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Quem responderá pela perdição dos inocentes?

O amor de Jesus Cristo para com todos os homens, sua predileção pelos inocentes e sua misericórdia para com os pecadores, explicam sua severidade contra os que maculam a inocência ou desviam a contrição dos arrependidos.

Fala-se muito freqüentemente, e com razão, do amor que o Divino Salvador votou às almas pecadoras, arrependidas ou não: a estas, perseguindo com santa e afetuosa perseverança, até conseguir delas uma real correspondência à graça; àquelas, franqueando de par em par, com divina generosidade, as portas de seu
Coração. Entretanto, fala-se infelizmente muito menos do amor que Nosso Senhor Jesus Cristo votou às almas inocentes, e dos extremos de zelo com que defendeu contra as seduções do mundo, e contra as investidas dos fautores de escândalos, as ovelhas fiéis que jamais se afastaram do redil do Bom Pastor.

Maldade dos que desviam os inocentes

Um dos episódios mais tocantes do Santo Evangelho é, sem dúvida, aquele em que o Divino Mestre, fazendo aproximar de si os pequeninos, os
afagou meigamente e prometeu o Reino do Céu àqueles que lhes fossem semelhantes. Mas o que eram estes pequeninos, a quem Nosso Senhor com tanta ternura amou, senão os representantes de todas as almas inocentes, de todas as idades, em todos os tempos e em
todos os lugares, que o Espírito Santo haveria de suscitar na Igreja de Deus? E a quem se dirige aquela
tremenda ameaça, na qual jamais devemos pensar sem medo, de que seria melhor que os que
escandalizassem a algum destes pequeninos fossem atirados ao fundo do mar, senão aos que procurassem desviar do bom caminho as almas inocentes?

“A volta do filho pródigo” — Que diria aquele pai generoso, se alguém intentasse perverter novamente seu filho arrependido?

O valor de cada alma inocente é o do próprio Sangue preciosíssimo de Nosso Senhor Jesus Cristo

Cada alma inocente constitui como que uma província de eleição no Reino de Deus. Para salvar cada uma destas almas, Nosso Senhor Jesus Cristo
se encarnou, padeceu e morreu na Cruz. E ainda que a Redenção fosse necessária para a salvação de uma só alma, Nosso Senhor teria sofrido generosamente tudo quanto sofreu, para operar
efetivamente tal salvação.

Assim, pois, o valor de cada alma inocente é o próprio valor do Sangue infinitamente precioso de Nosso Senhor Jesus Cristo. E
atirar ao abismo do pecado mortal uma alma inocente é desperdiçar criminosamente os benefícios da Redenção. Por aí se compreende o opróbrio que pesa sobre aqueles que, por seu exemplo, por suas palavras, por suas obras, por sua influência, arrastam para o pecado qualquer alma inocente, por mais ignorante e falha
de dotes intelectuais que seja, uma vez que o valor da alma não se mede por sua cultura nem por sua inteligência, mas pelas considerações que acima externamos.

O pecado dos que prejudicam as almas contritas

Não é muito menor a responsabilidade dos que fazem reincidir no pecado as almas
penitentes. Para medir quanto desagrada a Deus que se procure afastar do bom
caminho as almas sobre as quais Ele restaurou seu Reino, bastará que se tomem as parábolas mais tocantes do Santo Evangelho. Que diria o pai do filho pródigo, aquele pai generoso e bom que acolheu com tais extremos de contentamento o
filho contrito, se depois do festim em que se celebrou a volta do infiel,
depois de restabelecida a paz no lar e de reinstalada nele a alegria que sumira
com a ausência do filho ingrato, que diria ele se depois de tudo isto um amigo pérfido dos maus tempos passasse pela casa paterna e, com solicitações infames, procurasse arrastá-lo novamente à vida má que levara?

Tomemos agora a parábola do Bom Pastor. O que diria ele, que dá a vida por suas ovelhas, se, ao retornar do fundo do precipício aonde por mil perigos tinha ido salvar a ovelhinha extraviada, o lobo dele
se acercasse para lha arrancar dos braços? Ele, que expusera sua vida para salvar a ovelhinha, não haveria de enfrentar animosamente o lobo, para a defender contra mais este risco?

É odioso para o Salvador que alguém procure arrastar uma alma contrita novamente à perdição

Disse Nosso Senhor que Ele não veio destruir o arbusto partido, nem extinguir a mecha que ainda fumega. Pelo
contrário, veio Ele reerguer o arbusto que enfermou, e reacender a mecha que ventos
hostis extinguiram quase por completo.

O Bom Pastor, Roma

Mas o que é um pecador contrito, que luta penosamente contra seus sentidos em revolta, senão um arbusto partido, que foi reerguido sobre sua base pelo Divino Jardineiro, e que, ainda
fraco, se inclina fortemente sob a pressão da menor brisa? E que maior pecado haverá, do que partir de novo, e quiçá de modo irremediável, o arbusto que o próprio Deus carinhosamente consertou?

O que é um pecador contrito, senão uma mecha fumegante que começa, lenta e penosamente, a se reacender? E o que haverá de mais desagradável a Deus, que não quer a morte do pecador mas sim que ele se converta e viva, do que a ação cruel e ímpia dos que extinguem deliberadamente esta mecha, e matam na alma ainda
convalescente os germes promissores de uma vida que começava a se reanimar?

Pela mesma razão em virtude da qual o Salvador amou o pecador contrito, é-Lhe sumamente odioso que alguém se esforce por arrastá-lo novamente à perdição. Um outro episódio do Evangelho o demonstra de modo exuberante.

A indignação divina contra os ímpios

Todos conhecem suficientemente a cena célebre do Divino Salvador empunhando um zorrague, e enxotando do Templo de
Jerusalém os mercadores que ali faziam um comércio inteiramente profano.

Diz a Sagrada Teologia que cada alma é um templo do Divino Espírito Santo. Fazer uma alma cair em pecado é enxotar o Divino Espírito Santo do templo que Lhe foi conquistado pelo Precioso Sangue de Nosso
Senhor Jesus Cristo, é profanar este templo, é transformá-lo, de templo de Deus, não apenas em lugar profano, mas em templo de Satanás.

Com a mesma indignação com que expulsou os vendilhões do Templo de Jerusalém, Jesus deseja evitar que sejam profanadas as almas, templos do Espírito Santo
Jesus invectiva os mercadores do Templo, Catedral de Amiens – França

Assim, se Nosso Senhor fustigou com um implacável zorrague aqueles que profanavam o Templo de Jerusalém, construído com material precioso pela piedade dos judeus, com que extremos de indignação não deve desejar que seja atirado para longe do pecador aquele que, seduzindo-o
para o mal, profana um templo espiritual, cujo preço não foi o ouro nem qualquer material precioso, mas o próprio Sangue de Cristo?

A prova disto está nas frases cheias de censura que Nosso Senhor atirou aos fariseus. Para que deu
Nosso Senhor a estas frases tal publicidade? Se Ele queria chamar a atenção dos fariseus para o estado lastimável em que se encontravam suas almas, não o poderia ter feito de modo mais reservado? Se o fez publicamente, não se pode licitamente conjecturar que o tenha feito a fim de destruir
energicamente o prestígio dos fariseus junto do povo, impedindo-lhes, assim, que fossem nocivos a
este, e por assim dizer fustigando-os com o zorrague de sua palavra, para os
enxotar para longe das almas que eles desejavam perverter?

“Não!” às misericórdias mal entendidas

Rei de todas as almas em geral, Jesus Cristo é implicitamente Rei de cada alma, e Ele governa cada alma com a solicitude, com o afeto, com a atenção com que a governaria se fosse a única alma sobre a qual se exercesse seu império.

Jesus Cristo, como Rei das almas, é o modelo de todos os reis. Rei de misericórdia e de amor, não exerce Ele seu reinado com outro intuito que não o de beneficiar a alma que é seu reino. Nenhum de nós deixaria de chamar traidor a um rei que não empregasse todos os recursos de seu talento, e todas as energias de seu poder, a fim de preservar de uma agressão injusta seu país. Será porventura Nosso Senhor menos perfeito? Não haverá uma blasfêmia em imaginar que, tocado de um falso amor para com o agressor, Ele haveria de aconselhar a seus soldados, que somos nós, que negligenciássemos a defesa de seu Reino? Haveria ele de oferecer o inocente em holocausto ao pecador, dar impunidade ao pecador para devorar o inocente, com a esperança de assim conquistar para si o pecador?

Quem prestará contas a Deus pelos arbustos partidos, pelas mechas extintas, pelos filhos
roubados à casa paterna?

É porque o “Legionário” jamais pôde admitir esse absurdo, que ele se levantou sempre contra as misericórdias mal entendidas, as paciências ingênuas e imprudentes, as “habilidades” contemporizadoras e criminosas, que, com o intuito de consumar uma arriscada manobra apostólica, de resultados mais do que duvidosos, expõem à perdição as almas inocentes ou contritas, na problemática esperança de atrair o fautor de heresias. E se ele se não deixar enternecer? Nem o amplexo supremo do Divino Mestre enterneceu o traidor “que melhor seria que não tivesse nascido”. Se não se enternecer o agressor, quem prestará contas a Deus pelas almas que ele tiver devorado, pelos arbustos que partir, pelas mechas que extinguir, pelos filhos que arrastar
para longe da casa paterna, nos antros malditos onde ruge a impiedade e espuma a luxúria?

Para o pecador, mesmo não contrito, toda a misericórdia. Mas essa misericórdia não deve ser nem tão arriscada nem tão imprudente que chegue à suprema crueldade de expor à perdição as almas que foram resgatadas pelo Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo.

(Excertos do artigo do “Legionário”, de 27/10/1940. Título e subtítulos nossos.)

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