À esquerda, vista do IV Congresso Eucarístico Nacional que reuniu mais de meio milhão de fiéis no centro de São Paulo; acima, Dr. Plinio discursa na sessão de encerramento

Há 65 anos, no encerramento do IV Congresso Eucarístico Nacional, diante de uma multidão poucas vezes vista, Dr. Plinio pronunciava de improviso arrebatador discurso, pontuado por sua esperança num Brasil eminentemente católico, cuja maior glória será a de corresponder por inteiro à grandiosa vocação que lhe foi concedida por Deus. A seguir recordamos, uma vez mais, excertos dessas palavras repassadas de adoração a Nosso Senhor Jesus Cristo, de fervoroso amor ao Papado e à Santa Igreja.

Fotos: Arquivo revista

Produto da cultura latina valorizada e como que transubstanciada pela influência sobrenatural da Igreja, a alma brasileira resulta da transplantação, para novos climas e novos quadros, destes valores eternos e definitivos que, precisamente porque definitivos e eternos, podem ajustar-se a todas as circunstâncias contingentes, sem perderem a identidade substancial consigo mesmos. A perfeita formação da alma brasileira comporta, pois, duas tarefas essenciais: uma que mantenha sempre intactos os fundamentos de nossa civilização cristã e ocidental, e outra que ajuste esses fundamentos às condições peculiares a este hemisfério.

Vastas possibilidades, riquezas inesgotáveis

Nossos maiores executaram com evidente êxito e indomável valentia a primeira parte dessa ingente tarefa. Depois de quatrocentos anos de luta, de trabalho, aqui floresce este Brasil que é para a civilização ocidental um motivo de esperança, e para a Santa Igreja de Deus uma causa de júbilo. Mas esse esforço de conservação, que ainda é e continuará a ser sempre necessário, foi até aqui tão observante que relegou para o segundo plano o problema da adaptação.

Esmagava-nos a desproporção entre nossos recursos materiais que do seio da terra desafiavam nossa capacidade de produção, e a insuficiência de nossos braços, de nosso dinheiro e de nossas energias para os explorar. A terra brasileira se apresentava cheia de possibilidades fabulosamente vastas, de riquezas inesgotavelmente fecundas, que se adivinhavam e se sentiam mesmo antes de qualquer demonstração técnica e científica. E o mesmo se poderia dizer de nossa história, toda tecida até aqui de acontecimentos políticos de alcance meramente continental e transcorrida quase toda ela em um tempo em que não estava na América o centro de gravidade do mundo. (…)

“Deus destinou para teatro de grandes feitos esse país cujas montanhas trágicas e misteriosas penedias parecem convidar o homem às supremas afoitezas do heroísmo cristão, cujas verdejantes planícies parecem querer inspirar o surto de novas escolas artísticas e literárias, de novas formas e tipos de beleza”

Fotos: P. Veas / Arquivo revista
Panorama visto do alto do Pico da Bandeira – Minas Gerais; Dr. Plinio discursa no encerramento do IV Congresso Eucarístico

Fotos: P. Veas / Arquivo revista

Promessa de um glorioso porvir

Essa predestinação se afirma na própria configuração de nossos panoramas. Talvez não fosse ousado afirmar que Deus colocou os povos de sua eleição em panoramas adequados à realização dos grandes destinos a que os chama. E não há quem, viajando por nosso Brasil, não experimente a confusa impressão de que Deus destinou para teatro de grandes feitos esse país cujas montanhas trágicas e misteriosas penedias parecem convidar o homem às supremas afoitezas do heroísmo cristão, cujas verdejantes planícies parecem querer inspirar o surto de novas escolas artísticas e literárias, de novas formas e tipos de beleza, e na orla de cujo litoral os mares parecem cantar a glória futura de um dos maiores povos da Terra.

Quando nosso poeta cantava que “nossa terra tem palmeiras onde canta o sabiá, e as aves que aqui gorjeiam não gorjeiam como lá”, percebeu talvez, confusamente, que a Providência depositou na natureza brasileira a promessa de um porvir igual ao dos maiores povos da Terra.

“Gesta Dei per brasilienses”

E hoje, quando o Brasil emerge de sua adolescência para a maturidade, e titubeia nas mãos da velha Europa o cetro da cultura cristã que o totalitarismo quereria destruir1, aos olhos de todos se patenteia que os países católicos da América são na realidade o grande celeiro da Igreja e da civilização, o terreno fecundo onde poderão reflorir com brilho maior do que nunca as plantas que a barbárie devasta no velho mundo. A América inteira é uma constelação de povos irmãos. Nessa constelação, inútil é dizer que as dimensões materiais do Brasil não são senão uma figura da magnitude de seu papel providencial.

Tempo houve em que a História do mundo se pôde intitular Gesta Dei per Francos2. Dia virá, em que se escreverá Gesta Dei per Brasilienses.

A missão providencial do Brasil consiste em crescer dentro de suas próprias fronteiras, em desdobrar aqui os esplendores de uma civilização genuinamente católica, apostólica e romana, e em iluminar amorosamente todo o mundo com o facho desta grande luz, que será verdadeiramente o Lumen Christi que a Igreja irradia. Nossa índole meiga e hospitaleira, a pluralidade das raças dos que aqui vivem em fraternal harmonia, o concurso providencial dos imigrantes que tão intimamente se inseriram na vida nacional, e mais do que tudo as normas do Santo Evangelho, jamais farão de nossos anseios de grandeza um pretexto para jacobinismos tacanhos, para racismos estultos, para imperialismos criminosos. Se algum dia o Brasil for grande, sê-lo-á para bem do mundo inteiro: “Sejam entre vós os que governam como os que obedecem”, diz o Redentor. O Brasil não será grande pela conquista, mas pela Fé; não será rico pelo dinheiro tanto quanto pela generosidade. Realmente, se soubermos ser fiéis à Roma dos Papas, poderá nossa cidade ser uma nova Jerusalém, de beleza perfeita, honra, glória e gáudio do mundo inteiro. (…)

Cooperação entre o espiritual e o temporal: segredo de nosso progresso

“Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”. Explorai, senhores do Poder Temporal, as riquezas de nossa terra, estruturai segundo as máximas da Igreja, que são a essência da civilização cristã, todas as nossas instituições civis. Auxiliai quanto em vós estiver, a Santa Igreja de Deus a que plasme a alma nacional na vida da graça, para a glória do Céu. Fazei do Brasil uma Pátria próspera, organizada e pujante, enquanto a Igreja fará do povo brasileiro um dos maiores povos da História. Na harmonia desta mesma obra está a predestinação de uma íntima cooperação entre os dois poderes. Deus jamais é tão bem servido, como quando César se porta como seu filho. E, senhores, em nome dos católicos do Brasil eu vo-lo afianço, César jamais é tão grande como quando é filho de Deus.

“Contemplaremos um Brasil imensamente grande, sobre o qual o Cristo do Corcovado, com seus braços abertos, poderá dizer aquilo que é o supremo título de glória de um povo cristão”

Fotos: M. Tanigushi / Arquivo revista
Cristo Redentor – Rio de Janeiro; Dr. Plinio discursa no encerramento do IV Congresso Eucarístico Nacional

Fotos: Arquivo revista

Nessa colaboração está o segredo de nosso progresso, e nela vossa parte é verdadeiramente magnífica.

Trabalhai, Senhores, trabalhai neste sentido. Tereis a cooperação entusiástica de todos os nossos recursos, de todos os nossos corações, de todo o nosso fervor. E quando algum dia Deus vos chamar à vida eterna, tereis a suprema ventura de contemplar um Brasil imensamente grande e profundamente cristão, sobre o qual o Cristo do Corcovado, com seus braços abertos, poderá dizer aquilo que é o supremo título de glória de um povo cristão. Executai o programa de governo que Cristo traçou a todos os homens, e que consiste em procurar antes o reino de Deus e sua Justiça, que todas as coisas lhe serão dadas por acréscimo.

“Bem-aventurado este povo, porque dele é o reino dos Céus”

Em um Brasil imensamente rico, vereis florescer um povo imensamente grande, por que dele se poderá dizer:

Bem-aventurado este povo sóbrio e desapegado do esplendor de sua riqueza, porque dele é o reino dos Céus.

Bem-aventurado este povo generoso e acolhedor, que ama a paz mais do que as riquezas, porque ele possui a Terra.

Bem-aventurado este povo de coração sensível ao amor e às dores do Homem-Deus, às dores e ao amor de seu próximo, porque nisto mesmo encontrará sua consolação.

Bem-aventurado este povo varonil e forte, intrépido e corajoso, faminto e sedento das virtudes heróicas e totais, porque será saciado em seu apetite de santidade e grandeza sobrenatural.

Bem-aventurado este povo misericordioso, porque ele alcançará misericórdia.

Bem-aventurado este povo casto e limpo de coração, bem-aventurada a inviolável pureza de suas famílias cristãs, porque verá Deus.

Bem-aventurado este povo pacífico, de patriotismo limpo de jacobinismos e racismos, porque será chamado filho de Deus.

Bem-aventurado este povo que leva seu amor à Igreja a ponto de lutar e sofrer por Ela, porque dele é o reino dos Céus.

(Transcrito do “Legionário”, nº 525, de 8/9/1942. Subtítulos nossos.)

1) Dr. Plinio pronunciou essas palavras no dia 7 de setembro de 1942, quando as batalhas da Segunda Guerra Mundial — ditadas pela ofensiva nazista — se alastravam por todo o continente europeu.

2) “A gesta de Deus por meio dos francos”. Os francos, ancestrais dos franceses, foram o primeiro povo bárbaro a se converter à fé católica, e se tornaram instrumentos da Igreja para edificar a Cristandade medieval. Donde a expressão gesta Dei per francos, significando que estes, ao exercer seu papel primordial na história cristã, agiam impulsionados por Deus.