Flávio Aliança
Nossa Senhora Auxiliadora dos Cristãos - Basílica Maria Auxiliadora, Turim, Itália

Para conhecermos bem Nossa Senhora é preciso extirpar de nossas almas o espírito do mundo, o qual se identifica hoje com a Revolução e é incompatível com a Mãe de Deus, cuja realeza está intimamente ligada ao seu papel de Mãe, Medianeira e Mestra.

Vamos comentar alguns trechos do Tradado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem1, de São Luís Maria Grignion de Montfort, referentes à segunda semana de preparação para a Consagração a Nossa Senhora.

O espírito do mundo se identifica com a Revolução

Durante a segunda semana, aplicar-se-ão em todas as suas orações e obras quotidianas em conhecer a Santíssima Virgem. Implorarão este conhecimento ao Espírito Santo.

É preciso extirpar da alma todos os erros que tornam impossível conhecer bem a Santíssima Virgem, quer dizer, os erros do espírito do mundo, o qual se identifica hoje com a Revolução. De si, o espírito do mundo é uma coisa, a Revolução é outra, mas em nossa época o espírito que o mundo adotou é o espírito revolucionário, e a Revolução é a mentalidade, a atividade do mundo.

Flávio Lourenço
Anunciação – Museu da Colegiata de Santa Maria, Borja, Espanha

Depois de ter limpado a nossa alma do espírito da Revolução, incompatível com Nossa Senhora, criam-se então as condições para que compreendamos bem a Santíssima Virgem, condição prévia para A amarmos, porque o amor nasce do conhecimento, e o reto amor nasce do reto conhecimento. É só quando se conheceu bem que se ama retamente. Portanto, o primeiro passo, depois dessa limpeza preliminar, é conhecer bem Nossa Senhora para o que São Luís indica recomendações.

A primeira é aplicar-se na oração e até mesmo nas obras diárias, com o objetivo de alcançar essa altíssima graça. Por fim, deve-se pedir esse conhecimento ao Divino Espírito Santo do qual partem as graças que, por meio de sua Esposa, Maria Santíssima, nos tornam aptos a conhecê-La.

O Espírito Santo é o verdadeiro Esposo de Maria

Tem-se tratado muito de Nossa Senhora como Mãe do Verbo encarnado, mas se fala menos do que representa de intimidade com Deus a relação d’Ela com o Espírito Santo.

A Santíssima Virgem é Esposa do Divino Paráclito no sentido verdadeiro da palavra, precisamente porque é realmente Mãe da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, que Se encarnou em seu claustro virginal. O Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo foi gerado em Nossa Senhora, da carne e do sangue exclusivamente d’Ela porque nenhuma outra carne ou sangue humano entrou nessa geração. Por isso, diz a Teologia: Caro Christi, caro Mariæ; Sanguis Christi, sanguis Mariæ – a Carne de Cristo é a carne de Maria, o Sangue de Cristo é o sangue de Maria.

Aliás, esta é uma verdade que, no momento da Consagração, na Missa, agrada lembrar. Um modo de pedirmos especialmente as graças incalculáveis que a nossa participação na Santa Missa pode trazer, se formos devotos, é participar dela por meio de Nossa Senhora, considerando que o Corpo e o Sangue em que se transubstanciam o pão e o vinho foram gerados no seio puríssimo de Maria que, permanecendo virgem antes, durante e depois do parto, deu à luz o Verbo de Deus encarnado.

Ademais, Ela possuía conhecimento do fenômeno da gestação que se passava em seu corpo, e prestava atos de adoração a seu Divino Filho na medida em que ia dando a própria carne e o próprio sangue para formar o Corpo d’Ele. Por esta razão, Nossa Senhora é o modelo de quem comunga, pois, por uma dessas analogias abismáticas, quando recebemos Nosso Senhor em nós pela Sagrada Eucaristia – apesar de nossas misérias, ingratidões, irreflexões, leviandades, etc., que por vezes nos impedem de comungar como devemos –, somos tabernáculos vivos como foi a Mãe de Deus, e isso nos eleva a uma dignidade que não sabemos avaliar adequadamente.

Nesse conjunto de verdades está este fato: quem gerou Nosso Senhor Jesus Cristo foi o Espírito Santo. De maneira que Ele é o verdadeiro Esposo de Maria. Eis a razão pela qual São Luís Grignion de Montfort recomenda que se peça o conhecimento de Nossa Senhora ao Divino Paráclito.

Flávio Lourenço
Virgem da Expectação Real Mosteiro de São Domingos, Caleruega, Espanha

Entende-se, assim, com maior profundidade a jaculatória Emitte Spiritum tuum et creabuntur, et renovabis faciem terræ – Enviai o vosso Espírito e todas as coisas serão criadas, e renovareis a face da Terra. Tudo será restaurado, revivescido, reconstituído na sua situação de maior esplendor e, com isso, a Terra terá outra face. Por quê? Porque terá outro espírito. A face é o espelho do espírito; mudou o espírito, muda a face.

Mãe, Medianeira e Mestra junto aos homens

Em consequência de sua Maternidade Divina e por ser Esposa do Espírito Santo, Nossa Senhora é soberana, pois está colocada incalculavelmente acima de todas as criaturas, possuindo sobre aqueles que obedecem a Deus um poder real. A súplica de Maria é governativa por vontade divina, porque Ela pede e Ele atende. De maneira que, por assim dizer, a Santíssima Virgem tem o cetro de Deus nas mãos. É o que, aliás, a imagem de Nossa Senhora Auxiliadora indica claramente. Ela tem na mão esquerda o Menino Jesus, e na mão direita o cetro, o qual simboliza o governo que possui de toda a Criação, pela sua situação incomparável de santidade e união com a Santíssima Trindade.

Além disso, a Virgem Maria é medianeira. Mediar é estar no meio, e Ela está no meio entre Deus e nós de um modo peculiar. Quando eu era pequeno, os meninos daquela época gostavam de fazer uma brincadeira que me interessou durante algum tempo: usar lentes de aumento para concentrar os raios do Sol sobre uma folha morta, por exemplo. Os raios assim concentrados faziam com que, em pouco tempo, a folha começasse a pegar fogo. Para uma criança que nunca tinha visto isso, era uma experiência interessantíssima.

Nossa Senhora faz o papel dessa lente de aumento entre Deus e nós porque, pelo poder de Medianeira que possui, Ela concentra em Si aquilo que pede a Deus e, aplicando isso sobre o fiel, incendeia-o de amor divino.

A Santíssima Virgem é nossa Mãe – e esta palavra quer dizer tanta coisa, que talvez só no Reino de Maria compreenderemos todo o seu significado em relação a Ela –, mas também é nossa Mestra.

Com efeito, da Maternidade Divina e da condição de Esposa do Espírito Santo defluem todas as grandezas e prerrogativas de Nossa Senhora, que dão fundamento ao seu papel de Mãe, Medianeira e Mestra junto aos homens, o que, por sua vez, está relacionado com a realeza de Maria.

Molde de Deus

São Luís Grignion diz que a Santíssima Virgem é também um molde perfeito, o qual deve nos moldar a fim de que nos tornemos conformes a Nosso Senhor Jesus Cristo. É necessário que tomemos disposições, intenções idênticas a esse molde divino. Nós não o poderemos fazer sem estudar atentamente a vida interior de Maria, ou seja, suas virtudes, seus sentimentos, seus atos, sua participação nos mistérios de Cristo e sua união com Ele.

De fato, como São Luís explica a certa altura de seu livro, um artista tem dois modos de fazer estátuas. Um é esculpi-las penosamente, uma a uma, sobre uma matéria-prima dura, resistente, como pedra ou madeira. Outro é, possuindo um molde perfeito, derramar nele gesso ou qualquer outra matéria modelável e, então, de um modo fácil e seguro o artista poderá ter um número enorme de estátuas que, fabricadas uma a uma, lhe dariam um trabalho tremendo.

Maria é o molde de Deus. Se a pessoa convidada para a santidade está de acordo em deixar-se modelar segundo esse molde, ela se torna como outra Nossa Senhora. Ora, isso nos faz pensar no Reino de Maria. Como explicar que, conforme nós esperamos, haja tanta gente esplêndida nesse Reino quando tais pessoas são tão raras hoje em dia?

Martin Frouz (CC3.0)

Serão pessoas que passaram pelo molde, tomaram o modo de ser, entraram no gênero, no estilo d’Ela, e que por esta razão ficaram muito parecidas com Ela, ou seja, semelhantes a Deus. A imitação perfeita de Nosso Senhor Jesus Cristo consiste em nos modelarmos em Maria.

Assim, São Luís Grignion vai nos aproximando desse ideal de santidade que pode parecer a muitos absolutamente inatingível.

O coração é símbolo da vontade, psicologia, mentalidade do homem

Um título da Santíssima Virgem que me é muito grato é Rainha dos Corações, e equivale a dizer Rainha da Contra-Revolução.

O coração é símbolo da vontade, da psicologia, da mentalidade da pessoa. Assim, Nossa Senhora é a Rainha dos corações neste sentido. Evidentemente, Ela não viola a liberdade dos homens, mas tem uma tal influência sobre as graças concedidas por meio d’Ela que essas graças induzem, atraem as pessoas, com soberana doçura e clareza, para aquilo que a Santíssima Virgem quer. É, portanto, por meio dessas graças que Maria é a Rainha de todos os corações.

Com raras exceções, o coração do homem contemporâneo é dominado pela Revolução. Devemos, pois, considerando a luta entre a Revolução e a Contra-Revolução, invocar muito a Nossa Senhora como Rainha dos Corações.

A respeito deste assunto elevadíssimo, São Luís Grignion diz:

Maria é a Rainha do Céu e da Terra, pela graça, como Jesus é o Rei por natureza e conquista.

Nosso Senhor Jesus Cristo é o Rei do Céu e da Terra por natureza porque Ele, sendo Homem-Deus é Rei de toda a Criação. Nossa Senhora não é por natureza, mas pela graça, a qual Lhe deu esta realeza sobre o Céu e toda a Terra.

O Divino Salvador é também Rei por conquista porque, com a sua Paixão, redimiu o gênero humano e conquistou a Terra para Si. Ele ganhou um direito, por sua natureza, de ser Rei da Terra e do Céu.

Quando Nosso Senhor afirmou: “O Reino de Deus está no meio de vós” (Lc 17, 21), quis dizer que ele se exerce sobre os corações. E o reino da Santíssima Virgem está principalmente no interior do homem, isto é, em sua alma. É sobretudo nas almas que Ela é mais glorificada com seu Filho, do que em todas as criaturas visíveis, e podemos chamá-La com os Santos a Rainha dos Corações.

O mar é uma gota d’água em comparação com a alma de Nossa Senhora

Essas verdades se prestam a algumas considerações. Imaginem uma pessoa que esteja, por exemplo, na Ilha Fernando de Noronha. Aquilo é uma espécie de navio parado com o alicerce no fundo da terra, mas é uma posição maravilhosa. Olhando o mar essa pessoa se regala com aquele esplendor e se entusiasma; se for piedosa deve ter o hábito de reportar a Maria tudo quanto ela pensa. Então dirá: “Como deve ser o Coração Imaculado de Maria, imensamente maior do que tudo isso, não pelo tamanho físico, mas pelo valor!” E podem vir cogitações muito boas sobre a extensão e a qualidade dos predicados da Santíssima Virgem.

Flávio Lourenço
Vista panorâmica da Ilha de Fernando de Noronha, Pernambuco

Para compreendermos que o mar é uma vil gota d’água em comparação à grandeza da alma de Nossa Senhora, basta tomarmos em consideração a situação d’Ela durante a Paixão de seu Divino Filho. Nosso Senhor Jesus Cristo carregava a Cruz, e os dois se encontraram. O que Ela sofreu quando viu o seu Filho injustamente posto naquela situação e tratado daquela maneira por uma algaravia de gente vil que não valia nada, de canalhas! Ela O abraçou e naquele abraço ia, da parte d’Ela, muito mais do que uma aprovação, um louvor: “Meu Filho, Eu Vos louvo por estardes sofrendo assim pela humanidade, para a glória de Deus!”

Porque é glorioso para Deus e para Nossa Senhora ter o reino das almas; e Jesus estava conquistando isso pelo seu Sangue derramado e pela morte que sofreu, para todas as almas criadas ao longo da História, desde Adão e Eva até o fim do mundo.

Leandra Castanha (CC3.0)
Encontro de Jesus com sua Mãe a caminho do Calvário – Museu de Belas Artes, Valência, Espanha

Conquistou o domínio de todos os corações

Para mim, a cena mais empolgante é o último olhar de Jesus, porque é indiscutível que, antes de morrer, Ele olhou para sua Mãe Santíssima mais uma vez, e que Ela O estava fitando nesse momento, pois estou certo de que, durante todo o tempo em que esteve junto à Cruz, Ela não desviou o olhar d’Ele em nenhum instante. Portanto, nesse momento em que os olhares se cruzaram, Ela notou, pelo embaçado dos olhos e extremo sofrimento d’Ele, que a hora estava chegando. Nosso Senhor disse aquelas palavras de despedida a Ela e a São João: “Filho, eis aí tua Mãe! Mãe, eis aí teu filho!” (cf. Jo 19, 26-27).

Maria Santíssima sabia que Ele ia passar por isso e desejou; querendo, Ela mostrava um domínio extraordinário sobre Si mesma, porque tudo deve levar a mãe a querer salvar o filho. Se Ela pedisse, Nosso Senhor não seria martirizado. Ele o foi porque sua Mãe consentiu; Ela permitiu porque queria que Ele resgatasse o mundo. Assim, Ela levou profundamente a sério as coisas e conquistou o domínio de todos os corações.

Ora, é tão augusto dominar todos os corações que, considerando o homem mais inculto, tosco, de sentimentos e disposições mais vis que se podem imaginar, Nossa Senhora reinar sobre ele tem uma grandeza maior do que reinar sobre todo o universo material. Tanto vale uma alma!

Arquivo Revista
Dr. Plinio reza diante da imagem de Nossa Senhora Auxiliadora, no Santuário do Sagrado Coração de Jesus, em 1992

Maria é, pois, a Rainha das almas e tem o poder de chamá-las a Si e levá-las para o bem. Ela é a onipotência suplicante.

Trabalhando muito em apostolado, uma das alegrias que se tem é quando se percebe que uma determinada alma melhorou radicalmente, está transformada, causando a impressão de que ela mudou, seu olhar é luzidio. Essa alma está esplendorosa, afável, flexível para tudo quanto é bom e inflexível contra tudo quanto é mal. O que é isso? É o reluzimento das virtudes que Nossa Senhora obteve para aquela alma. Assim, pelo procedimento dessa alma, a Santíssima Virgem engrandece a Deus e canta o Magnificat ao Criador naquela pessoa. Nessas condições, toda alma que se entrega continuamente a Deus, sua vida é um Magnificat ininterrupto.

Então nós devemos fazer a Nossa Senhora este pedido: “Minha Mãe, Vós sois Rainha de todas as almas, mesmo das mais duras e empedernidas que queiram abrir-se a Vós. Eu Vos peço uma coisa: sede Rainha de minha alma, quebrai seus rochedos interiores, rompei suas resistências abjetas, dissolvei por um ato de vosso império as paixões desordenadas, as volições péssimas, os resquícios dos meus pecados passados que possam ter ficado em mim. Limpai-me, ó minha Mãe, para que eu seja inteiramente vosso!”

Se formos atendidos seremos perfeitos contrarrevolucionários.

(Extraído de conferência de 13/3/1992)

1) Cf. n. 37 a 59, 229.