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Não durmamos enquanto se renova a Paixão!

Em suas invectivas ao povo israelita, os profetas do Antigo Testamento eram instrumentos da misericórdia de Deus: seu objetivo era chamar o povo à conversão. De igual forma procederam os Papas ao longo dos séculos. Já as admoestações de Dr. Plinio tinham amiúde por objetivo despertar os católicos para suas obrigações, como se pode ver neste artigo.

Há dois funestíssimos erros, que não raramente lavram entre os católicos brasileiros e que, com extraordinária oportunidade, devem ser desmascarados na Semana Santa. Como freqüentemente ocorre, esses erros não provêm propriamente de premissas falsas, mas de premissas incompletas. É uma visão parcial e estreita das coisas, que os provoca. E só uma meditação acurada, feita à luz de considerações naturais ou de argumentos inspirados em motivos sobrenaturais, pode pôr à luz o mau germe que neles se oculta.

Ineficiência da Igreja diante da crise?

O primeiro desses erros consiste em acoimar de ineficiente a ação da Igreja, para a solução da crise contemporânea. […] E [dizem] que, portanto, é preciso apelar para uma outra organização, que, ela sim, salvará a civilização católica.

Argumentemos. E argumentemos só com a infalível autoridade dos Pontífices. Porque se para algum católico um argumento inspirado nas palavras dos Papas não for suficientemente convincente, é melhor que esse católico estude bem o seu Catecismo, antes de tentar “salvar a civilização”.

Diz o Santo Padre Leão XIII, e, depois dele, todos os Pontífices o têm repetido, […] que essa crise moral gerou crises econômicas, sociais ou políticas. E só quando ela for resolvida, serão resolvidos os problemas relacionados com as finanças, a organização política e a vida social dos povos contemporâneos.

“Entrada de Jesus em Jerusalém”, por Giotto — Se desejou os opróbrios do Calvário pela  Redenção do mundo,  Nosso Senhor quis também a glória do Domingo de Ramos para lição daqueles cuja mentalidade errada e comodista os leva a achar absolutamente natural que a Igreja seja constantemente humilhada e perseguida

Por outro lado, a solução desse problema moral só pode estar na ação da Igreja, porque só o Catolicismo, armado de seus recursos sobrenaturais e naturais, tem o dom maravilhoso de produzir nas almas os frutos de virtude indispensáveis para que floresça a civilização católica.

O que acabamos de dizer é diretamente extraído das Encíclicas. Basta abri-las, para encontrar o que afirmamos. Como conseqüência, de duas uma: ou os Papas estão errados, ou devemos reconhecer que só o Catolicismo salvará o mundo da crise em que está mergulhado. Portanto, é inútil discutir se, no país A ou no país B, os católicos agiram ou não agiram bem. […]

Se é verdade que só a Igreja pode remediar os males contemporâneos, é só nas fileiras da Igreja que devemos procurar lutar pela eliminação desses males. Pouco nos importa que outros não cumpram o seu dever. Cumpramos o nosso. E, depois de termos feito todo o possível — a palavra “todo” significa tudo, mas absolutamente tudo, e não apenas “um pouco” ou “muito” — resignemo-nos diante da avalanche que vem. Porque, ainda que pereçam o Brasil e o mundo inteiro, ainda que a própria Igreja seja devastada pelos lobos da heresia, ela é imortal. Nadará sobre as águas revoltas do dilúvio. E é de dentro de seu seio sagrado que sairão depois da tempestade, como Noé da Arca, os homens que hão de fundar a civilização de amanhã.

Duas lições, para duas mentalidades erradas

Mas é aí que não querem chegar certos católicos. Como os [apóstolos antes de Pentecostes], eles só compreendem Cristo sobre um trono de glória. Eles só Lhe são fiéis nos dias parecidos com o Domingo de Ramos, quando a multidão O aclama e cobre o seu caminho com suas vestes. Porque, para eles, Cristo deve ser um Rei terreno. Deve dominar o mundo constantemente. E se, por algum tempo, a impiedade dos homens O reduzirem de Rei a Crucificado, de Soberano a Vítima, não mais querem saber d’Ele. […]

No entanto, Cristo quis passar por todos os opróbrios, todos os vexames, todas as humilhações, mostrando que a História da Igreja também teria seus Calvários, suas humilhações, suas derrotas. E que muito mais meritória era e é a fidelidade no Gólgota do que no Tabor.

Foi para ensinar a gente assim que Nosso Senhor se submeteu a todas as humilhações, no Calvário. Entretanto, foi para ensinar gente diferente que Ele quis a glória do Domingo de Ramos.

Devemos lutar pela Igreja até a extenuação de nossos últimos recursos de energia e inteligência; se, apesar de tudo, ela continuar a ser oprimida, soframos com a Igreja, como São João aos pés da Cruz
Passo da Paixão, Sevilha.

Há gente de uma mentalidade detestável, que acha absolutamente natural que Cristo sofra, que a Igreja seja vexada, humilhada, perseguida. Gente comodista, “cujus Deus venter est” — “que têm por Deus o seu próprio ventre”, e que pensa que, como a Igreja deve imitar a Cristo, é natural que todos os [seus inimigos] se atirem contra ela e a façam sofrer. É a Paixão de Cristo que se repete, dizem eles. E enquanto essa Paixão se repete, eles levam sua vida farta e cômoda, nas orgias, nas imundícies, na exacerbação de todos os sentidos e na prática de todos os pecados.

Para gente como esta é que foi feito o látego com que foram expulsos os vendilhões do Templo.

Devemos estar sempre com a Igreja

Não é verdade que devamos cruzar os braços ante as investidas dos inimigos da Igreja. Não é verdade que devamos dormir enquanto se renova a Paixão. O próprio Cristo recomendou que seus Apóstolos orassem e vigiassem. E se devemos aceitar os sofrimentos da Igreja com a resignação com que Nossa Senhora aceitou os padecimentos de seu Filho, não é menos exato que será um motivo de [reprovação] para nós, se nos portarmos ante as dores do Salvador com a sonolência, a indiferença e a covardia de discípulos infiéis.

A verdade é esta: devemos estar sempre com a Igreja, “porque só ela tem palavras de vida eterna”. Se ela é atacada, lutemos por ela. Mas lutemos como mártires, até a efusão de nosso sangue, até o emprego de nosso último recurso de energia e de inteligência. Se, apesar disto tudo, ela continuar a ser oprimida, soframos com ela, como São João Evangelista aos pés da Cruz. E estejamos certos de que, neste mundo ou no outro, Jesus misericordioso não nos negará o esplêndido prêmio de assistirmos à sua glória divina e suprema.

(Excertos do “Legionário”, nº 236, de 21/3/1937. Título e subtítulos nossos.)

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