiam aceitar por medo de serem perseguidos.
A elaboração de uma lógica, de um sistema de pensamento, cogitações a respeito da natureza do homem e tudo o mais, nasceu do espírito grego.
Mas qual era o papel de Deus nisso?
São Clemente de Alexandria afirma que Deus tinha dado a Filosofia aos gregos e, aos judeus, a Revelação3.
A Teologia católica é a aplicação do sistema de pensamento grego, depois romano, à Revelação, o aprofundamento da Revelação pela aplicação da razão. Isto todos os outros povos não tiveram. Foi, portanto, um progresso enorme, no qual vemos o dedo de Deus.
Pois bem, Deus deu a Revelação aos judeus e a Filosofia aos gregos. Mas outras coisas a que outros povos chegaram, não teriam presente também o dedo de Deus?
O dedo de Deus
Por exemplo, os persas: Ciro foi mandado pela Providência Divina para liquidar a Babilônia e libertar os judeus, e ele é chamado na Escritura de o “ungido” de Deus4, um homem amado por Ele. Ciro, o imperador pagão de um império pagão. Na formação do Império Persa houve, portanto, uma missão divina, um homem de Deus que executou tudo isso nas trevas do paganismo.
Os juristas medievais admitiam de bom grado que o Império Romano — que perseguira os cristãos — era um dom de Deus, pois formava um todo para a pacificação e coesão do gênero humano, e que competia à Igreja Católica conservá-lo, fortalecê-lo, e não destruí-lo.
A civilização tão apregoada seria um bem e ao mesmo tempo um mal. No início, tudo muito bom, mas vai-se ver, há um caminho anterior que se apaga e um desvio novo aparece, e é uma decadência. Por quê?

E a Esposa de Cristo não quis destruir o Império Romano, mas viveu debaixo dele. Quando esse império caiu de podre, a Igreja Católica conservou a recordação dele, e os povos mantiveram a ideia de um Império Romano onde ainda existia o Direito natural, e que deveria ser restaurado. E quando o Papa São Leão coroou Carlos Magno, a intenção do Pontífice era de restaurar o Império Romano. O tal Sacro Império de língua alemã foi uma coisa menor, fundada séculos depois de Carlos Magno, mas que a piedade dos homens da Idade Média tomou como uma espécie de filho do Império Romano, com fragmentos da jurisdição universal que o Império Romano possuía.
Deus quis que se fundasse o Império para facilitar a expansão da Religião Católica, pois se ela tivesse encontrado no seu caminho muitos povos antagônicos, teria sido muito difícil se estabelecer. Ela se estabeleceu una com uma relativa facilidade, por causa da unidade do Império Romano. Isto faz compreender melhor o Papado em Roma.
Vemos, então, o dedo de Deus empurrando, sob vários aspectos, a História e, como consequência, podemos admitir que Ele foi dando empurrões de natureza diversa a vários desses povos, Estados e nações, para irem progredindo mais do que progrediriam entregues a si mesmos.
Desaparecendo o desejo do sublime, começa a decadência
Entretanto, acontece esta coisa horrível, talvez um dos paradoxos mais tristes da História: partindo daquele ápice primitivo patriarcal, percebe-se que o homem vai engendrando mais progresso, mas esse progresso traz a complicação e o apego. E à medida que o homem vai construindo um edifício, este se transforma em seu próprio mausoléu. Em determinado momento, desaparece o desejo do esplendor maior, o impulso rumo ao sublime estanca, e a pessoa fica sorvendo as delícias do que fez, sem querer subir mais.
A partir do momento em que ela começa a sugar essas delícias, todo o peso do pecado original fica sem freios — o freio é o desejo do sublime —, esse peso vai esmagando, e a pessoa ou a sociedade cai na decadência, chegando até à inteira dissolução.
Então Deus dá certa ajuda para que o povo possa progredir sem decair assim, mas a quase totalidade dos povos decaiu e não progrediu. Isso se deu inclusive em matéria de Direito com os romanos, e de Filosofia com os gregos. No meio da Filosofia grega havia erros enormes, e aquilo parou, estagnou.
Então, a civilização tão apregoada seria um bem e ao mesmo tempo um mal. No início, tudo muito bom, mas vai-se ver, há um caminho anterior que se apaga e um desvio novo aparece, e é uma decadência. Por quê? Porque o impulso de Deus não foi seguido.
(Extraído de conferência de 22/8/1991)
1) Numa Denis Fustel de Coulanges (*1830 – †1889). Historiador francês.
2) Do francês: A Cidade Antiga. Publicado em 1864.
3) Cf. Strom. VI, 8.
4) Is 45, 1.
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