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Dr. Plinio diante do milagroso afresco em 25/9/1988

Dr. Plinio passou por grandes provações, chegando inclusive a ter a ideia de que talvez estivesse destruindo aquilo que ele se propunha a defender. Em meio a esses sofrimentos atrozes, crises individuais internas causticavam a sua incipiente Obra e ele adoeceu gravemente. Estando num hospital recuperando-se de uma cirurgia, recebeu, a 16 de dezembro de 1967, insigne graça da Mãe do Bom Conselho de Genazzano.

Ainda na minha infância, a primeira batalha da vida foi contra a moleza. Esta luta me levou a formar em mim, com muito esforço, amparado pela graça obtida por Nossa Senhora, um modo de ser, um feitio de temperamento.

Após duras renúncias, grandes esperanças

Quando rompi com o mundo e entrei para o movimento das Congregações Marianas, ocasião em que, à maneira de algum contemporâneo de Nosso Senhor Jesus Cristo – que vendo passar o Divino Mestre ao longo da estrada deixou tudo para segui-Lo –, assim fiz eu com o estandarte de Nossa Senhora: vi-o passar, deixei tudo e o segui. Por um reflexo curioso do espírito humano, veio-me à mente, sem que eu explicitasse inteiramente, a seguinte ideia: “Agora que venci tudo isso e dei esses passos posso estar seguro, porque nunca me faltarão forças ao longo de minha vida, e por maiores que sejam os obstáculos que apareçam, se venci isso vencerei o resto. Portanto, assim como possuo pernas, braços, cabeça, tenho residindo em mim a virtude da fortaleza.”

Lembro-me perfeitamente de um dia em que eu estava assistindo a uma bênção do Santíssimo Sacramento na Igreja do Coração de Jesus; enquanto rezava, passou-me pela cabeça esta pergunta: “Agora, até onde não voarei depois de feitas essas renúncias? Vamos ver se estou disposto a qualquer coisa.”

Em meio às borrascas interiores, a compreensão do papel da graça

Pouco depois e de um modo um tanto imprevisto, estralaram certas tormentas interiores que eu não conseguia jugular. Graças a Nossa Senhora não pequei, mas eram tão superiores às minhas forças que eu tive de rezar intensamente como nunca fizera em minha vida, porque não havia outra coisa para fazer.

Então fui levado a considerar mais atentamente uma verdade à qual eu nunca tinha dado muita atenção, isto é, tudo quanto dizem os livros de formação religiosa a respeito do papel da graça para o homem enfrentar as dificuldades. Foi quando, caindo em mim, pensei: “É verdade, faltava-me isso… De fato, preciso do auxílio da graça.”

Por fim, aquelas borrascas passaram e eu vivi um período de dois ou três anos de muita consolação e muito bem-estar espiritual. Porém ainda não tinha claro que isso era imprescindível para a vida interior do homem, e necessário também para as suas ações exteriores. Eu julgava que, com uns tais ou quais recursos intelectuais, uma tal ou qual força de vontade e com o auxílio da graça para a minha perseverança pessoal, o resto eu faria. Implicitamente estava a seguinte ideia: “Deus me ponha em ordem, que eu coloco em ordem os outros e acabo fazendo vencer a Contra-Revolução.”

Inspetoria Salesiana de São Paulo
Em destaque, Plinio na Congregação Mariana de Santa Cecília, em meados de 1932. À esquerda, Missa solene no Santuário do Sagrado Coração de Jesus, nos tempos da infância de Dr. Plinio

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Encontro com O Livro da Confiança

Não tardou a começarem a aparecer externamente problemas para os quais eu não tinha remédio, pura e simplesmente não encontrava solução: dificuldades financeiras, de saúde, de relacionamento e liderança no meio católico, enfim, uma chuva de fatos, uns mais perturbadores e constrangedores do que os outros, caindo em cima de mim às torrentes.

Foi quando, por uma circunstância providencial com ares de fortuita, conheci O Livro da Confiança cuja leitura deu-me a esperança de que, à força de confiar, Nossa Senhora também ordenasse aquilo que eu deveria pôr em ordem. Eu não seria senão um instrumento d’Ela, mas a Santíssima Virgem verdadeiramente colocaria em ordem.

Essa ideia aninhou-se no meu espírito, eu a fiz minha, incorporei-a, ao menos espero, em minha mentalidade e meu modo de ser, e toquei para a frente.

Provação mais atroz do que as anteriores

Houve a minha expulsão da direção da Ação Católica, a redução de todo o movimento que eu liderava a um grupo de seis ou sete amigos heroicos, nada mais do que isso, enfim um definhamento completo.

A partir de então outra preocupação se estabeleceu no meu espírito. Pensei: “Eu confiei, rezei e estou certo de que Nossa Senhora quer que a Contra-Revolução vença. Se na força de minha idade a Contra-Revolução está degringolando desta maneira, não é quando eu tiver cinquenta, sessenta anos ou mais que ela vai subir. Ora, se no vigor de meus anos estou recebendo o machado da Revolução em cima de mim, alguma coisa devo ter feito para merecer o castigo de Deus.”

Donde exames de consciência contínuos e implacáveis. Duvido existir um homem que possa dizer com toda a segurança: “Eu sou de tal maneira fiel que estou certo de em nada merecer o castigo de Deus.” Sou um homem, logo estou neste caso.

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Estampa da Mãe do Conselho no quarto de Dr. Plinio

Não sabia como me arranjar, pois, embora viesse este pensamento consolador: “Tenha confiança também na misericórdia de Deus…”, meu raciocínio era: “Sim, eu confio, mas também creio na justiça d’Ele e a adoro especificamente naquilo em que ela tem horror aos meus defeitos; adoro a intransigência divina para com os meus defeitos e não posso me espantar de que Ele desate sua justiça sobre mim. Ademais, não me compete ficar raciocinando sobre isso, pois se Deus está me punindo é porque mereci; se pedi misericórdia e não obtive, foi porque, segundo as medidas da sabedoria d’Ele, não era o caso de dar.”

Assim, novamente se abatia sobre mim uma provação mais atroz do que as anteriores, pois ter a ideia de que talvez eu estivesse destruindo aquilo que me propunha a defender era um sofrimento atroz.

Estava eu em meio a essas provações, num período em que crises individuais internas flagelavam e causticavam a minha incipiente Obra de um modo horroroso, quando adoeci com uma crise de diabetes, provavelmente ocasionada ou agravada pelo pesar que esses casos pessoais me provocavam.

A promessa da Mãe do Bom Conselho

Nessas circunstâncias eu tinha lido um livro sobre a história de Nossa Senhora de Genazzano, que também me caiu nas mãos fortuitamente, e me encantara com aquilo, manifestando o desejo de obter uma estampa da Mãe do Bom Conselho. Sabendo disso, um amigo meu, em viagem pela Europa, esteve em Genazzano e me trouxe uma estampa.

Eu me encontrava hospitalizado, recuperando-me de uma cirurgia, quando alguns membros do nosso Movimento vieram me visitar trazendo, já emoldurada, uma representação do milagroso afresco de Genazzano.

Lembro-me de que ao fitá-lo, embora não houvesse milagre nem revelação, tive a impressão de que a imagem me dizia alguma coisa assim: “Meu filho, o que você deve realizar Eu estou lhe assegurando que realizará, desde que confie em Mim.” Mas isto acompanhado de um sorriso com muita bondade, muita clemência. Não contei a ninguém naquela ocasião, mas evidentemente aquilo exerceu no meu espírito uma profunda impressão que eu conservei interiormente.

Pouco depois o médico foi me examinar e julgou que eu estava de tal maneira melhor que me autorizou voltar para casa. Deixei o hospital levando a estampa, é claro, com imensa veneração e desejo de tê-la junto a mim. De lá para cá conservei sempre essa imagem num móvel que fica bem em frente à minha cama.

Santa Teresinha do Menino Jesus falava das preocupações e perturbações que o demônio punha durante o sono dela, compreendendo assim a razão pela qual se pedia, na hora do Ofício recitado à noite, para serem afastados os pesadelos e fantasmas noturnos. Assim também no meu caso, para irem embora os pesadelos e fantasmas noturnos, ali está o quadro. Se acontecer de algo me preocupar e eu acordar durante a noite, ascendo a luz e olho para a Mãe do Bom Conselho.

Estou certo de que já teria morrido de desgosto se não fosse essa promessa de Genazzano manter-se sempre de pé. Rezemos para que essa certeza nos acompanhe até o fim. Nossa Senhora realizará aquilo que nós desejamos.

(Extraído de conferência de 20/12/1983)