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Perspicácia, uma virtude necessária

“Sede, pois, prudentes como as serpentes e simples como as pombas” (Mt 10,16). Muitos de nossos irmãos na fé, quando se trata do bem da Igreja, parecem só reter a segunda parte desse conselho de Nosso Senhor. Uma das lutas travadas a vida inteira por Dr. Plinio foi para tentar convencê-los a serem desconfiados e perspicazes em relação aos adversários de nossa Religião.

Muitos católicos se terão por certo espantado quando afirmamos que o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo é uma inigualável escola de energia e heroísmo no sentido mais belicoso da palavra. Sua surpresa não será menor se lhes dissermos, hoje, que o Evangelho é uma inigualável escola de perspicácia, e que Nosso Senhor Jesus Cristo inculcou reiteradamente esta virtude.

Inestimável fonte de recursos

O que vem a ser perspicácia?

É a virtude pela qual nosso olhar, transpondo as aparências enganosas apresentadas pelas pessoas com quem lidamos, penetra até a realidade mais recôndita de sua mentalidade.

Nos mais diversos âmbitos da vida humana — como na direção espiritual, por exemplo — a perspicácia é fonte de inestimáveis recursos para o cumprimento do dever (Acima, aula de catecismo em Compostela, Espanha)

Assim, diz-se de uma autoridade eclesiástica ou civil que é perspicaz se, através da prolixidade dos conselhos e informações que recebe, sabe discernir a verdade do erro, adotando em conseqüência uma linha de conduta conforme os interesses que tem em mãos. Dentro da mesma ordem de idéias, pode-se dizer que é perspicaz um médico que sabe discernir a existência de uma moléstia através dos mais ligeiros indícios. E no mesmo sentido ainda se chamaria perspicaz o detetive que sabe interpretar as circunstâncias aparentemente mais insignificantes, delas deduzindo com segurança qual foi o autor de um crime.

Difícil seria imaginar uma profissão ou condição social em que a perspicácia não fornecesse ao homem os mais inestimáveis recursos para o cumprimento de seus deveres. O pai de família, o professor, o diretor de consciências precisa discernir em seus filhos, alunos ou dirigidos os mais ligeiros sintomas das crises que se esboçam, a fim de prevenir o que de futuro seria talvez impossível remediar. O homem de Estado não pode deixar de distinguir, por entre as múltiplas manifestações de amizade que seu alto cargo suscita, os amigos sinceros dos insinceros: todo o êxito de sua carreira política está condicionado a esta aptidão. Os advogados, militares, industriais, comerciantes, banqueiros, jornalistas, etc., etc., não podem exercer convenientemente suas funções, nem poupar aos interesses que têm em mãos os mais graves sacrifícios, se não forem munidos de uma perspicácia hoje mais necessária do que nunca.

O divino exemplo de perspicácia

A este respeito, queremos insistir muito especialmente: todo mundo tem, em certas circunstâncias, o direito de arcar com prejuízos que afetem seus interesses individuais. Ninguém, entretanto, tem o direito de expor os interesses de terceiros. Haverá situação mais ridícula do que a de alguém que declare romanticamente haver comprometido os interesses de terceiros que lhes estavam entregues, porque “foi bom demais e confiou excessivamente na bondade alheia”?

Em seus divinos ensinamentos e atitudes, Nosso Senhor nos deixou insignes e memoráveis exemplos da virtude da perspicácia
(Detalhe da “Ressurreição de Lázaro”, por Giotto)

“Bom demais”? É realmente ser “bom demais” sacrificar ao amor próprio de uma meia dúzia de aventureiros os interesses sagrados confiados à pessoa que assim procura se inocentar? Quem não percebe que essa “bondade” fora de propósito redundou em uma injustiça cruel para com os terceiros prejudicados no caso?

Apliquemos na ordem concreta dos fatos estes conceitos. Um apóstolo leigo que, por “excessiva bondade”, tolera em alguma associação membros gangrenados nos quais confia infundadamente, e que ocasionam a perda de todos os outros, não é um traidor que sacrifica cruelmente os elementos sãos e inocentes aos elementos culpados?

Se teu pé te escandaliza, corta-o. Se teu olho te escandaliza, arranca-o (Mt 18,8). É esta a máxima do Evangelho. Mas, quanta perspicácia é necessária para perceber a premência de certas amputações! E, no entanto, o apóstolo leigo que não sabe discernir a oportunidade destes cortes dolorosos, ou não sabe apreciar a utilidade de tais amputações, não é menos inepto nem menos perigoso para o laicato católico do que o médico que desprezasse sistematicamente o emprego dos processos cirúrgicos.

Não foi outra a razão pela qual Nosso Senhor, além de reconhecer a necessidade da amputação dos membros gangrenados de qualquer sociedade humana, falou de modo todo particular contra os falsos profetas e os lobos disfarçados em ovelhas. Qual a virtude que nos faz evitar os aventureiros arvorados em profetas, senão a perspicácia? Qual a virtude que nos leva a repelir o lobo metido na pele da ovelha, senão a perspicácia? E o que de mais triste do que, por falta de perspicácia, seguir falsos profetas ou abrir o aprisco às falsas ovelhas?

Por isto mesmo Nosso Senhor não se limitou a pregar a perspicácia, mas deu dela exemplos insignes e memoráveis. Assim, quando o Divino Mestre denunciava os fariseus, o que fazia senão estimular a perspicácia de seus ouvintes, desmascarando aqueles sepulcros caiados, brancos por fora e por dentro cheios de podridão?

(Excertos de artigo do Legionário, nº 475, de 19/10/1941. Título e subtítulos nossos.)

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