domingo, noviembre 24, 2024

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A Igreja: Formadora de uma civilização

Dulcificação do trato humano, harmonização do relacionamento entre grandes e pequenos, extinção da escravidão na Europa e elevação das classes sociais mais modestas. Estes sãos alguns dos benefícios conquistados pela Igreja nas áreas sob sua influência, fazendo daquele mundo pagão cruel e impiedoso uma comunidade de nações cristãs regidas pela lei do Evangelho. É o que veremos ao terminar a série de artigos extraídos de aulas e conferências de Dr. Plinio sobre o mundo antigo.

Todas as civilizações anteriores a Nosso Senhor Jesus Cristo foram caracterizadas pelo predomínio do egoísmo. Se bem que, de vez em quando, os povos da Antiguidade tenham podido contar com grandes heróis que sacrificavam seus interesses individuais ao amor da Pátria, era o egoísmo que inspirava a organização política, social e as relações internacionais antes da vinda do Redentor.

Tudo o que temos estudado nas últimas aulas sobre o poder despótico dos reis, a crueldade com que o exerciam, a depravação, o excesso de riqueza, o ócio e o brutal desprezo professado pelas aristocracias em relação à plebe; o espírito de revolta furioso da plebe, que explodiu em Roma, na Grécia e na Fenícia em sanguinolentas revoluções populares; o horror ao trabalho, a indisciplina agressiva e o insopitável ódio das classes pobres contra toda e qualquer instituição ou classe social que trouxesse consigo a idéia da autoridade; a crueldade inenarrável com que aristocratas e plebeus tratavam os escravos, aos quais era dada uma sorte não reservada nem aos animais — tudo isso é, em última análise, fruto do egoísmo.

Uma renovação do mundo

Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo contrário, pregou no mundo o amor ao próximo. E, sobre esta base inteiramente nova, Ele renovou a terra, a tal ponto que a história ficou dividida em dois grandes períodos: a era anterior ao nascimento d’Ele e a Era Cristã.

Qual foi a doutrina política e social pregada por nosso Salvador?

Certos escritores que não O compreendem costumam chamá-Lo de revolucionário. Ora, revolução é, por definição (no sentido sociológico do termo), uma insurreição de súditos contra a autoridade, uma luta entre inferiores e superiores em que, ou saem vencendo os primeiros ou os segundos. A transformação que Nosso Senhor veio trazer ao mundo não foi uma revolução, porque não implicou em revolta contra qualquer autoridade, nem levantou os oprimidos contra os opressores. O Cristianismo não trouxe uma revolução, mas uma renovação. Também não tomou partido pelo despotismo contra os oprimidos. Em lugar disso, transformou oprimidos e opressores, fazendo cair-lhes das mãos as armas com que se feriam reciprocamente, e unindo-os num afetuoso abraço de irmãos.

Essa transformação moral e essa reconciliação entre classes sociais que pareciam irremediavelmente desunidas foi, na realidade, a base da grande mudança política e social que Jesus Cristo trouxe ao mundo. Mas essa transformação não era a finalidade da missão d’Ele. Seu fim era essencialmente religioso. E as outras transformações que o cumprimento dessa obra acarretou não foram senão conseqüências da doutrinação religiosa.

O equilíbrio trazido pelo Cristianismo

O mundo antigo parecia vacilar entre excessos igualmente reprováveis. De um lado, o despotismo excessivo, de outro a anarquia demolidora. De um lado, a exagerada concentração de riquezas, e de outro a sua conseqüência indireta, uma plebe paupérrima e revoltada. Finalmente, de um lado, impérios poderosíssimos que viviam na opulência a mais completa, e de outro lado povos que gemiam na miséria, sob o jugo de sua opressão. A todos estes excessos, a pregação da Igreja Católica veio trazer uma solução que representou o equilíbrio.

Nas civilizações anteriores ao cristianismo, como a do antigo Egito, reinava o egoísmo nas relações sociais, políticas e econômicas. Com o advento da era cristã e a pregação do amor ao próximo pela Igreja, operou-se no mundo uma grande transformação, dando origem a um autêntico e fecundo equilíbrio em todos os setores da sociedade (Ao lado, iluminura medieval que retrata camponeses junto ao castelo de Saumur, na França. Na página anterior, paisagem egípcia)

No terreno político, o Cristianismo afirmou a autoridade, mas condenou o despotismo. No terreno econômico, afirmou a propriedade, mas condenou a excessiva concentração de haveres nas mãos de poucos proprietários. No terreno familiar, afirmou a monogamia contra a poligamia e, sujeitando embora a mulher e os filhos ao marido, proclamou a sua dignidade eminente, proibindo o chefe da família que os tratasse como escravos ou criados.

O caso da escravidão

Aliás, foi também o Cristianismo que mudou a sorte dos escravos, quando a Igreja começou a se espraiar pelo mundo antigo. Em primeiro lugar, recomendando muito que a escravidão não poderia chegar ao ponto de dar a uma pessoa o direito de vida e de morte sobre outra, nem o de feri-la, mas era preciso respeitar os direitos que são naturais ao homem. Isso já representava um considerável alívio para a condição de escravo.

Mas a Igreja começou também a trabalhar para que os donos libertassem seus escravos em grande quantidade. Começam, pois, a aparecer os testamentos em que o testador declarava que, quando morresse, tais e tais de seus escravos ficavam livres. Às vezes determinavam que ficavam livres todos os escravos que possuíam na África, por exemplo, ou na Ásia, ou na Europa. A partir da expansão da Religião Católica, portanto, a libertação dos escravos passou a se tornar freqüente, e o número de servidores não-escravos cresceu muito, o de escravos diminuiu e a própria condição destes últimos ficou menos terrível do que era outrora.

O servo da gleba: mitigação da condição de escravo

Com o tempo, entrando pela Idade Média adentro, houve uma atenuação — sempre por efeito da ação da Igreja — ainda mais sensível da qualidade de escravo: foi o estabelecimento de uma condição chamada servo da gleba.

Servo é propriamente escravo. O sujeito era, portanto, escravo da gleba, isto é, de uma certa porção indefinida de terra. Assim, um servo da gleba já não era mais escravo do dono, mas da terra. Acontece, porém, que a terra não mata, a terra não fere, enfim, é uma forma muito adoçada da servidão.

Um servo tinha a obrigação de residir numa determinada terra. Não era autorizado a sair dali, quer dizer, não podia vender os seus direitos naquela terra e ir morar em outro lugar. Em compensação, o proprietário não podia expulsá-lo. O servo era obrigado a trabalhar naquela terra, a pagar um tanto por cento do que produzia ao senhor, mas tinha um direito primordial sobre os frutos de seu cultivo, de retirar o necessário para a manutenção sua e de sua família. Além disso, podia construir ali sua casa.

Para regular tudo isso, as leis locais englobavam costumes, tradições, legislação escrita, dependendo das circunstâncias.

O servo da gleba não era agredido, não era surrado, tinha enfim a condição de um pequeno dono da terra, que apenas era impedido de deixar aquele local. Recebia sua liberdade pessoal com a condição de não abandonar aquele pedaço de chão. Uma das razões para isto era o fato de a população da Europa ser ainda pequena em relação ao tamanho do território, sendo difícil encontrar quem quisesse trabalhar a vida inteira num determinado lugar. Os trabalhadores rurais gostavam de variar e para o proprietário era inconveniente essa variedade. Por isso, a condição imposta ao escravo para passar da situação terrível de outrora para a situação dulcificada do servo da gleba era exatamente esta: nunca deixar de trabalhar nesse local.

Vista da cidade de Colônia (Alemanha) e sua imponente catedral gótica — Concorrendo para abolir a escravidão na Europa, a Igreja Católica proporcionou a este Continente um florescimento social sem paralelo na história

A Igreja elevou todo um continente

Mas, aos poucos, mesmo essa obrigação foi desaparecendo, porque os servos, já transformados na prática em pequenos proprietários, tinham muito interesse em ficar na terra que sempre cultivaram, com a casa que haviam construído, em torno da qual haviam sido edificadas casas para os filhos. Assim, o costume acabou sendo o da permanência do trabalhador na terra.

Isto caminhou de tal modo que terminou por ser abolida a própria servidão. A instituição desapareceu.

Cabe à Igreja Católica, portanto, a glória de ter conseguido, pela primeira vez na história, abolir num continente inteiro uma instituição tão antiga e arraigada no gênero humano como a escravidão.

Na Europa, o florescimento social foi tão excepcional que deu origem à Civilização Cristã, incomparavelente mais elevada do que qualquer outra, sem paralelo na história.

Para comparar, veja-se o caso do Egito antigo: os faraós construíram monumentos e outras coisas fabulosos, mas, vai-se verificar, a massa do povo não foi elevada. E esse é um fato que se repete em todo o mundo pagão. Enquanto as nações se enriqueceram com criações admiráveis no campo da arte, da arquitetura, da música, o grosso da população ficou relegado à estagnação e ao prosaísmo.

Esse desequilíbrio só cessou em virtude da Civilização Cristã. Na Idade Média floresceram por toda a Europa católica aldeias plebéias encantadoras. As casinhas camponesas com cortininhas nas janelas, enfeitadas com potes de gerânio; o interior de casa muito ordenado e procurando ocultar o quanto possível os lados prosaicos da vida; na mesa, o bolinho gostoso que acaba de ser assado, e uma grande quantidade de delícias culinárias e culturais.

Esse mundo que englobava harmonicamente desde o terra-a-terra da realidade popular até o alto das torres dos castelos, era produto da ação da Igreja, que implantou em todo um continente essa civilização cujo perfume ainda perdura nos dias de hoje.

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