Para Dr. Plinio, um ambiente não é marcado apenas pela influência tangível daquilo que o compõe, mas também — e às vezes, sobretudo — pela ação de algo impalpável que nele paira. Por exemplo, a lembrança da figura de alguém que ali viveu por longos anos. Nesse sentido, descreve-nos a atmosfera de sua casa, intensamente marcada pela suave e anterior presença de sua mãe.

Mais de uma vez me têm dirigido o compreensível pedido de falar sobre o modo de ser de mamãe, e como ela impregnava de sua presença o ambiente em que se encontrava.

Na tentativa de definir essa influência, que eu penso feita de imponderáveis, procurarei descrever como a sinto na minha casa.

Fotos: J. S. Dias / M. Shinoda
Dona Lucilia aos 91 anos

“Residência de Dona Lucilia Corrêa de Oliveira”



Antes de tudo, devo dizer que, até hoje, não sinto a casa como sendo minha, a não ser porque é a de mamãe. Pois, na verdade, a impressão que tenho em todos os momentos é de que o apartamento é dela. A tal ponto que, se eu pudesse, orientaria para que atendessem o telefone dizendo: “Residência de Dona Lucilia Corrêa de Oliveira”. Só não procedo dessa forma porque seria um tanto extravagante, mas esse desejo exprime bem essa sensação da presença de mamãe ali.

Trata-se, então, de explicitar o sentimento que esses imponderáveis nos proporcionam no ambiente do 1º Andar da Rua Alagoas, onde ela morou por tantos anos. Note-se, portanto, não me refiro a um elogio dos móveis nem da ordenação ou da decoração do lugar. Falarei dos imponderáveis.

Aspectos da residência de Dona Lucilia

Atmosfera banhada de contemplação

Sinto que, entrando na casa, é-se cercado por uma atmosfera bem diversa da que se respira fora, até mesmo na escada que dá acesso ao elevador. Transpõe-se a porta do apartamento e nos parece respirar outros ares.

Essa atmosfera diferente se me apresenta, curiosamente, um tanto imóvel. Não da imobilidade da coisa morta nem figée, mas seria algo semelhante à quietude da contemplação, o estar parado da pessoa que reza compenetradamente e, por isso, não se movimenta. Numa posição, portanto, ordenada, refletindo, não a carência, mas a excelência de vida. Não é a casa de um falecido, onde se sentem ecos vazios em todos os cômodos. Pelo contrário, tem-se a impressão de que o lar é habitado por alguém, e nele pulsam sensações próprias de um lugar onde há vida.

Atmosfera que reflete a atitude de uma alma em oração, que espelha, não a carência, mas a excelência de vida

Sempre envolta numa certa penumbra

Outro aspecto a ser ressaltado é o fato de ser uma casa que, apesar de suas janelas de tamanho comum, nunca recebe a luz do sol inteira, mas se acha sempre envolta numa certa penumbra. E mesmo nas salas onde a incidência dos raios solares se verifica mais duradoura, há qualquer coisa nessa luz que a torna atenuada, tamisada, um pouco diluída, de modo que seu brilho não nos fere.

Uma casa que convida ao repouso e a meditações, bem como a previsões semeadas de muita confiança no auxílio do Céu

Outros aspectos da casa de Dona Lucilia (à esquerda, “sua” cadeira de balanço)

Ali dentro, os sons repercutem, mas também alguma coisa os ameniza, regula a tonalidade deles. Assim, dir-se-ia que a casa como que não permite a uma pessoa, por exemplo, na sala de jantar, gritar por alguém que se encontra no quarto do fundo. Se o fizesse, daria a impressão de estar dilacerando os espaços intermediários, em vez de simplesmente os estar preenchendo com a voz.

É como sinto esses imponderáveis.

Convite a uma repousante reflexão

Por esses aspectos, trata-se de uma casa que convida à reflexão atenta, mas repousante. Ela descansa quem ali medita. De sorte que, naquele ambiente, a pessoa pode se entregar ao exercício de uma previsão que chegue até o extremo do desfavorável na construção de ­suas hipóteses, mas, ao mesmo tempo, com muita confiança e com a certeza do auxílio do Céu. Pode tomar deliberações fortíssimas, mas estas não extenuam quem delibera. As decisões se estabelecem e saem do coração da pessoa mais ou menos como pode sair um facho luminoso de uma luz sem extenuá-la. Em suma, é um ambiente muito propício ao descanso.

Essa seria a atmosfera da casa de Dona Lucilia, vista de um lado.

Sob a égide do Coração de Jesus

Considerada de outro lado, o ambiente todo se explica e se define pela presença da imagem do Sagrado Coração de Jesus, que está no quarto de mamãe e que parece O habitante por excelência da casa: tranqüilo, sereno, digno, nobre, afável, convidativo.

E para não deixar de lado um pormenor interessante, a cadeira de balanço que mamãe usava compõe muito adequadamente essa atmosfera de imponderáveis. A tal ponto que, em diversas ocasiões, quando eu mesmo faço uso dessa cadeira, tenho a sensação de uma maior intimidade com Dona Lucilia. E é de notar que ela não era a única a se sentar na cadeira, pois outras pessoas da família também o faziam. Mas, ela se vinculou de tal modo à pessoa de mamãe, e nos traz tanto sua figura à nossa lembrança, que não é possível considerá-la senão como “a cadeira de Dona Lucilia”.

Mais uma vez, são os imponderáveis…

(Extraído de conferência em 21/4/1977)