sábado, noviembre 23, 2024

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A grande utopia

Em todos os séculos houve gente que sonhou com um mundo no qual um dia todos se amarão, algo na linha da fábula de La Fontaine sobre a paz firmada entre os lobos e as ovelhas. Citando São Luís Maria Grignion de Montfort, Dr. Plinio mostra a vacuidade dessa esperança.

Não é deste mundo a concórdia sem jaça, a paz perfeita e eterna entre todos os homens, todas as nações e todas as doutrinas, a felicidade total. Nesta terra de exílio, as carências, as dissensões, as catástrofes são inevitáveis. E uma visão cristã da vida leva, ao mesmo tempo, a circunscrevê-las quanto possível e a resignar-se a elas porque inevitáveis.

Divisão inexorável

Esta dura lição, tão ingrata ao neopaganismo de nossos dias, lembro-a num texto áureo de São Luís Maria Grignion de Montfort, o incomparável apóstolo da devoção a Nossa Senhora.

Dissertando sobre a eterna luta entre a Virgem e a serpente, mostra-nos ele a vida dos povos antes de tudo como uma grandiosa, trágica e incessante guerra entre a verdade e o erro, o bem e o mal, o belo e o feio. Batalha esta sem a qual a existência terrena do homem, desfalcada do seu significado sobrenatural, perderia sua dignidade.

Evocando a eterna luta entre a Virgem e a serpente, São Luís Grignion de Montfort (acima) aponta a vida dos povos como uma grandiosa, trágica e incessante guerra entre a verdade e o erro, o bem e o mal, o belo e o feio.
(Ao lado, Nossa Senhora do Apocalipse)

Comentando as palavras do Gênesis (3, 15) — “porei inimizades entre ti e a mulher e entre a tua posteridade e a posteridade dela” — observa com profundidade o grande santo:

“Uma única inimizade Deus promoveu e estabeleceu, inimizade irreconciliável, que não só há de durar, mas aumentar até o fim: a inimizade entre Maria, sua digna Mãe, e o demônio; entre os filhos e servos da Santíssima Virgem e os filhos e sequazes de Lúcifer; de modo que Maria é a mais terrível inimiga que Deus armou contra o demônio” (Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem, Vozes, Petrópolis, 6ª edição, 1961, pp. 54- 55).

E ele passa em seguida a descrever a grande guerra que divide os homens inexoravelmente, até o fim da História. Tal guerra não é senão um prolongamento da oposição entre a Virgem e a serpente, entre a progenitura espiritual daquela e a progenitura espiritual desta: “(Deus) lhe deu até, desde o Paraíso, tanto ódio a esse amaldiçoado inimigo, tanta clarividência para descobrir a malícia dessa velha serpente, tanta força para vencer, esmagar e aniquilar esse ímpio orgulhoso, que o temor que Maria inspira ao demônio é maior que o que lhe inspiram todos os anjos e homens, e, em certo sentido, o próprio Deus” (op. cit., p. 55).

Dentro deste quadro, a “clemente, piedosa, doce Virgem Maria” que o Doutor Melífluo, São Bernardo, cantou com tal suavidade na “Salve Regina”, nos é apresentada por São Luís Grignion como uma verdadeira torre de combate (Turris Davidica, exclama a Ladainha Lauretana).

Maria será sempre vitoriosa

Ao longo da História, até o fim do mundo, os filhos de Nossa Senhora batalharão contra os filhos de Satã. E a vitória final será dos primeiros, pela interferência da Mãe de Deus:

Pretender uma utópica reconciliação entre o bem e o mal, que resulte na composição de todos os interesses, direitos e línguas sob um governo universal, onde só reinem a fartura e a despreocupação — eis o retrocesso à orgulhosa Torre de Babel…

“Deus não pôs somente inimizade, mas inimizades, e não somente entre Maria e o demônio, mas também entre a posteridade da Santíssima Virgem e a posteridade do demônio. Quer dizer, Deus estabeleceu inimizades, antipatias e ódios secretos entre os verdadeiros filhos e servos da Santíssima Virgem e os filhos e escravos do demônio. Não há entre eles a menor sombra de amor, nem correspondência íntima existe entre uns e outros. Os filhos de Belial, os escravos de Satã, os amigos do mundo (pois é a mesma coisa) sempre perseguiram até hoje e perseguirão no futuro aqueles que pertencem à Santíssima Virgem, como outrora Caim perseguiu seu irmão Abel, e Esaú seu irmão Jacob, figurando os réprobos e os predestinados. Mas a humilde Maria será sempre vitoriosa na luta contra este orgulhoso, e tão grande será a vitória final que Ela chegará ao ponto de esmagar-lhe a cabeça, sede de todo o orgulho. Ela descobrirá sempre sua malícia de serpente, desvendará suas tramas infernais, desfará seus conselhos diabólicos, e até o fim dos tempos garantirá seus fiéis servidores contra as garras de tão cruel inimigo” (op. cit., pp. 56-57).

Bem entendido, nossos dias também têm sido sacudidos por esse entrechoque terrível, que não se confunde necessariamente com as guerras do século, mas tem alguma relação com elas. E sobretudo tem uma relação óbvia com as incontáveis revoluções que têm abalado o Ocidente, como fora predito por Nossa Senhora em Fátima.

Utopia, ilusão e mentira

A supressão dessa luta por uma reconciliação entre a raça da Virgem e a raça da serpente, rumo a uma era na qual a cessação utópica do entrechoque acarrete uma composição entre todos os direitos, todos os interesses, uma interpenetração de todas as línguas sob um governo universal que será tão-só fartura e despreocupação — eis a grande utopia contra a qual as massas se devem precaver. Eis o regresso (ou antes, o retrocesso) à orgulhosa Torre de Babel, que de todos os modos o neopaganismo procura reerguer. Eis a bandeira toda tecida de ilusão e de mentira com que, em todas as épocas, os demagogos procuram arrastar as massas insurrectas.

(Transcrito do jornal “Última Hora”, Rio de Janeiro, 6/3/1981. Título e subtítulos nossos.)

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