Tributar à Santa Igreja e a seus ensinamentos um amor, dedicação e submissão sem limites foi o ideal abraçado e constantemente cultivado por Dr. Plinio, ao longo de sua admirável existência. Algumas dentre as inúmeras manifestações desta profissão de fé católica aqui serão lembradas, descritas pelos próprios lábios de Dr. Plinio.

I – Profunda adesão à Igreja

As recordações dos meus tempos de menino e adolescente se situam de modo preponderante no contexto de minha família materna, pois foi no seio desta que cresci e me formei. Circunstância compreensível, se levarmos em consideração o fato de eu ter nascido em São Paulo e de ser meu pai, Dr. João Paulo Corrêa de Oliveira, natural do Estado de Pernambuco, onde residiam todos os seus. Ora, naqueles primórdios do século XX as distâncias entre as diversas regiões brasileiras se faziam ainda maiores, em virtude da precariedade dos meios e vias de locomoção. Assim, foi ele a única pessoa de minha família paterna que teve algum papel na constituição do meu caráter.

Fotos: Arquivo revista

Fotos: Arquivo revista
Dr. Plinio aos 12, 30 e 80 anos

Era um homem saudável e robusto, à semelhança dos senhores de engenho dos quais descendia, algo dado a gracejos e ditos espirituosos, vez ou outra acompanhados de sonoras gargalhadas.

Menino calmo e temperante

Porém, apesar de sua vivaz presença nordestina, quando comecei a dar acordo de mim, meus primeiros contatos temperamentais e emotivos foram com a família materna, posto o intenso vínculo e a consonância de alma que cedo se estabeleceram entre mim e Dª Lucilia, minha extremosa mãe. Os Ribeiro dos Santos, dos quais ela procedia, vieram de Portugal para São Paulo no tempo de Dom João VI. Era uma família em lenta e constante ascensão social e econômica, tendo na época do império ocupado boas posições e produzido alguns homens de destaque. Com o advento da República, tornou-se fecunda em engendrar figuras eminentes pa­ra o círculo doméstico — advogados, fazendeiros — e também alguns políticos.

Após seu casamento, meu pai alugou uma pequena casa a pouca distância da residência dos sogros dele, Dr. Antônio e Dª Gabriela, para que mamãe tivesse facilidade de contato com seus pais e seu ambiente. Nasci nesta casa, no dia 13 de dezembro de 1908, mas praticamente não a conheci: cerca de um ano depois falecia meu avô materno e, por sugestão de vovó Gabriela, nos mudamos para o palacete da Alameda Barão de Limeira, no bairro de Campos Elíseos. Minha infância, portanto, transcorreria nesse casarão no qual habitavam, além de meus pais, uma tia com seu marido e uma filha, ocupando aposentos inteiramente distintos. Ademais, como em geral acontece nas famílias numerosas, era essa casa freqüentada por muitos parentes.

Meus primeiros contatos temperamentais foram com a família materna, posta minha intensa consonância de alma com mamãe

Fotos: Arquivo revista

Fotos: Arquivo revista
Dr. João Paulo e Dona Lucilia, na época de seu casamento; na página 21, a Igreja do Sagrado Coração de Jesus no ínicio do século XX

Em vista de diversos fatores constitutivos desse ambiente, diria eu que a característica da primeira quadra de minha vida foi a harmonia em todos os campos. Não havia problemas financeiros, as pessoas eram corteses umas com as outras, o que tornava o convívio sobremodo agradável, repassado de alegria e boa disposição. O quotidiano se desenrolava na serenidade, no bem-estar, num âmbito puro e saudável. Tinha a impressão, pois, do homem que repousa no lugar que lhe convém, sem variação ou mutabilidade.

Daí essas condições terem favorecido a formação de meu temperamento, que alguém poderia classificar como sendo calmo, até inclinado à indolência, e equilibrado, tendente a certa moleza, infenso a brigas. Afetivo, com um desejo enfático de conviver carinhosamente e tendo movimentos de sensibilidade bem pronunciados.

Tudo isso com inocência e profundamente rijo num ponto: aplicado com inteiro empenho naquilo que resolveu. Em suma, uma índole que poderia ser qualificada — para um homem concebido com pecado original e, portanto, com as reservas que essa condição comporta — de fundamentalmente temperante.

Duas grandes influências: a Igreja e Dona Lucilia

Outro importante fundo de quadro de minha educação foi o resto de tradição católica recebido de minha família, a qual não era nem mais nem menos religiosa que o conjunto das linhagens tradicionais de São Paulo. Esse legado de piedade habituou-me a considerar a Igreja Católica como sendo a própria base e alma daquela ordem de coisas em que eu vivia, e preparou-me a considerar a Esposa Mística de Cristo com Fé incondicional, submissa, alegre e total, com uma admiração sem limites que, por graça alcançada pelos rogos de Nossa Senhora, sempre conservei.

Assim, declaro com imenso contentamento: qualquer coisa que possa haver de bom em mim deriva do fato de ser membro da Igreja Católica. A fonte verdadeira e viva de todo o bem é a Fé católica apostólica romana; é a submissão ao Santo Padre, Vigário de Jesus Cristo na Terra.

Cumpre acrescentar que essa influência católica recebeu especialíssimo apoio nos meus anos de menino e adolescente: as relações com mamãe, à qual eu amava tanto quanto um filho pode amar sua mãe.

Há uma fotografia de mamãe comigo em seus braços, ainda sem o uso da razão, mas naquela micro-fisionomia já se percebe algo de meu temperamento definitivo. A inocência transparece de modo saliente, junto com a debilidade. Estou olhando para alguma coisa. Largado nos braços maternos — com delícias! — sentindo muito seu carinho e confiando nela com a maior tranqüilidade. O curioso é ver uma criança daquela idade com ares e olhar de quem está raciocinando… Olhar seletivo e dubitativo; feito para distinguir, não permitindo que os objetos vistos por ele se apresentem emaranhados, mas ordenados. Com uma grande tendência para a análise, disposta a em seguida saborear ou recusar, rejeitar ou aprovar.

Fotos: Arquivo revista
Fotos: Arquivo revista

Havia ali matéria-prima para um homem muito analítico.

Noutra fotografia minha, com dois anos, apareço sentado numa miniatura de cadeira de gente grande. Nota-se que a inteligência e a análise já deram alguns passos: certas coisas estão julgadas. Estou aprendendo a desconfiar, mas também confiando quando devo. O movimento das mãos quase exprime isso: uma para frente e outra para trás; os lábios semi-abertos em atitude de observação, e eu inteiramente dono de mim, nada assustado nem preocupado principalmente comigo. Observo a vida. Nisso consiste a retidão primeira de uma criança. Essa fotografia reflete mais o que eu viria a ser.

Aquele gérmen de piedade concorreu para alimentar, conservar e fazer crescer minha inocência batismal

Fotos: Arquivo revista
Fotos: Arquivo revista

Fotos: Arquivo revista
Na página 24, Plinio aos 4 anos; acima, o vaso cor-de-rosa; no alto, oratório do Sagrado Coração de Jesus, pertencente a Dona Lucilia

“Onde está Jesus?”

Dona Lucilia era profundamente católica, no melhor sentido da palavra “profundo”. Para compreendê-lo, basta tomar em conta o seguinte fato. Como bom filho de nordestino, não tive dificuldades em aprender a falar. Dizia ela que, alguns meses depois de nascido, comecei a balbuciar e aos seis meses já conversava… Ora, toda criança aprende instintivamente a dizer “papai” e “mamãe”, a reconhecer os próprios pais, etc. Porém, quis Dª Lucilia que antes disso minha irmã e eu soubéssemos falar “Jesus”. As primeiras perguntas que ela nos dirigia não eram: “Onde está papai? Onde está mamãe?” E sim: “Onde está Jesus?”

No quarto dela havia um oratório com bela imagem do Sagrado Coração de Jesus, confeccionada na França, e que lhe havia sido presenteada por seu pai. Quando mamãe percebeu que minha irmã e eu já éramos capazes de acompanhar com os olhos o movimento do dedo dela — e que, portanto, algum esboço de intelecção estava raiando em nosso espírito — desejou que essa primeira compreensão fosse voltada para o Autor de todas as coisas. Ou seja, para Deus. Por causa disso, dizia-nos, sorrindo meigamente: “Jesus, Jesus”, enquanto orientava nossas cabeças e nos fazia olhar para o Sagrado Coração de Jesus. Não será difícil, então, imaginar a alegria dela ao ouvir os meus lábios logo pronunciarem: “Jesus!”

Inocência primaveril: o vaso cor-de-rosa

Pelo favor de Maria Santíssima, esse gérmen de piedade concorreu para alimentar minha inocência batismal, e a não apenas conservá-la, mas fazê-la crescer com a idade nos meus anos de infância.

Como se manifestava essa inocência?

Através de um lumen, uma luz que me levava a contemplar na rea­lidade ao meu redor o simbolismo e a beleza das coisas que davam acesso a uma como que “transesfera”1, a qual eu não sabia definir nem relacionava com o Céu, porém me aproximava deste. Essa ligação entre o esplendor criado e as maravilhas do Paraíso reluzia para mim, por analogia simbólica, em inúmeras ocasiões.

Por exemplo, na nossa sala de visitas existia um antigo e lindo vaso cor-de-rosa, objeto de furtivas e agradáveis contemplações minhas. Comprazia-me em analisá-lo, e pensava: “Seria bom que houvesse algum lugar no universo todo feito desse material róseo, no qual se fruísse o deleite que minhas vistas experimentam ao olharem para esse vaso. A delícia seria completa se se pudesse deixar penetrar por essa substância, acompanhada de aromas, sensações tácteis e sons harmoniosos com isto que vejo. Embora não valesse a pena passar a eternidade assim, quereria permanecer um bom tempo nesse local, e em seguida mudar para outro ambiente, tanto ou mais maravilhoso. Como seria bonito!”

Não se tratava de um mundo de sonhos ou de utopias, mas de uma superior ordem do universo que ia se apresentando cômoda e gradualmente ao meu espírito. Não era, tampouco, a simples fruição dos sentidos, e sim o desejo de algo mais perfeito, dentro deste mundo em que vivemos. Minha tendência não era a de me fixar nos objetos analisados, mas a me elevar de grau em grau até o Absoluto, Deus, o Criador de todas as maravilhas.

Tratava-se, portanto, de uma tendência para o amor a Deus que o católico deve possuir acima de todas as coisas; uma graça proporcionada à compreensão de um menino, que depois se desenvolveria com o maturar gra­dual de meu espírito.

Por que me chamo Plinio?

Fotos: F Kobayashi / Arquivo revista
Fotos: F Kobayashi / Arquivo revista

Segundo os comentários de mamãe, poucos dias depois de eu ter nascido, uma roda de parentes se achava em torno da cama dela, ponderando a respeito do nome a me ser dado. Em certo momento, minha avó, a quem Dª Lucilia queria muito, insinuou:

— Eu teria gostado tanto que um filho meu, ou então um neto, se chamasse Plinio! Esse nome me parece muito bonito, mas nunca ninguém atendeu o meu desejo…

Para comprazer à matriarca da família, ela respondeu imediatamente:

— Então, Mamãe, o pedido está atendido: o nome do menino é Plinio.

Mais tarde, no dia 7 de junho de 1909, eu recebia as benditas águas do Batismo, e Plinio Corrêa de Oliveira se tornava também um filho da Santa Igreja Católica.

Fotos: F Kobayashi / Arquivo revista
Plinio aos 5 anos; pia batismal da Igreja de Santa Cecília

Ao entrar na Igreja do Coração de Jesus, ficava-me mais patente minha afinidade com uma ordem de coisas de beleza superior

M. Shinoda
Igreja do Coração de Jesus, em São Paulo

Maior afinidade com a Igreja

Eram cogitações e pensamentos não externados aos meus circunstantes. Afinal, quem gostaria de ouvir os comentários de uma criança de três anos? Em todo caso, conduziam meu espírito a compreender a existência de uma ordem de coisas de beleza superior, orientada por alguém que é Absoluto, perfeito e imutável, e que me satisfaria inteiro: “Para essa ordem fui feito e não quero apenas conhecê-la, mas entrar nela. Sinto que me transformaria e faria de mim o Plinio que devo ser”.

No fundo, estabelecia uma consideração global do universo, o qual é constituído por uma imensa quantidade de maravilhas, não lançadas a esmo, mas em ordem hierárquica, arquetípica, que devemos amar. Embora sem explicitá-lo, tais meditações eram essencialmente religiosas. Percebia que Deus estava próximo de mim; notava em minha natureza algo de diáfano e leve, sentia-me bom e direito, desejando coisas retas. Por outro lado, percebia o contraste entre meu gênio pacífico, minha inclinação a querer bem a todos, e o modo de ser de outras crianças com as quais convivia, e essa minha tendência dava-me grande consolação.

A meu ver, essa postura de alma era fruto de uma ação da graça. Sem saber associar inteiramente essas reflexões à Religião, eu me sentia filho da Santa Igreja. E quando, por exemplo, mamãe me levava à igreja do Sagrado Coração de Jesus, ao penetrar naquele recinto sagrado, ficava-me ainda mais patente minha afinidade com todas essas pulcritudes.

Ela tem bondade e firmeza; indica-me o caminho do êxito. Quero-a muito bem!

Fotos: Arquivo revista

A fräulein Mathilde

Não poderia deixar de mencionar uma figura marcante do meu tempo de criança, posto ter sido ela de muito auxílio para a formação de minha mentalidade: a fräulein2 Mathilde Heldmann. Alemã, preceptora exímia, com passagem por famílias de nomes ilustres, mamãe a trouxera da Europa a fim de nos proporcionar a melhor educação que pudéssemos ter.

Em relação à fräulein Mathilde eu nutria três reações diferentes. A primeira era de confiança: “Se mamãe a pôs perto de mim e de minha irmã, tenho nela todas as formas e graus de confiança possíveis. Mamãe mandou, está bem feito”. A segunda, de agastamento… Na hora de dar ordens, por razão que ignoro, ela não dizia “Plinio”, mas “Pliniôôô!”, e o fazia de maneira tal que eu percebia seu desejo de que me levantasse e batesse os calcanhares!

Fotos: Arquivo revista
Na página 29: Plinio, sua prima Ilka, a fräulein Mathilde e Rosée; à direita, ele no Jardim da Luz, em São Paulo

Em geral ela empregava esse modo de falar para me advertir por não ter prestado atenção em algo ou então para me aplicar uma punição. E como a aritmética não era das minhas matérias preferidas, o castigo freqüentemente consistia em me obrigar a fazer uma soma ou divisão maçante…

Também não era meu forte o ser pontual, e ela me impunha exigências, como: “Agora chegou a hora do estudo, deixe o brinquedo de lado!” Às vezes eu me indignava, pensando: “Essa senhorita me obriga a andar depressa, a resolver tudo de imediato e a fazer as coisas como não gosto!” Porém, apesar de minha irritação, ela me levava a obedecer, e não raro eu tinha a sensação de estar sendo formado por um instrutor militar…

Por fim, a terceira atitude diante dela era de admiração. Em certos momentos, quando minha irmã, minha prima e eu estávamos estudando, ela permanecia quieta, sentada, nos fiscalizando. E, desde aquele tempo, eu tinha certa tendência a analisar as pessoas. Então, às vezes interrompia o estudo, olhava para sua fisionomia impassível e pensava: “Como ela é lógica e coerente, domina-se a si mesma, e tudo o que faz é correto. Nunca se zanga comigo sem motivo. Quando me repreende, é porque mereço. Embora o obedecer seja tedioso, é bom. Vou acertar o passo!”

E concluía: “Ela tem bondade e firmeza ao mesmo tempo. Se todos os meninos possuíssem uma fräulein assim, como seria ótimo! Ela me indica o caminho do êxito. Quero-a muito bem!”

Há uma fotografia de mamãe andando comigo num caminho, em Águas da Prata, onde eu apareço com uns seis ou sete anos de idade. Estamos num ambiente de fazenda, voltando da fonte medicinal que ela freqüentava, a 1 ou 2 km do hotel. Eu não levo nenhum brinquedo na mão e estou sozinho com ela, completamente entretido na sua companhia e sentindo-me afetuosamente acolhido. Percebe-se estar ela com o espírito em outras paragens e preocupada com alguma coisa, apesar de dar-me uma atenção que me satisfaz. E vê-se que ela está andando com muita decisão e determinação. Eu, tomado pelo “maravilhamento número mil e um” em relação a mamãe, agarrava-me nela, efetuando um pequeno salto como quem quer chegar um pouco mais perto… Talvez por sentir confusamente que a resposta viria com certa lentidão, mas já sabendo que deixaria o meu coração repleto! Se eu pudesse conseguir um banquinho, subir nele e estar perto de sua fisionomia, seria o que eu faria! Esse era o meu procedimento habitual diante dela.

Fotos: Arquivo revista

De onde vinha essa atitude? Do senso do ser de um batizado, na sua retidão de inocente, encantado com aquela que estava olhando. Eu tinha um deslumbramento pela doçura que emanava dela, acompanhada de sabedoria, decisão, maturidade, constância, continuidade e uma série de predicados, cada um mais precioso do que o outro e possuídos sem a menor ostentação.

De vez em quando, em temporada de férias, nossa família ia a Santos e não se hospedava no Hotel Parque Balneário, mas na casa de uns tios. E o que mais me encantava nessas ocasiões era, sem dúvida alguma, o mar…

Fotos: Arquivo revista
Plinio na Praia do Zé Menino, em Santos

A enseada se me afigurava como uma grande baía e pensava ser aquele o maior oceano do mundo. De maneira que a grandeza de todos os mares estava, para mim, representada ali, como se fosse a faixa de terra mais parecida com o Paraíso. Era a mitificação própria de uma alma que buscava em tudo a inocência.

No Colégio São Luís: o precioso dom da devoção a Nossa Senhora

Quando fiz 10 anos, pedi a meus pais que me matriculassem no Colégio São Luís, dos jesuítas. Fui levado a tal solicitação pelas artimanhas de um primo. Este já era aluno daquele educandário e insistiu para que eu também me inscrevesse ali. Como é natural, perguntei-lhe a respeito das aulas e do que encontraria no São Luís. As explicações dadas me agradaram. Sobretudo, devo confessar, quando em certo momento ele mencionou a existência de árvores no pátio de recreio, nas quais os alunos podiam subir para comer frutas. Idéia que me pareceu bem atraente… Indaguei-lhe:

— Quais são as frutas?

Ele, esperto, em vez de responder, perguntou-me:

— Quais você imagina?

— Há cerejas?

— Claro!

— Então eu entro para o São Luís! — concluí, decidido.

Aos poucos fui crescendo em energia, incentivado por justas indignações e uma firme resolução de não me deixar esmagar pelos outros

Fotos: Arquivo revista / T. Ring

Fotos: Arquivo revista / T. Ring
Quadro da Mãe do Bom Conselho, venerado na Capela do Colégio São Luís; Plinio, o primeiro em pé, da esquerda para a direita, quando aluno dos padres jesuítas

No primeiro dia de colégio participei da aula com interesse, tomando notas das palavras do professor. Quando saímos em fila para o recreio, tudo me parecia normal: nos formamos no pátio e o padre encarregado deu um longo apito. Ato contínuo alguns meninos se puseram a correr freneticamente e os campos se encheram de times de futebol. Fiquei atordoado, ao ver-me cercado de algazarra, de gente pulando e se empurrando, em meio a gritos e gargalhadas. Alguns se aproximavam de mim, batiam-me no ombro e perguntavam: “Você não brinca também?”

E as cerejas? Não vi cerejeira alguma. Procurei meu primo, a fim de lhe cobrar as árvores, e ao vê-lo passando com um grupo de colegas, agarrei-o:

— Você me disse que havia cerejeiras.

— Aparecem logo! — foi só o que encontrou para me responder.

Enfim, não existiam as frutas que eu tanto cobiçava. Não joguei futebol, nem tomei parte nas diversões do recreio. Em vez disso, comecei a prestar atenção naquele mundo, em tudo diferente daquele com o qual eu estava habituado, e me senti um corpo estranho, malvisto, mal compreendido.

Havia na capela do colégio um quadro de Nossa Senhora do Bom Conselho, e a Ela recorria amiudadas vezes, não raro com aflição, devido às perigosas circunstâncias que então amea­çavam minha integridade espiritual. Com efeito, meu temperamento cordato me levava sempre a estar de acordo com todo mundo, desde que tal atitude me evitasse brigas. Assim, entrei para o colégio São Luís como o menino inocente, pronto a ser o alvo das pancadas… Como disse, durante o primeiro ano letivo, em diversas circunstâncias fui objeto de mofa, riam e zombavam de mim. Até que Nossa Senhora me concedeu a graça de compreender: “Ou deixo de ser mole, ou passarei a vida apanhando. Ora, não desejo apanhar, nem quero me perder. Logo, tenho de ser enérgico! Mas, como vou ser assim? Não tenho zanga, sou a personificação da calma! Onde vou tirar de mim essa energia?”

Maria Santíssima, porém, misericordiosa, paciente, bondosa para comigo, infundiu em minha alma o dom mais precioso que tive na vida: a devoção a Ela, associada à compreensão de que, por mais mole e inútil que eu fosse, Ela me queria bem. E, se eu pedisse, conseguiria d’Ela duas graças. Primeiro, a de perseverar na pureza; em segundo lugar, a de ser um verdadeiro leão de energia.

Imbuído dessa confiança, dirigia-me a Nossa Senhora, dizendo: “Minha Mãe, considerai como sou mole. Vejo que Vós, no alto do Céu, sois ao mesmo tempo virginal e forte. Eu quero ser puro e forte como Vós. Revesti minha alma de santa indignação, de forças, de coragem, de lógica, de coerência. Erguei-me, porque não consigo ficar de pé.”

E Aquela que a ninguém desampara ouviu minhas preces. Aos poucos fui adquirindo maior vigor de espírito, à maneira de um pássaro que enceta seus primeiros vôos, ainda hesitantes, algumas vezes frustros, até o momento em que ele se alça e começa a fender os ares, meio tocado pelo vento, meio pelas próprias asas. Assim eu fui crescendo em energia, um tanto incentivado por justas indignações que nasciam em mim, um tanto pela firme resolução de não me deixar esmagar pelos outros. Afinal, dei início aos meus vôos, que nunca mais cessaram.

Ainda no colégio me adveio outra preciosa vantagem, que foi a benéfica influência exercida sobre mim da mentalidade de Santo Inácio de Loyola e da Companhia de Jesus. Graças à Santíssima Virgem, essa influência penetrou-me a fundo na alma, constituindo um todo muito harmônico entre a minha tradição familiar e a tradição de uma Ordem religiosa especificamente combativa e católica, sendo ela mesma uma extraordinária emanação do espírito da Igreja.

Aos pés de Nossa Senhora Auxiliadora

Em meio a uma pungente aflição de menino pela qual passava, fui assistir à Missa de domingo na Igreja do Sagrado Coração de Jesus. Essa celebração era reservada aos alunos do colégio salesiano sob cujos cuidados estava o templo católico, e os meninos ocupavam a maior parte dos bancos. Eu me vi, assim, relegado ao único lugar que sobrou para mim, na nave lateral direita. Inicia-se a Missa, as crianças cantando hinos litúrgicos e eu amargando na alma o apuro que me afligia. Então olhei para uma imagem de Nossa Senhora Auxiliadora que ficava na capela ao lado do altar-mor: pedi a Ela que me ajudasse, e tive a impressão de que a imagem me sorria, me afagava e que dali partia em meu favor a promessa de uma solução. E eu rezava a “Salve Rainha” em português, dando à palavra “salve” um sentido diferente, pois ao invés de uma saudação, pensava tratar-se do verbo “salvar”, e então dizia; “Salvai-me Rainha, Mãe de misericórdia…”

Compreendi que, além de crer, precisava possuir também a mentalidade católica

Fotos: Arquivo revista / M. Shinoda
Fotos: Arquivo revista / M. Shinoda

Fotos: Arquivo revista / M. Shinoda
Plinio am Águas da Prata; altares de Nossa Senhora Auxiliadora (esquerda) e do Sagrado Coração de Jesus, na Igreja deste nome, em São Paulo

Naquela hora de angústia, pela primeira vez na vida senti todo o sabor dessa oração, e pensava: “Mamãe é tão boa para comigo, mas não diria dela que é mãe de misericórdia. Ora, Maria Santíssima é Mãe de misericórdia. E se mamãe me quer tanto, sei que Nossa Senhora me quer ainda mais, incomparavelmente mais. É por meio d’Ela que vencerei essa aflição. Ela pode me livrar desses apuros, desses buracos dos quais nem minha mãe conseguira me tirar.”

Eu olhava para a imagem e tinha a impressão de um sorriso para mim. Do Céu, Ela está me olhando. Tudo dará certo. De fato, tudo se resolveu. Minha devoção a Nossa Senhora, a partir de então, passou a ser mais ardente, mais fervorosa do que antes. E foi por causa dessa graça que me tornei calmo para a vida inteira. Pois seja o que for e como for, uma vez que nós, homens, estamos envolvidos por essa misericórdia, podemos permanecer tranqüilos: todo aquele que se volta para Ela, acaba alcançando a solução de seus problemas.

Católico apostólico romano!

Por uma graça especial concedida por Deus, na medida que eu conhecia a Igreja, a ela me unia sem discutir, com uma adesão serena e profunda. Quando soube haver gente que colocava em dúvida a divindade e a própria existência de Jesus Cristo, pensei: “Mas, terão perdido o bom senso? Basta considerar uma imagem piedosa d’Ele, para perceber tratar-se de uma realidade. Para que alguém o tivesse inventado, precisaria ser maior do que Ele. Ora, ninguém pode ser maior que Jesus Cristo; portanto, não foi inventado.”

E, pelo auxílio de Nossa Senhora, nunca fui capaz de pronunciar sem entusiasmo a palavra “católico”. Lembro-me de mim, ainda pequeno, refletindo: “Curioso, a palavra católico parece uma música”. Note-se que eu desconhecia a origem grega do termo, e o seu significado de “universal”. Porém, me encantava: “Que linda palavra! Ca-tó-li-co. Três notas: o forte do A começa irrompendo e proclamando. Depois o Ó exclama, estando no píncaro. E o I termina com delicadeza. Que palavra a meu gosto!”

Em seguida, pensava: “Mas, já tenho ouvido falar de católico apostólico romano. Quer dizer que isso constitui um conjunto só. ‘Apostólico’ parece uma reedição de ‘católico’, apresentada por outro lado, como uma guirlanda que desce, aumenta de comprimento e sobe. ‘Romano’ (eu nem sequer relacionava com Roma) dá idéia de algo forte, sério, sólido e bom. Romano! Tenho a impressão de um rio que corre sob um arco, as águas passam, fluem, mas a ponte permanece. Romano! Perguntarei a mamãe o que significa tudo isso.”

Recebi de Dª Lucilia a explicação desejada, adequada à mentalidade de uma criança, mas fornecendo as noções precisas. Tendo ela me falado do Pontífice Romano, compreendi a importância do Vigário de Cristo, e então nasceu meu entusiasmo pela infalibilidade papal. Pensei: “Que belas palavras! Pontífice Romano. Ele se acha no mais alto, é infalível, ordena e todos obedecem. Ah! Ser católico é uma coisa excelente! Não há igual. É o píncaro!”

E Nossa Senhora me ajudou a dar-me conta de que a fé era indispensável, celeste e admirável, porém não bastava crer. Era preciso ter o estado de espírito, a mentalidade, o modo de pensar, fazer e sentir católicos. Eu tendia para essa postura de alma e não desejava outra coisa senão ser, inteiramente, católico apostólico romano!

No meu tempo, o hábito de Primeira Comunhão masculino era a cópia do uniforme solene de um dos colégios mais famosos do mundo — o de Eton, da Inglaterra. Tratava-se, na verdade, de roupa muito pomposa, paletó e calça de casimira inglesa e cortes elegantes, camisa engomada, de colarinho duro, gravata escura e, no braço esquerdo, um laço de fita branca, em cujas pontas brilhavam pingentes dourados. O branco simbolizava a castidade daquele menino; o dourado lembrava a sua fé.

Arquivo revista
Plinio com o traje de Primeira Comunhão
S. Miyazaki
Dr. Plinio aos 86 anos

De que me serviu a Primeira Comunhão?

Sendo o marco inaugural de uma série de comunhões, ela me preparou e fortaleceu minha alma para enfrentar os combates que, dali a pouco, teria de travar pelo bem e pela virtude.

Preparou-me para uma vida que, graças à Santíssima Virgem, procurou se fazer sempre de piedade, de fidelidade aos mandamentos da Lei de Deus e os da Igreja, e de entranhado amor à Esposa Mística de Cristo, para cujos serviço e triunfo sempre almejei dedicar todos os meus esforços.

II – Afirmação de uma ardorosa catolicidade

Posso dizer que conheci a Igreja num de seus bons períodos, quando a generalidade dos católicos estava reunida em torno do seu Pastor Supremo, sob a desvelada conduta dos respectivos Episcopados nacionais, fazendo com que fosse completa a união entre Clero e fiéis, bem como a dos clérigos entre si. Numa palavra, reinava na Igreja a paz de Cristo.

Filho, como disse, de uma senhora eminentemente católica, cuja influência em minha formação religiosa foi das mais profundas, desde muito cedo comecei a amar a Santa Igreja com transportes de entusiasmo. Porém, não pequena foi minha surpresa quando, em contato com colegas e amigos de minha geração, alheios ao meu círculo familiar, constatei haver uma parte da opinião pública — mais considerável nas camadas altas da sociedade — que se mostrava reticente em relação à Igreja. Nesse meio entendia-se que os homens não deveriam se mostrar católicos, ficando bem apenas ao sexo feminino praticar a religião.

Quando eu revelasse a existência de jovens católicos, estaria quebrada a pressão em torno de mim

Fotos: Arquivo revista
Fotos: Arquivo revista

A profissão aberta do catolicismo por um moço o qualificava entre os carolas, pessoas de capacidade intelectual e humana insuficiente. Tal discriminação fazia com que, atemorizados pelo julgamento dos outros, muitos homens não tivessem a coragem de parecer católicos praticantes. Um jovem que o fizesse seria posto à margem no seu próprio meio social.

Fotos: Arquivo revista
Fotos: Arquivo revista

Fotos: Arquivo revista
Dr. Plinio na época em que conheceu o Movimento Católico; abaixo, da esquerda para a direita: Congresso da Mocidade Católica, Igreja do Mosteiro de São Bento (SP); faixa que anunciava o Congresso da Mocidade Católica, em 1928; dois eventos das Congregações Marianas em São Paulo

Catolicismo total

Outro não foi o isolamento de que me tornei objeto, pois sempre professei abertamente, com a graça de Deus, a fé católica apostólica romana. Encontrei, assim, desde o início do curso secundário, oposições muito vivas em torno de mim. Oposições estas que haveriam de se intensificar quando me inscrevi na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, naquela época célebre foco de laicismo e de positivismo jurídico, contrários à doutrina da Igreja.

Lembro-me de que, ao fazer minha inscrição na Faculdade, sentia o coração bater-me na garganta, pelo receio de que tal ambiente corroesse minhas convicções religiosas. Confiando na Santíssima Virgem, com todo o fervor roguei-lhe os meios de conservar a fé católica íntegra, naquele terreno hostil no qual entrava. Como sempre, Ela me atendeu de modo superlativo. Acabei sendo, antes de tudo, católico, de um catolicismo total, completo.

Conservava, entretanto, uma dúvida a respeito de como conduzir minha vida. Porque, ao mesmo tempo em que freqüentava a sociedade, paradoxalmente eu era, em virtude de minhas convicções religiosas, muito retraído. E assim, no quase isolamento, na resolução de lutar e na alegria — cumpre notar — da esperança do meu futuro, transcorreu minha mocidade. Esperança do futuro, sim, pois era nele que eu me refugiava para enfrentar as oposições do ambiente.

Encontro com a Mocidade Católica

Qual não foi o meu espanto quando, certo dia de 1928, passando de bonde pela Praça do Patriarca, no centro de São Paulo, reparei numa larga faixa estendida à frente da Igreja de Santo Antônio, cujos dizeres eram: “Congresso da Mocidade Católica, de 9 a 16 de setembro. Inscrições nesta praça, prédio tal, número tal”. Pela natureza do anúncio, percebi tratar-se de um congresso de juventude masculina. Fiquei encantadíssimo! “Quem sabe — pensei — existe aí um lugar onde eu me encaixe e escape dessa pressão em que vivo?”

A notícia daquele congresso abria para mim um tão imenso horizonte, que meu primeiro movimento foi de descer e já fazer minha inscrição. Porém, era início de noite e todos os escritórios estavam fechados. Restava-me apenas esperar o dia seguinte, quando então me apresentei no local indicado, inscrevi-me e recebi uma medalha para ser usada durante o evento.

Tal era meu entusiasmo que, na manhã do primeiro dia de reu­niões, ao tomar o bonde em direção à Igreja de São Bento, local do congresso, logo que me sentei coloquei a medalha, ostentando-a com ufania por todo o trajeto. Ao entrar na igreja dos beneditinos fiquei verdadeiramente espantado com o número de moços católicos ali reunidos, muito superior ao que eu tinha imaginado. De fato, acabei descobrindo que num setor de São Paulo, estranho aos meus círculos sociais, havia em formação um grande movimento de jovens católicos, praticantes, castos, direitos, sinceros devotos de Nossa Senhora. E eram algumas centenas.

Na presidência do congresso estava o Arcebispo de São Paulo, Dom Duarte Leopoldo e Silva, homem bastante cônscio de sua condição de Príncipe da Igreja. Ao lado dele, todos os Bispos do Estado de São Paulo, com seus trajes eclesiásticos de gala, cercados do grande respeito devido à sua alta dignidade. Um coral de vozes masculinas entoava canções de ótimo cunho religioso, como, por exemplo, esta de que ainda me recordo:

Mocidade brilhante e sadia,

Sai da inércia em que estás.

Renuncia à inação criminosa.

De pé! De pé!

Deu a voz de comando Pio XI,

Carrilhonam os sinos de bronze

E descem do alto seus brados de fé!

Rapidamente, tornei-me muito conhecido nos meios religiosos, e passei a ser visto e tomado como um líder católico

Fotos: Arquivo revista
Fotos: Arquivo revista

Este hino, utilizado pelas Congregações Marianas, era cantado com um ardor que bem exprimia o vôo do espírito e do entusiasmo da mocidade católica por todo o território brasileiro. Compreendi, então, que dali podia sair um movimento católico conforme ao meu ideal. Sobretudo, percebi que a partir do momento que eu pudesse alegar, nos ambientes por mim freqüentados, a existência de inúmeros jovens católicos, e mostrar fotografias da Igreja de São Bento repleta deles, estaria quebrada a pressão em torno de mim.

Fotos: Arquivo revista

Fotos: Arquivo revista
Acima e abaixo, Dr. Plinio em ocasiões distintas de sua frutuosa atuação como líder católico

Verdade é que a grande maioria daqueles moços pertencia a um ambiente social mais modesto que o meu. Porém, praticavam a pureza e eu poderia viver no meio deles, tentando pôr em marcha a ação contra-revolucionária.

Resultado de tudo isso: no domingo seguinte ao congresso eu me alistava como membro da Congregação Mariana de Santa Cecília. Tinha início minha dedicação mais efetiva e completa ao serviço da Santa Igreja.

Como costuma acontecer em movimentos desse tipo, os mais fervorosos se destacam e passam a ocupar posições de liderança. Assim sucedeu que, tendo eu me tornado congregado mariano com todo o ardor de minha alma, a generosidade dos que comigo lutavam impeliu-me para situações de realce — sem que nenhuma vez eu as tenha procurado ou disputado. Ademais, tinha eu certa facilidade de me exprimir em público, fazer discursos, etc., e isso trazia como conseqüên­cia reiterados convites para falar. Rapidamente, tornei-me muito conhecido nos meios religiosos, e passei a ser visto e tomado como um líder católico.

Foi uma ascensão rápida e profícua, sem dúvida por misericórdia e amparo especiais da Santíssima Virgem.

Católico praticante

Interessante notar que, quando as pessoas de meu círculo social perceberam emergir do chão um vigoroso movimento de jovens católicos, pouco noticiado pelos jornais, mas do qual lhes dava conhecimento em nossas conversas, ficavam admiradas. E eu com muita ufania contava:

— Sabem, fui a um Congresso Eucarístico em Taubaté, e ali havia um colossal desfile de moços. Amanhã farei uma conferência no Pari. Convidaram-me também para dar uma palestra no Belenzinho, e em ambos os locais (eu insistia sempre neste ponto) há pujantes Congregações Marianas, com muitos moços católicos…

Cientes de minha retidão moral, essas pessoas se davam conta da veracidade de meus comentários e entendiam bem o significado dos termos “moços católicos”. Lembro-me de que, por ocasião de um feriado, reuniu-se uma roda de parentes e amigos em minha casa. Em certo momento, levanto-me e digo: “Com licença, vou agora a um auditório do Pari”. Minhas palavras causaram não pequena surpresa, porque o Pari era um bairro desconhecido para eles, no qual nunca haviam posto o pé. Eu ainda completei: “Vou fazer uma conferência lá…”

Minha nova conduta e atividades eram notadas, sobretudo, não tanto por meus parentes — os quais, afinal, tinham comigo a intimidade da vida de família — mas pelos conhecidos, colegas de faculdade ou do tempo do Colégio São Luís. Estes, por exemplo, me viam surpresos entrar na igreja junto com os congregados marianos que, com raras exceções, pertenciam em geral a classes mais modestas. Eu com o distintivo, uma fita azul, cantando no meio dos congregados, dirigindo-me aos bancos reservados a eles.

Atitudes dessas tornaram notório em pouco tempo, para a sociedade de São Paulo, que eu tinha mudado de vida e me encontrava encaixado em outro ambiente.

Na política, em defesa da Igreja

Passada a Revolução Constitucionalista de 1932, teriam lugar as eleições para uma nova Assembléia Nacional Constituinte. A hierarquia eclesiástica estava interessada na aprovação de leis segundo a doutrina católica, e por isso resolveu formar um organismo capaz de eleger deputados que trabalhassem pelos objetivos da Igreja. Surgiram então as Ligas Eleitorais Católicas (LECs), em diversas dioceses do País.

Era uma vitória estrondosa, tendo sido o candidato mais votado

Fotos: Arquivo revista

Fotos: Arquivo revista
Reunião de fundação da LEC de São Paulo: Dr. Plinio é o segundo da esquerda para a direita; na página 43, o jovem deputado Plinio Corrêa de Oliveira

Fui convidado pelo Arcebispo de São Paulo, Dom Duarte Leopoldo e Silva, para ser o Secretário-Geral da LEC paulista e, além disso, um dos quatro candidatos da Liga a disputarem as eleições, integrando a Chapa Única por São Paulo Unido. Eu pensei: “Estou disposto a combater pela Causa Católica. Se eu não for, serei acaso substituído por outro que queira lutar tanto quanto eu? Não sei. Por via das dúvidas, topo a parada!” Disse que aceitava a indicação, e logo foi feita uma comunicação à imprensa de que eu e mais três outros éramos candidatos.

Vieram as eleições. Começa a contagem dos votos, e por todo o lado meu nome vai aparecendo em boa quantidade. Para santificar minha alma e estar completamente desapegado do meu cargo, caso fosse eleito, decidi não acompanhar as apurações. Mas minha irmã as conferia dia a dia. Quando, de manhã, eu entrava para tomar café, ela habitualmente estava ali, e me contava as últimas. Eu a ouvia com certa frieza.

Numa manhã, cumprimentei-a: “Como vai você?” Ela não me respondeu. Fez uma reverência diante de mim, como se faria numa corte, e disse:

— Senhor Deputado, meus parabéns!

Tomando como um gracejo, sentei-me e quis começar a falar de outro assunto. Ela insistiu:

— Senhor Deputado, meus parabéns! Você não prestou atenção?

— Mas, o que há?

— Hoje você foi proclamado eleito!

Era uma vitória estrondosa que se confirmava, pois eu havia obtido o dobro de votos do afamado Alcântara Machado, candidato que ficou em segundo lugar.

Diante de mim se abria o caminho das lides parlamentares, nas quais trabalharia com empenho para fazer prevalecer os interesses da Igreja. Graças a Deus e o socorro de Maria Santíssima, haveríamos de conquistar todos os nossos objetivos.

Apesar de saber que o eleitorado católico era enorme, não tinha eu idéia da parcela de sufrágios que os outros três candidatos da LEC levariam consigo. Nenhum deles me procurou, nenhum me pediu um voto. Julguei que estavam muito seguros com a sua votação. Mas eu, candidato novo, considerando-me o mais fraco de todos, lancei-me de corpo e alma à campanha.

No dia das eleições, bem cedo já me encontrava na Liga, porque eu tinha a responsabilidade de mandar cédulas dos nossos quatro candidatos para todas as urnas de São Paulo. Esse serviço de distribuição havia sido muito bem organizado. Um primo meu trabalhara como mesário numa seção, e na hora do almoço, em sua casa, contou ao pai dele:

— O Plinio está fazendo uma devastação! Eu estou na seção da letra “M”, e tudo quanto é Maria está inscrita lá, e elas só querem votar nele. Quando acabam as cédulas dele, ficam na cabine até eu mandar pegar mais no depósito. Todas as Marias votaram no Plinio.

Era 31 de maio. Terminado o trabalho eleitoral, fui calmamente jantar em casa, e depois me entreguei aos exercícios de devoção em louvor a Nossa Senhora, cujo mês chegava ao fim.

Começa a contagem dos votos, e por todo o lado meu nome vai aparecendo em boa quantidade. Para santificar minha alma e estar completamente desapegado do meu cargo, caso fosse eleito, decidi não acompanhar as apurações. Mas minha irmã as conferia dia a dia. Quando, de manhã, eu entrava para tomar café, ela habitualmente estava ali, e me contava as últimas. Eu a ouvia com certa frieza.

Numa manhã, cumprimentei-a: “Como vai você?” Ela não me respondeu. Fez uma reverência diante de mim, como se faria assim na corte, e disse:

— Senhor Deputado, meus parabéns!

Levando na brincadeira, sentei-me e quis começar a falar de outro assunto. Ela insistiu:

— Senhor Deputado, meus parabéns! Você não prestou atenção?

— Mas, o que há?

— Hoje você foi proclamado eleito!

Era uma vitória estrondosa que se confirmava, pois eu havia obtido o dobro de votos do afamado Alcântara Machado, candidato que ficou em segundo lugar.

Diante de mim se abria o caminho das lides parlamentares, nas quais trabalharia com empenho para fazer prevalecer os interesses da Igreja, e, graças a Deus e o socorro de Maria Santíssima, haveríamos de conquistar todos os nossos objetivos.

Meu prestígio de líder católico aumentara, e fizemos do ‘Legionário’ um órgão de grande influência

Fotos: Arquivo revista
Dr. Plinio discursa em duas solenidades católicas; na página 44, ele e seus colegas de redação do “Legionário” junto com o Arcebispo Dom Duarte Leopoldo e Silva

Fotos: Arquivo revista
Fotos: Arquivo revista

Influente apostolado através da imprensa escrita

Terminado o meu mandato na Assembléia, pediram-me que assumisse a direção efetiva do “Legionário”, órgão oficioso da Arquidiocese de São Paulo. Embora não rendesse nada do ponto de vista financeiro, notei que era um meio de apostolado promissor, podendo vir a ser excelente, desde que eu tivesse uma boa equipe de redatores, e utilizasse convenientemente o jornal em ordem aos objetivos católicos para os quais orientava meus esforços. Meus dias eram, portanto, divididos entre minhas aulas, o escritório de advocacia e a chefia do “Legionário”, dedicando uma parte para cultivar meus amigos congregados e ao relacionamento com o movimento mariano em geral.

Curiosamente, após encerrar a carreira política, meu prestígio de líder católico aumentara, em vez de fenecer. Continuei a ser muito convidado para numerosos discursos e conferências no meio católico, sobretudo por parte de bispos. Convites aos quais nunca recusava: comparecia, discursava, conversava à vontade e atendia-os como quisessem.

Ao cabo de algum tempo, consegui que o “Legionário” se transformasse num semanário, tendente a ser diário, que era meu objetivo. Essa completa reformulação tinha em vista fazer dele o primeiro jornal católico do Brasil, o que, pela misericordiosa proteção de Nossa Senhora, alcançamos. Dentro em breve, passou a pesar na vida interna dos católicos do Rio, de Minas, de Porto Alegre, de Recife. Ele repercutia até fora de nossas fronteiras, em Montevidéu, Buenos Aires, um pouco em Santiago do Chile, até mesmo na Europa e, mais raramente, nos Estados Unidos.

O “Legionário” tornara-se, assim, um meio de nosso ambiente e de nossas idéias exercerem larga influência. Era onde queríamos chegar. Realizamos o projeto de abrir todas as janelas e portas, fazendo entrar largamente os ventos dos assuntos nacionais e internacionais, dos altos problemas culturais, filosóficos, teológicos, etc. E, de fato, isto trouxe uma vida e um movimento extraordinários para os círculos católicos.

Importa salientar que as opiniões publicadas no “Legionário” não eram outras senão as do Papado. Se procurava analisar implacavelmente os acontecimentos, sempre o fazia do ponto de vista dos discursos e das instruções do Sumo Pontífice.

Como advogado, ao mesmo tempo em que cuidava dos negócios da Ordem do Carmo, nossas amizades no convento carmelita de São Paulo favoreceram inclusive a continuidade de nosso apostolado no final da década de 40 e na de 50.

Dr. Plinio com o hábito da Ordem Terceira do Carmo

Acabei sendo eleito prior da Ordem Terceira do Carmo. Os carmelitas têm três ramos: o primeiro, constituído pelos padres; o segundo, das freiras; e o terceiro, composto por leigos. Mas os membros deste último pertencem verdadeiramente à Ordem do Carmo, são filhos de Santo Elias. Tornar-me terceiro carmelitano realizava um antigo desejo, pois toda a vida tive vontade de pertencer a esta instituição religiosa, pela qual sentia grande afinidade.

Levei para ela os amigos que pude. E um dos mais belos atos a que nos entregávamos era a adoração noturna mensal que se fazia na Basílica do Carmo. Entrávamos na igreja revestidos de hábito, em cortejo e cantando. O Santíssimo Sacramento era exposto e ficávamos rezando das 21hs até meia-noite, quando era dada a Bênção do Santíssimo.

Durante muitos anos, a Ordem do Carmo acabou sendo, portanto, não apenas cliente distinta do meu escritório de advocacia, mas permitiu-me um modo de continuar a militância católica, propiciando-me um inestimável instrumento de apostolado.

Que olhar! Nenhum é tão límpido, tão franco, tão puro, tão acolhedor. Em nenhum se penetra com tal facilidade. Contudo, nenhum também apresenta profundidades que se perdem em tão longínquo horizonte. Quanto mais dentro desse olhar se caminha, tanto mais ele atrai para um indescritível ápice interior e profundo. (…)

P. Miguel
Em 9 de agosto de 1968 iniciava Dr. Plinio sua colaboração no jornal Folha de S. Paulo, um dos maiores diários do Brasil. Em seus artigos transparecia sempre o cunho característico de escritor católico, com sua elevada e atraente linguagem ao tratar dos mais variados assuntos. Por exemplo, nas belas passagens aqui transcritas — estampadas em 12 de novembro de 1976 — descreve ele a fisionomia e o olhar da Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima, que vertera lágrimas em Nova Orleans, nos Estados Unidos.
Arquivo revista
Acima de tudo, para Dr. Plinio, as páginas da Folha constituíam mais uma tribuna que, em sua extensa trajetória de homem público, tinha à sua disposição para difundir seu pensamento essencialmente católico e fiel à Cátedra Romana.

Pode alguém passar a vida inteira caminhando dentro desse olhar, sem jamais tocar nesse vértice. Caminhada inútil? Não. Dentro desse olhar não se anda; voa-se. Não se passeia; faz-se peregrinação…

III – Perene amor à Igreja e ao Papado

Toda a influência que Nossa Senhora permitiu que eu tivesse nos meios católicos, tudo o que Ela me auxiliou a empreender e a realizar pela Santa Igreja ao longo de minha vida, deveu-se em ponderável medida ao fato de que, desde o início de meu esforço em prol da Religião, já era eu partidário convicto de uma catolicidade total. Ou seja, para mim, um catolicismo de meia tinta não teria força nem expressão diante da impiedade contemporânea.

Na incondicional fidelidade à Cátedra de Pedro encontra-se a substância do catolicismo

Fotos: Arquivo revista / R. C. Branco
Dr. Plinio aos 80 anos; ao fundo, a Basílica do Vaticano

Convicto estava eu, também, de que só se é católico no vigor do termo quando absolutamente fiel à Cátedra de Pedro, pois nessa incondicional fidelidade encontra-se a substância do catolicismo.

Profundamente convicto, enfim, de que a Igreja é a coluna do mundo, da ordem temporal, da ordem civil e da ordem moral. E de que, portanto, somente da doutrina, dos mandamentos e dos ensinamentos dela poderia decorrer a solução da crise social, política e moral em que vai soçobrando a humanidade.

Como se fosse uma imensa alma

Quando esta convicção se estabeleceu no meu espírito, quando compreendi que na Santa Igreja todas as coisas se imbricam de modo tão lógico e perfeito que só ela é a única verdadeira, então meu ato de fé se explicitou em toda a sua extensão: “Creio na Santa Igreja Católica Apostólica Romana!”

Daí brotou, igualmente, um ato de amor que não faria senão crescer e se intensificar: “Eu a quero, porque fora dela nada possui autêntico valor.”

Lembro-me de mim pequenino na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, ouvindo um sussurro de beatas que rezavam o terço. Olhava para elas, e percebia a severidade com que se apresentavam. Roupas tão surradas que não tinham idade. Faces tão sofridas, que também já não tinham idade. Nas faces, nenhuma beleza. Nas roupas, nenhum gosto. Mas… faziam-me sentir algo completamente diferente de minhas sensações habituais. “Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém”. Em seguida, uma voz mais fina: “Glória ao Padre, ao Filho e ao Espírito Santo”. E o coro: “Assim como era no princípio, agora e sempre pelos séculos dos séculos. Amém.”

Eu tinha a impressão de que outras cordas de minha alma tocavam intensamente!

Era uma espécie de cantiga de ninar. “Como isso nos embala! Ouçamos. Há aqui qualquer coisa de uma doçura aveludada de alma. Há algo de uma retidão entristecida, envelhecida, mas que nada conseguiu macular. Algo de vida espiritual e de vida humana, muito mais valioso que cem canções bonitas que ouvi.”

Eu tinha a impressão de que outras cordas de minha alma tocavam, intensamente. E pensava: “Isto é assim, e assim deve ser!”

Considerando todos esses aspectos da Igreja,vinha-me ao espírito essa idéia curiosa a seu respeito: “Ela não parece uma instituição, mas uma alma imensa, que se exprime através de mil coisas, que tem movimentos, grandezas, santidades e perfeições, como se fosse uma só alma que se exprimiu através de todas as igrejas católicas do mundo, de todas as imagens, de todas as liturgias, de todos os toques de órgão, de todos os dobrares de sino…

“Essa alma chorou nos réquiens; ela se alegrou com os bimbalhares dos sábados de aleluia e das noites de Natal. Ela chora comigo, alegra-se comigo. Eu mais vejo na Igreja uma alma do que uma instituição. Como eu gosto dessa alma! E eu me situo de tal modo em relação a ela, que minha própria alma parece uma pequena ressonância, uma minúscula repetição dela, algo no qual essa alma entra e vive inteira, como dentro de um templo material. De maneira tal que tudo quanto gosto é como aquilo, e aquilo é como tudo de que eu gosto. Essa alma (quer dizer, a Igreja) é o ideal de minha vida. Para isso quero viver, e assim eu quero ser.”

“Não é com meu entusiasmo dos tempos de jovem, que eu me coloco hoje ante a Santa Sé. É com um entusiasmo ainda maior, e muito maior. Pois à medida que vou vivendo, pensando e ganhando experiência, vou compreendendo e amando mais o Papa e o Papado. (…) Lembro-me ainda das aulas de catecismo em que me explicaram o Papado, sua instituição divina, seus poderes, sua missão. Meu coração de menino (eu tinha então 9 anos) se encheu de admiração, de enlevo, de entusiasmo: eu encontrara o ideal a que me dedicaria por toda a vida. De lá para cá, o amor a esse ideal não tem senão crescido. E peço aqui, a Nossa Senhora, que o faça crescer mais e mais em mim, até o meu último alento. Quero que o derradeiro ato de meu intelecto seja um ato de Fé no Papado. Que meu último ato de amor seja um ato de amor ao Papado. Pois assim morrerei na paz dos eleitos, bem unido a Maria minha Mãe, e por Ela a Jesus, meu Deus, meu Rei e meu Redentor boníssimo.”

Arquivo revista

J. S. Dias
Dr. Plinio no fim da década de 70; na página 50, ele com 8 anos

O que escrevi nesse artigo para a “Folha de S. Paulo” 3, peço a Nossa Senhora, de todo o coração, torná-lo absolutamente real: que o meu último ato de intelecção seja um ato de compreensão e veneração ao Papado, e meu último ato de amor seja um ato de amor ao Papado.

O Papa… Ao pronunciar essa palavra augusta, parece-me ouvir, saída do fundo dos séculos, a voz de Nosso Senhor Jesus Cristo, proclamando: “Pedro, tu és pedra, e sobre esta pedra Eu edificarei a minha Igreja, e as portas do Inferno não prevalecerão contra ela”.

Contínuo olhar para a Igreja

Muitos me viram nos momentos de maior aflição, como me viram também nos momentos que poderiam ser chamados de triunfo. Viram-me nas mais variadas circunstâncias da vida quotidiana. Porém, nunca me viram — nem no dia da morte de minha mãe — tão emocionado como no momento em que se comemora o meu batismo4. Inesperadamente para mim, e a despeito de minha placidez habitual, essa emoção me tomou por inteiro quando fui chamado de varão católico apostólico romano… Porque é o que desejo ser: um filho da Igreja!

[Neste trecho de sua exposição, Dr. Plinio se emociona e, mais de uma vez, embarga a voz.]

Nesta festa de comunicação de almas, em que os senhores agradecem a Nossa Senhora o dom, que eu amo desmedidamente, de pertencer à Igreja, eu desejaria que os senhores quisessem a Igreja Católica como eu a quero. A vários neste auditório eu conheço há trinta, talvez cinqüenta anos. A eles todos, continuamente, não tenho feito outra coisa senão dizer: amai a Santa Igreja Católica Apostólica e Romana, aquela Igreja a quem amo tanto, que fico até impossibilitado de falar sobre Ela. Simplesmente ao lhe pronunciar o nome, já sou incapaz de dizer o mundo de elogios e de amor que em minha alma existe.

A atitude de meu coração em todos os dias, em todos os minutos, em todos os instantes, é procurar com os olhos a Igreja Católica e estar imbuído do espírito d’Ela. E se Ela for abandonada por todos os homens, na medida em que isto seja possível, sem que Ela deixe de existir, tê-la inteira dentro de mim. Viver só para Ela, de tal maneira que eu possa dizer, ao morrer: “Realmente, fui um varão católico apostólico romano!”

“O sol de minha existência”

Com a graça de Nossa Senhora, posso afirmar que não há um só instante de minha vida — e por instante entendo fragmento de minuto — em que meu amor à Igreja Católica seja menor do que neste momento em que lhes dirijo a palavra.

Como poderia este amor ser como é, sem que eu visse a Igreja de um determinado modo? Aquilo que se ama, ama-se porque se viu. Ama-se, porque se compreendeu. Ama-se, enfim, porque se aderiu de toda a alma. Ama-se de um modo tal que a palavra aderir é fraca. Entranhou-se! Deixou-se penetrar! Estabeleceu um conúbio de alma, tanto quanto a fraqueza humana permite, indissolúvel e completo, para a vida e para a morte, para o tempo e para a eternidade. Essa é a nossa pertencença à Igreja Católica.

Viver só para a Igreja; de modo que possa dizer, ao morrer: realmente fui um varão católico apostólico romano!

S. Miyazaki
Dr. Plinio na década de 80

Enquanto Ela existir na Terra, a minha vida tem razão de ser. Se algum dia Ela tivesse de morrer, eu [devotaria] a Ela um amor que participa de algum modo da adoração. Mas, quando eu a visse morrendo, quereria que Deus me levasse, porque minha vida nada mais valeria. Os meus ossos se desligariam, todo o meu ser se desarticularia, porque o sol dele não estaria mais presente: a Santa Igreja Católica Apostólica Romana.

1) Termo criado por Dr. Plinio para significar que, acima das realidades visíveis, existem as invisíveis. As primeiras constituem a esfera, ou seja, o universo material. E as invisíveis, a transesfera.

2) Em alemão, “senhorita”. Palavra empregada para designar a governante de crianças e adolescentes.

3) “A perfeita alegria”, Folha de S. Paulo, 12 de julho de 1970.

4) Era um 7 de junho, dia em que Dr. Plinio recebeu o sacramento do Batismo. Ele se dirigia a um auditório repleto de discípulos seus que lhe prestaram filial homenagem pela data.