Arquivo Revista

Dona Lucilia foi uma senhora tipicamente do século XIX. Nela sobressaem profundidades de alma que lhe deram força para ser fiel aos planos que a Providência quis traçar para ela. Sem dúvida, ela lançou um novo padrão humano permeado de bondade, tristeza, resignação e fortaleza.

Na foto de mamãe em Paris sente-se muito a atração que ela exerce pela bondade, mas também um olhar muito meditativo e refletido. Portanto, não é somente bondade, mas reflexão e meditação. Esse é outro aspecto que agrada muito nela: a seriedade muito profunda.

Força para ser fiel aos planos que a Providência quis traçar para ela

Foi providencial ela ter sido fotografada com esses trajes. Não são de uma senhora em dia comum, mas em dia de gala, portanto de festa e grande reunião social. Gosto muito, porque mostra que uma senhora nesses trajes e nessa postura, com essa categoria, pode perfeitamente usar esses trajes e não precisa estar desassociada dessa profundidade de espírito e dessa meditação.

Um aspecto pelo qual ressalta ainda mais o lado reflexivo e meditativo dela são as sobrancelhas grossas, bastante escuras e muito fortes. Eu não sei por que, mas o traçado das sobrancelhas acentua ainda mais esse lado de meditação e de profundidade.

Outro detalhe que se nota é uma tristeza calma, suave. Vamos dizer assim: bondade, tristeza, resignação e, junto com isso, muita força para ser fiel aos planos que a Providência quis traçar para ela. Se não fosse essa força, a resignação e a tristeza não valiam nada.

É uma senhora tipicamente do século XIX. Portanto, todas essas profundidades de alma, ela guardou, não acompanhou a moda nesse sentido. As senhoras da época dela tinham que ser alegres, superficiais, estar constantemente conversando e rindo.

Aliás, o modo de segurar o leque na mão direita, como a postura da outra mão, na qual ela está um pouco apoiada, isso tudo é significativo também, porque esses gestos indicam muito a profundidade de espírito e o lado refletivo, meditativo dela.

Essa foto foi tirada antes da Primeira Guerra Mundial. Acabada esta, as saias subiram de uma vez dos tornozelos diretamente para os joelhos. Portanto, uma revolução feita muito rapidamente. Além disso, todas as senhoras começaram a cortar os cabelos, e passou a haver a moda chamada “à la garçonne”, com cabelo curto para as mulheres. Tudo isso ela não acompanhava.

J. F. Lehmann (CC3.0)
Dr. August Karl Bier

Misericórdia para com uma enfermeira

É uma pessoa que sofreu muito. Ela foi à Alemanha para fazer uma operação da vesícula, ficou hospitalizada e fez a cirurgia. Quando terminou a operação, ela permaneceu no hospital um período de pós-operatório e teve a indicação médica de só comer alimentos muito leves para não acontecer nada com a costura da operação, porque qualquer coisa podia romper.

No dia seguinte, chegou a enfermeira trazendo um prato de miolos ao molho branco. Minha mãe não podia comer miolos, pois lhe davam náuseas. Então, ela com toda a bondade e suavidade disse para a enfermeira:

— Senhora, o médico me disse que comesse uma coisa muito suave, e eu não posso comer esses miolos porque me fazem mal, me dão náuseas. E isso me pode dar complicações depois no lugar onde fui operada.

A enfermeira, muito teutonicamente, respondeu:

— Não, o médico mandou. Portanto, a senhora tem que comer de qualquer jeito.

— Não, eu não vou comer.

— A senhora vai ter que comer, porque se não comer vai me trazer complicações. A senhora não me cause dificuldades, porque qualquer problema que eu tenha aqui, posso perder o emprego.

— Mas, senhora, se comer esses miolos e acontecer qualquer coisa, a culpa não é minha. Portanto, sei que vou ter náuseas e posso ter qualquer problema. Se essas costuras abrem de novo, a culpa vai ser da senhora. Quando o médico vier, vou ter que dizer isso para ele.

— Não, não tem problema.

Então mamãe resignou-se inteiramente, comeu os miolos e à noite passou mal, teve náuseas e dormiu muito mal.

No dia seguinte chegou o Dr. Bier. Minha mãe me contava que ele entrava no quarto onde ela estava deitada, mais ou menos como um general no seu quartel, com passos firmes, acompanhado de toda uma equipe de auxiliares munidos de pranchetas para fazer as anotações necessárias, e inquiria:

— E esta paciente aqui, como está?

Uma enfermeira respondeu:

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Plinio e Rosée durante a viagem à Europa

— Parece que passou mal, teve cólicas.

Dirigindo-se à minha mãe, o médico perguntou:

— Mas por que teve cólicas? Isso não poderia ter acontecido.

A enfermeira, que estava atrás do médico, juntando as mãos, fez um gesto para mamãe suplicando que não a denunciasse.

Dona Lucilia, com toda a calma, desconversou e, por bondade, por misericórdia para com aquela enfermeira, não contou nada do que ocorrera no dia anterior.

A enfermeira fez uns sinais agradecendo pelo gesto de bondade que mamãe teve para com ela nessa situação.

Realmente, como ato de virtude, de resignação e de bondade é difícil imaginar uma coisa mais extrema do que essa, porque tinha ela todos os direitos de se queixar. Primeiro, por ser a sua vida que estava em risco; depois, porque foi ela quem pagou o tratamento e mandou fazer a operação. Assim, estava no direito dela protestar e não comer esses miolos, bem como explicar para o médico a causa dessas cólicas. Ademais, sendo a segunda pessoa no mundo a sofrer essa cirurgia, deveria ser tratada com todo o cuidado e delicadeza.

Dona Lucilia lançou um novo padrão humano

Ainda nessa ocasião, lembro-me de um episódio anterior ao acima narrado que mostra também como era essa bondade em meio à dor.

Embarcamos num transatlântico, o Duca d’Aosta, que era uma embarcação de grande classe para a linha da América do Sul, mas para a linha dos Estados Unidos, por exemplo, não era de primeira classe, havia navios muito mais luxuosos.

Já durante a travessia do Atlântico rumo à Europa, Dona Lucilia sofreu muito por causa da vesícula. Rosée e eu passeávamos e brincávamos pelo navio, como é normal para crianças. Minha mãe ficava reclinada em seus aposentos, gemendo. Repetidas vezes passávamos por sua cabine para falar com ela. Mamãe nos atendia com toda a bondade, parava de gemer e fazia como se não estivesse sofrendo nada, perguntava o que estávamos fazendo, se queríamos algo, etc. Quando saíamos, ela voltava a gemer. Era, novamente, essa atitude de bondade e resignação.

Sem dúvida, ela lançou um novo padrão humano em que estava envolvido esse lado bondade, tristeza e resignação, com muita força.

(Extraído de conferência de 20/4/1992)