Um dos talentos mais notáveis de Dr. Plinio era o de educar e orientar os jovens. Tal talento, vemo-lo brilhar nesta conferência que ele, já idoso, fez para rapazes de 15 a 18 anos. Com sua extraordinária facilidade de comunicação, procurou apontar a seus ouvintes o caminho da virtude, recordando-se de suas próprias lutas espirituais da infância e adolescência.
Eum movimento natural do homem que, quando ele tem contato com outro homem, procure os pontos de semelhança e de dessemelhança.
Se tomarem um álbum apresentando os povos da Terra, os senhores vão examinar que impressões têm. Há pouco caiu-me nas mãos um álbum sobre um arquipélago perdido entre a América e a Oceania: o reino de Tonga. Estava folheando aquelas páginas e me deparei com uma festa de indígenas que, para dançar, embrulhavam-se em panos de 10 ou 20 metros, ficando parecidos a tonéis.
Ao considerarmos algo assim, nos espantamos, e o espanto se define numa comparação com o que estamos habituados a ver. Com a comparação, acabamos por fazer o conhecimento. Por meio dessa comparação, fiquei conhecendo Tonga. E um tonguês que me conhecesse, pensaria algo de semelhante a meu respeito.
Dá-se o mesmo com a enorme diferença das idades. Quando alguém está com 74 anos, e outro com 15, que diversidade! E eu me pergunto como, nos meus remotos 15 anos, olhava para os que tinham 70 anos.
Não posso deixar de me lembrar da sensação que experimentei, certo dia, ao ouvir alguém já velho dizer diante de mim: “Afinal de contas, nós também tivemos 15 anos…”. Levei um verdadeiro choque. Pois tinha a impressão de que aquelas pessoas que me haviam precedido na vida eram, há séculos, do jeito como eu as conhecia. Ou seja, nunca haviam passado pelos 15 anos; desde o nascimento eram daquele modo.
Também me davam a impressão de que não iam morrer, mantendo-se como eram por um tempo indefinido. Na medida em que eu completava 15, 16, 17, 18 anos, o calendário parecia virar só para mim. Os mais velhos estavam como que parados, olhando meu caminhar cômodo, alegre, ou duro.
“Na infância, em determinado momento, começa a luta. No palco da vida, de súbito, aparece o segundo plano com a sala de aula…” (Acima, o menino Plinio. Ao lado, uma classe no Colégio São Luís, de seu tempo)
Fragilidade e vivacidade da adolescência
Na juventude temos muita vitalidade, muita vontade de viver. Mas, viver para quê?
Como era o caminhar de um jovem na distante época de meus 15 anos? Como eu via essa caminhada? Algumas das minhas muitas cogitações de então devem lhes passar também pelo pensamento, pelo menos instintivamente. Vou me pôr no lugar dos senhores, como se estivesse sentado numa das poltronas do auditório, ouvindo um homem de minha idade falar.
Ele parece estabelecido, definido, com todos os problemas resolvidos, acomodado num rochedo. Não tem mais sustos nem surpresas, e toca a vida tranqüilo para frente.
Passei os meus 15 anos num tempo de tranqüilidade, na qual tudo era tão estável e tão seguro que se tinha a impressão de que um velho se encontrava mais firme na vida que um arranha-céu de trinta andares.
Eu comparava as fragilidades e a vitalidade que havia em mim. Sentia-me enormemente vivaz, não com a vitalidade dos agitados, mas com a de jorro forte dos calmos. Eu não era um menino de estar sempre pulando. Era muito sereno, e Nossa Senhora me conservou assim ao longo de minha existência. Dentro dessa serenidade, sentia uma imensa vontade de viver, de fazer, de ser.
Mas a interrogação se punha: Viver o quê? Fazer o quê? Ser o quê?
Hoje os senhores, nos seus 15 anos, começam a abrir os olhos para a vida, começam a considerá-la de frente. Sentem-se projetos de homem. Estão no instante em que a infância ficou atrás, olham-na e dizem: “Quanto tempo já faz que eu brincava de soldadinho de chumbo e de tanta outra coisa!” Olham os irmãos, os primos que têm 10 anos ou 12, e já começam a se sentir veteranos em relação a eles. É um mundo que fica para trás, aquela infância que passa lenta, de dias compridos, agradáveis, despreocupados.
As dificuldades se apresentam
Na minha infância, a vida me apresentara aspectos muito atraentes. Ora, certo dia entrou o primeiro aspecto da luta. Para mim, o “inimigo” era o alfabeto. Cumpria parar de brincar, de rodar de um lado para outro, deixar de fazer o que tinha vontade, porque havia chegado a hora de aprender bê-a-bá, cê-a-cá, etc., e a desenhar letras. A professora não se conformava com minha letra pouco elaborada. De onde a primeira montanha rochosa que tive de escalar: tentar desenhar uma letra bonita…
As dificuldades continuaram: as da infância, as dos estudos, dificuldades com os pais. Há, infelizmente, uma época em que a criança começa a se voltar contra os pais. Como todo mundo, eu também passei por essa fase. Depois isso se resolve, mas vêm os problemas com os amigos: brigamos com um deles, com um primo, com um irmão. Em seguida fazemos as pazes. Depois o amigo não quer mais saber da gente e nos mete um pontapé ou metemos um pontapé nele. É a vida real que começa. É a luta.
No nosso tempo de criança, passa-se algo de repente que é como se estivéssemos assistindo a um teatro: está pintada no fundo do palco uma floresta; cai a pintura com a floresta e no outro plano aparece a sala de aula.
“Quanta coisa complicada na vida!”
Assim também, de súbito, aquela bagunceira infantil cai como um pano, e o modo de os outros nos tratarem exprime essa mudança: “A infância acabou! Você pensou que aquele mundo ia durar? Mas é agora que você está no começo! Aquilo ficou para trás”. Baixa o pano e tem início outra cena. É a vida!
A família, cumprindo o seu dever, começa a advertir: “Cuidado! Cuidado! Tal coisa pode dar num pecado. Não faça isso! Não faça aquilo! Tal coisa é falta de educação! Tal coisa é…” E vem uma série de proibições para o jovem não ser um bárbaro. Pois há um selvagem em cada homem. E alguém que faça tudo o que tiver vontade é um bárbaro. Para evitar essa degenerescência, procuram nos orientar: “Não faça isso, não faça aquilo!” Sentimo-nos apertados por algo que se chama civilização.
Mas, ao mesmo tempo, sentimo-nos deslumbrados. Percebemos quantas possibilidades de alegria, de vitória, de êxito feliz, a vida apresenta. E vamos tendo uma idéia exata de que ela representa algo difícil de realizar, mas que compensa. No fim virá o prêmio.
Na adolescência, o homem começa a caminhada no meio das dificuldades. Percebendo-as, eu batia na fronte e pensava: “Quanta coisa difícil! Quanta coisa complicada na vida! Mas se eu for atrás da série de prazeres que ela também me oferece, torno-me imprestável! Vejo todos os que gozaram a vida transformados em pneus furados! Não prestam para mais nada! Sobretudo se gozaram a vida no pecado, na ofensa a Deus! Não valem mais nada”.
O que deixa saudade é a luta e o sacrifício
De outro lado, porém, quando nossa vida transcorreu muito e olhamos para trás, vemo-la feita de horas agradáveis e momentos difíceis. Posso lhes garantir: quando chegamos na ponta da existência, o que vemos quando olhamos para trás? Sabem o que deixa saudade? É a hora da luta e do sacrifício. É disso que sentimos saudade.
Vêm as recordações. “Lembra-se de tal exame que foi um apuro, mas no qual conseguiu sair-se bem e passou com nota dez? Lembra-se de tal colega que o quis arrastar para o mal, mas que você enfrentou com furor, fazendo-o recuar desanimado, e continuando seu caminho adiante? Lembra-se de tal ocasião em que sentiu uma tentação nascendo no seu interior como uma tempestade, e que lhe dizia: ‘Venha, venha, venha!’, como se quisesse tragá-lo? E recorda-se como você dobrou os joelhos, aflito, e disse a Nossa Senhora: ‘Lembrai-Vos, ó piíssima Virgem Maria (a oração é de São Bernardo), que nunca se ouviu dizer que algum daqueles que tenha recorrido à vossa proteção, implorado a vossa assistência e reclamado o vosso socorro fosse por Vós desamparado?’ Nossa Senhora, diante de minha oração, ajudou-me, eu me senti mudado, e disse à tentação: Para ti, não!”
Para usar as palavras da Escritura: “… pes meus stetit in directo” — “meu pé, ó Deus, continuou na via reta, na via limpa”. E o salmo prossegue: “… in ecclesiis benedicam te, Domina” — “em todas as assembléias dos homens justos e bons eu te bendirei, ó minha Mãe, porque os meus pés permaneceram na via justa, na via certa, na tua via, no momento em que a tentação rugia em torno de mim.”
No meu tempo de menino, havia-se colocado para mim a possibilidade de ser um homem de Fé, puro, reto, que passasse a sua vida lutando por um ideal, por mais difícil que fosse esse combate. E de estar tranqüilo quando devesse comparecer diante do juízo de Deus. Encantava-me a idéia de ter dentro da alma todos os esplendores da neve quando sobre ela bate o sol. Todos os esplendores que vêm da Fé, da pureza e da coragem. E foi a escolha que fiz, como escrevi num livro de história do nosso grupo:
Eu achava admirável a ordem de valores que vinha dos tempos antigos, da Igreja primitiva, de Nosso Senhor Jesus Cristo, e que teve seu florescimento único na Idade Média…”
“Quando ainda muito jovem, considerei enlevado as ruínas da Cristandade”…
Eu olhava em torno de mim: tal coisa me agradava, parecia-me santa; tal outra me agradava, parecia-me pura; uma terceira me agradava e me parecia cheia de Fé. Eu começava a examiná-las, e percebia que representavam uma tradição ainda viva de um passado em que tudo isso tinha sido esplendoroso.
Eu ficava encantado com esses cacos do passado que sobreviviam. Quais cacos, por exemplo? A pureza que os costumes naqueles tempos ainda exigiam das moças e das senhoras. Uma jovem que perdesse a sua virgindade; uma senhora que prevaricasse no adultério, que se divorciasse, que abandonasse seu esposo legítimo e tomasse outro causavam espanto. E como eram renegadas pelos costumes!
“Oscularei essas ruínas uma por uma”
Eu achava admirável essa ordem de valores, e me perguntava: “Donde vem isto?”
Quando ainda muito jovem, considerei enlevado as ruínas da Cristandade…
Vem dos tempos antigos, da Igreja primitiva, de Nosso Senhor Jesus Cristo. Passou pela Idade Média, quando teve florescimento único, e depois entrou em decadência. Isto são ruínas. E eu pensava:
“Houve um tempo, então, em que tudo o que amo estava no auge e na vitória, e tudo o que detesto estava por baixo.
“A Providência me fez nascer numa época em que tudo o que eu detesto está de cima e tudo o que amo está debaixo. O que farei? Dobrarei o joelho diante do que está de cima e direi à corrupção, ao ateísmo e a todas as formas de maldade de hoje: ‘Eu vos adoro!’, para receber o prêmio vil daqueles que se entregam e que consentem em agir contra a sua consciência, para imitar os outros?
“Ou farei o contrário? Oscularei essas ruínas uma por uma, pedirei a Nossa Senhora perdão por terem ficado nesse estado, voltar-me-ei contra o moloch que está de cima e direi: Nossa Senhora te derrubará! E às ruínas: eu vos abraçarei!”
Estas eram idéias que povoavam o meu espírito quando tinha a idade dos que aqui me ouvem. Os meus 15, 16 anos foram povoados de cogitações assim, as quais, ao longo de tantas décadas que Nossa Senhora me concedeu viver, tenho desenvolvido mais e mais e mais…