Raimond Spekking (CC3.0)

A Catedral de Colônia reflete um dos aspectos mais elevados da alma católica alemã. Nela contemplamos algo que parece irreal, em parte obra do homem, em parte obra de Deus. Trata-se do senso do maravilho em busca do metafísico, convidando a altas cogitações sem se deixar levar pela fantasia, pois mesmo quando sobe às mais elevadas divagações mantém bases sólidas vincadas na realidade.

Para nós que vivemos na América do Sul e não estamos habituados a considerar as belezas da cultura católica da Europa, falta-nos um certo senso do maravilhoso.

Esse senso tem muita ligação com o amor a Deus, porque é por meio dele que nós podemos elevar as nossas almas ao Altíssimo, finalidade para a qual as coisas maravilhosas foram criadas.

Por exemplo, uma pessoa que vê o Sol tem ocasião de louvar a Deus de uma maneira especial, e por isso São Francisco de Assis cantou o Irmão Sol. Por quê? Porque, sendo maravilhoso, o Astro-Rei eleva as almas para o Criador mais do que a consideração de um grão de poeira, que a seu modo também pode conduzi-las até Ele. O maravilhoso é a obra-prima pela qual Deus Se manifesta aos homens.

Ora, o maravilhoso não se exprime apenas nos seres criados diretamente por Deus. A maior maravilha saída de suas mãos foi o homem, e as maravilhas feitas por este indicam a grandeza da obra-prima divina e, portanto, a grandeza de seu Artífice; de si mesmas, elas são indiretamente criaturas de Deus.

Com frequência eu tenho dito que Dante chama as obras de arte humanas de netas de Deus, porque são filhas do homem, que é filho de Deus. E nós, da consideração das netas de Deus, podemos nos enlevar com esse eterno, imperecível e perpétuo avô que jamais envelhece, Deus Nosso Senhor.

Uma comparação para entender as obras de arte alemãs

Temos analisado muitas coisas da França, mas a Europa toda é uma maravilha, com cores, refrações e aspectos variados. E a Alemanha constitui, por si, um mundo de maravilhas.

Hoje escolhi a famosa catedral gótica de Colônia, para um comentário do conjunto do espírito alemão e do modo pelo qual ele condiciona a obra de arte.

Discute-se muito qual das duas catedrais é mais bela, se a de Colônia ou a de Notre-Dame de Paris. Algumas pessoas costumam colocar no páreo também Westminster, Amiens, Reims.

Coldrerio (CC3.0)

Eu não vou discutir o caso aqui, mas a comparação com Notre-Dame é muito importante porque, quando a vemos, temos um sentimento de admiração, quase um êxtase diante de seu equilíbrio e de sua harmonia. A fachada, com todas as suas divisões e subdivisões, representa a harmonia perfeita, em que se exprime o gênio francês, que é um gênio estático, feito, como tudo o que prima pelo equilíbrio, da justaposição de valores opostos, mas reduzidos a uma admirável harmonia.

O espírito alemão não é propriamente assim.

O espírito católico alemão e sua deturpação

Para nós, o espírito alemão passa por ser o equilibrado por excelência. Ao pensarmos no equilíbrio dos alemães, imaginamos o pé de chumbo de seus soldados marchando, esmagando cabeças com um sapatão, com salto de pregos. É o passo de Átila. Não há erva que resista ao passo do soldado alemão.

Entretanto, esse é o alemão protestante, “quadrado”, da decadência, não é o alemão católico. O alemão católico é muito diferente: pensativo, idealista, continuamente à procura de uma realidade invisível e metafísica – e por isso difícil de atingir –, com um certo desprezo até pelas coisas que são muito terra a terra e muito equilibradas, porque elas não se prestam bem à expressão dos valores de caráter metafísico, e com uma tendência, por causa disso, de evasão da realidade em busca de uma realidade superior.

Esse grito de alma do alemão encontra-se deteriorado – mas se encontra – não no sapato do soldado prussiano, e sim em Wagner1. É o metafísico que se embriagou, mas continua a fazer metafísica em meio à sua bebedeira e tem ainda uns lances de talento envenenados.

Senso metafísico refletido na Catedral de Colônia

Esse senso metafísico do alemão encontra-se expresso na Catedral de Colônia.

A construção quase se restringe às duas torres. O corpo do edifício, que em Notre-Dame é tão grande e espraiado, em Colônia praticamente não existe. Ele consiste apenas em um hífen que une as duas torres. Estas sobem vertiginosamente e estão concebidas na ideia de emular entre si e entrar pelos olhos do homem, levando seu espírito para cima. São leves e esguias, dentro do caráter sólido alemão – sobre o qual eu exporei daqui a pouco –, que não as abandona.

Para verem o papel que cada uma dessas torres representa para a outra, imaginem que existisse uma torre só. Ela se perderia, ficaria meio desequilibrada, cambaia. Pelo contrário, as duas torres juntas como que se apoiam para subir. E a altura total é compensada pela base.

Raimond Spekking (CC3.0)

Há um ponto invisível de equilíbrio nelas – mais uma vez eu digo: de caráter metafísico –, o qual paira nos ares e constitui o ponto de união insuspeitado das duas torres, que o espírito concebe e o olhar não percebe. À medida que sobem, as torres vão insensivelmente se afilando e, em certo momento, transformam-se em cones altíssimos.

Por que elas se afilam? Para dar a ideia de algo que sobe.

Quando o olhar recai sobre um objeto muito alto, tem-se a ilusão de ótica de que ele vai ficando mais esguio naturalmente. Os que conceberam a Catedral de Colônia, para acentuar a ideia de elevação, foram afilando suas torres, de maneira que tudo dá a impressão de uma altura que se perde nos céus. Tanto mais que uma parte delas é oca, está formada por um rendilhado. Quem vê uma fotografia aproximada percebe fragmentos de céu através desse rendilhado. Quer dizer, trata-se de algo meio irreal, em parte do céu, em parte da terra, em parte obra do homem, em parte obra de Deus.

No ponto que dá origem à cúpula final, ainda há umas pontinhas que também parecem querer acompanhar o jorro que sobe; não conseguem e morrem sobre si mesmas, mas com elegância, com distinção. Tudo é feito para ir afilando.

Vê-se uma janela e um pequeno portal. Depois duas janelas que representam do mesmo modo duas ogivas e terminam numa grande ogiva, porque afinal trata-se de uma ogiva que se perde no céu.

É uma concepção completamente diferente da Catedral de Notre-Dame, mas legítima e que exprime um modo de ser do espírito humano. Assim como nos extasiamos com Notre-Dame, devemos também nos rejubilar com Colônia. Deus criou os homens com características diferentes, e quer que cada um se exprima como Ele o criou e que um compreenda o outro.

A fantasia do ocidental e a do oriental

Há outro aspecto muito bonito. Essa catedral não tem nada do minarete. Numa mesquita mulçumana, o minarete é aquela torre fininha do alto da qual canta um muezim. Quase diríamos que o vento vai derrubá-la. Contudo, o oriental se agrada em vê-la enfrentando o vento, como um sonho que foi concebido sem base na terra.

Em Colônia, ao contrário, não há a fantasia do Oriente. A catedral representa a fantasia do ocidental, muito diferente. Trata-se de algo sólido, de um mundo de pedras, de uma base muito forte. As torres, possantes, estão cravadas no chão até o momento em que se separam.

Assim age o ocidental, em particular o alemão, que é verdadeiramente sólido: mesmo quando sobe às mais altas divagações, tem os pés na realidade.

Aqui está algo do espírito católico quando sopra em uma alma alemã. Tirem a Religião Católica, e o alemão jamais dará nisso. Quer dizer, todos fomos concebidos no pecado original e nós, menos a graça, somos iguais a nada. Dessa equação ninguém escapa.

Weltenbummler1983 (CC3.0)

A arte ogival explorada de modo ideal

O gênio da Idade Média se exprime em todas essas belezas, e a ogiva fininha se presta exatamente para isto. Tem-se então a arte ogival explorada num sentido idealístico, por assim dizer, como não se encontra em Notre-Dame. É algo completamente diferente.

Seria preciso contemplar a beleza da catedral in loco, com aves levantando voo de dentro das torres e os sinos tocando. Tem-se a impressão de que são pensamentos contidos na torre, os quais se desprendem e voam pelo céu azul. É de uma grandeza enorme!

(Extraído de conferência de 10/6/1968)

1) Wilhelm Richard Wagner (*1813 – †1883). Maestro, compositor, diretor de teatro e ensaísta alemão.