Em 12 de dezembro a Igreja celebra, na América Latina, a festa de Nossa Senhora de Guadalupe. A Mãe de Deus apareceu no cerro de Tepeyac (atualmente encravado na cidade de México) ao índio João Diego, recentemente canonizado, e deixou como penhor do seu amor pelo Novo Continente o milagre que até hoje é admirado no Santuário de Guadalupe: a bela figura da Santíssima Virgem estampada no manto do vidente. Ao considerar as maravilhas e prodígios envoltos nessa aparição, Dr. Plinio deita confiante olhar no glorioso futuro que a Providência reserva ao povo latino-americano.
No século XVI, Nossa Senhora apareceu em Tepeyac, no México, ao índio João Diego. A Virgem o tratou com bondade e ternura especiais, como não se percebe em outras aparições d’Ela, mesmo nas de Fátima onde Maria Santíssima entretanto se manifesta tão solícita e misericordiosa.
A “menina dos olhos” de Nossa Senhora
A liberdade desse indígena para com a Mãe de Deus era tão grande que, em vez de chamá-la, por exemplo, “minha Rainha”, dizia-Lhe “minha Filhinha”. Hábito realmente contrário ao protocolo, mas aceito com tanta benevolência por Nossa Senhora que, séculos depois, a partir dos avanços da tecnologia, constatar-se-ia numa fotografia da imagem que a figura do índio se acha impressa na pupila dos olhos da Virgem. O objeto daquele singular carinho de Maria estava assim imortalizado.
Como se sabe, em português, quando se diz de alguém ser “a menina dos meus olhos”, significa estar ele no ponto mais sensível e central de minha atenção e consideração, de meu afeto. Ora, esse simbolismo realizou-se, ao pé da letra, na visão de Nossa Senhora de Guadalupe.
As aparições de Nossa Senhora de Guadalupe
Em 9 de dezembro de 1531, João Diego estava nos arredores da colina Tepeyac, perto da atual Cidade do México, quando, de súbito, ouviu uma música suave e melodiosa que, pouco a pouco, foi se extinguindo. Nesse momento escutou uma lindíssima voz que, no seu idioma nativo, o chamava pelo nome. Era Nossa Senhora de Guadalupe.
Depois de cumprimentá-lo com muito carinho e afeto, Ela lhe dirigiu estas palavras cheias de bondade: “Porque sou verdadeiramente vossa Mãe compassiva, desejo muito que construam aqui para mim um templo, para nele Eu mostrar e dar todo o meu amor, minha compaixão, meu auxílio e minha salvação a ti, a todos os outros moradores desta terra e aos demais que me amam, me invoquem e em mim confiem. Neste lugar quero ouvir seus lamentos, remediar todas as suas misérias, sofrimentos e dores.”
Em seguida, Nossa Senhora pediu a João Diego que fosse ao Palácio do Bispo do México, e lhe comunicasse que Ela o enviava e solicitava a construção do templo.
O prelado não deu crédito às narrações do índio, tanto na primeira como na segunda aparição da Santíssima Virgem a João Diego. Era necessário um “sinal”, para demonstrar que se tratava realmente da Rainha do Céu. Pela terceira vez a Mãe de Deus se fez visível ao indígena e, radiante de doçura, aceitou sem a menor dificuldade conceder-lhe o sinal pedido.
Ordenou-lhe subir à colina de Tepeyac e cortar as flores que ali encontrasse. Esse encargo era impossível, uma vez que lá nunca nasciam flores, e menos ainda no inverno, estação em que se achavam. Mas Diego não duvidou. Subiu a colina e no seu cume encontrou as mais belas e variadas rosas, todas perfumadas e cheias de gotas de orvalho como se fossem pérolas. Cortou-as e guardou-as em sua tilma (o poncho típico dos índios mexicanos). Ao chegar embaixo, Diego apresentou as flores a Nossa Senhora, que as tocou com suas mãos celestiais e voltou a colocá-las na tilma, dizendo ao índio: “Filhinho meu, esta variedade de flores é a prova e sinal que levarás ao bispo. Tu és meu embaixador no qual absolutamente deposito toda confiança. Com firmeza te ordeno que diante do bispo abras tua manta e mostres o que levas.”
E Diego assim o fez. Ao abrir a tilma diante do bispo, caíram as mais preciosas e perfumadas flores e, no mesmo instante, estampou-se no tecido a portentosa imagem da Santíssima Mãe de Deus, que se venera até hoje no Santuário de Guadalupe.
“De súbito, ouviu uma música suave e melodiosa; em seguida, uma lindíssima voz o chamou pelo nome…”
Em 1951, o desenhista José Salinas Chávez examinou com uma lupa o olho da imagem milagrosa e confirmou a existência da figura de um homem estampada no olho direito da Virgem de Guadalupe
O fato de Nossa Senhora ter se manifestado tão extremamente carinhosa e benigna em relação a esse indígena latino-americano foi uma forma de exprimir um particular desvelo em relação ao continente ao qual ele pertencia. Sim, pois não é exagero pensar que aos olhos d’Ela, João Diego representava toda a América Latina. E cada um de nós, simbolizado por esse índio, estava espelhado nos olhos de Maria. Idéia esta que não encerra nenhum disparate, posto ter a Santa Sé declarado Nossa Senhora de Guadalupe como Padroeira da América Latina.
Milagre confirmado pela técnica moderna
É interessante salientar, uma vez mais, que o milagre dessa estampa foi confirmado pela técnica moderna, mediante ampliações fotográficas, etc., conforme noticiou certa vez um importante diário carioca:
Após oito anos de intensas pesquisas, uma comissão de oculistas, químicos, optometristas e desenhistas mexicanos confirmou que os olhos da imagem da Virgem de Guadalupe refletem a fisionomia de Juan Diego, o índio a quem a Senhora apareceu quatro vezes. A comissão declarou que se trata “de figura de um busto de um homem simetricamente colocado (isto é, em cada retina ) e que corresponde ao reflexo da córnea de acordo com as leis da ótica”.
Quer dizer, se olho para algo, de acordo com as leis da ótica este algo se reflete em minha retina. Continua a notícia:
O desenhista Salinas Chaves, que fez a descoberta em 1951 quando examinava fotografias ampliadas do rosto da imagem, propôs que Juan Diego fosse canonizado1. A imagem recebe anualmente a visita de mais de três milhões de fiéis2.
É deveras bonito que, com o auxílio de aparelhos modernos e empregando-se conhecimentos científicos atuais, fique provado que uma pintura dessa natureza não foi produzida por meios humanos. Isto demonstra a intervenção do fator sobrenatural e nos deixa maravilhados. É uma confirmação insuspeita do milagre.
Uma imensa família de nações católicas
Posta essa extraordinária constatação, devemos nos voltar de modo especial para Nossa Senhora de Guadalupe como Padroeira da América Latina.
No noticiário internacional de nossos dias fala-se muito do bloco latino-americano como um todo, vincando-se a idéia de que este constitui uma imensa família de nações, no sentido católico da palavra. Um bloco, diga-se, e o esperamos ardentemente, que ainda há de ser esculpido pela Providência para se tornar uma das obras-primas da História.
Ora, essa unidade da América Latina se viu corroborada justamente pelo fato de ter uma Padroeira sob a invocação de Nossa Senhora de Guadalupe, e a coesão desse todo é tão real que, nos domínios de Maria Santíssima, constitui um feudo à parte, sobre o qual Ela deposita particulares desígnios.
Missão de levar ao píncaro a cultura católica
Importa reconhecer que a América Latina representa a herança legada pela Europa católica a este século e aos vindouros. O espírito latino, riquíssimo entre as variantes existentes no gênero humano, possui singular aptidão para as coisas mais elevadas — e, portanto, para as verdades da Fé, para o sobrenatural — que o torna um dos elementos mais preciosos da Igreja Católica.
A latinidade conservou relativamente imunes os valores mais nobres da tradição que a formou. Os povos latinos se modernizaram menos que os americanos do norte e os europeus, e nisto consiste, sob algum aspecto, nosso glorioso “subdesenvolvimento”: ou seja, a distância que ainda nos separa das coisas ruins advindas com a modernidade.
Percebe-se, pelo acima considerado, que a Íbero-América tem a missão de levantar e colocar num píncaro o facho da cultura latina católica, inteiramente a serviço da Fé, para brilhar no mundo. Fora disso, ela não tem sentido.
Essa cultura católica está derribada, prostrada, mas revive em nosso continente com todo o viço da juventude e com possibilidades de futuro, conservando e avultando os legados recebidos das expressões culturais incomparáveis da cristandade européia. Somos o renascimento e o reflorescimento desses valores nas zonas protegidas por Nossa Senhora de Guadalupe.
Fervorosa súplica à Virgem de Guadalupe
Assim, devemos ter a alma bem impostada para pedirmos a Ela, no dia em que a celebramos: antes de tudo, que mantenha a América Latina cada vez mais sujeita e unida a ela. E, por isso mesmo, com todos os vínculos que constituem sua coesão ainda mais acentuados. E que esse imenso potencial, no momento apropriado, se levante para servir a Santa Igreja, tornando-se o elemento melhor e mais dinâmico para formar uma nova Civilização Cristã.
Tem-se, na verdade, a impressão de que a América Latina está reservada por Nossa Senhora para ser o imenso território onde a glória do reino d’Ela reluzirá com maior esplendor. Assim, podemos acrescentar essa súplica:
“Menina dos olhos” da Virgem de Guadalupe, a América Latina parece destinada por Nossa Senhora a ser o imenso território onde a glória do reino d’Ela reluzirá com maior esplendor
“Nossa Senhora de Guadalupe, realizai em nós esses desígnios a fim de que, quanto antes, venha sobre nós, para nós, o Reino de Maria. Amém.”
1) O que de fato aconteceu, sendo canonizado pelo Papa João Paulo II em 31 de julho de 2002.
2) Cf. O Globo, de 3/1/1975.