É fato que a graça de Deus toca a alma humana a propósito deste ou daquele aspecto que o mundo contemporâneo herdou do passado, de modo a nos dar a impressão de que o objeto contemplado se acha todo impregnado da mesma graça. Na verdade, o que admiramos será uma coisa natural, repassada de beleza e proporção, porém mero instrumento através do qual o dom divino exerce sua ação benfazeja sobre nosso espírito.
A ogiva desperta em nós bons sentimentos e eleva nossas almas às considerações das maravilhas divinas
Assim nos aparecem, por exemplo, os monumentos europeus, muitos deles construídos na plena era do amor de Deus, isto é, no apogeu da Idade Média, quando se delineou o sorriso — prenhe de afabilidade, de majestade e de uma discreta melancolia — do gótico.
Ela produz no homem um certo bem-estar e deleite de espírito, pelos quais a existência quotidiana se lhe torna menos árdua
Tal impressão se faz notar, particularmente, quando admiramos uma ogiva: esta, pelo mencionado influxo da graça que nos move a admirá-la, desperta em nós bons sentimentos em relação ao Primeiro Mandamento, eleva nossas cogitações para as maravilhas divinas, de um lado; enquanto, de outro, produz sobre o temperamento do homem uma forma de quietude equilibrada, uma ordenação interior, um certo bem-estar e deleite de espírito sem os quais o existir quotidiano se lhe torna árduo ao extremo. Através desse deleite, desse equilíbrio, ele encontra a paz.
Manifesta mil doçuras e mil flores que convidam o homem para uma necessária e comedida ascese, mais espiritual do que física
Mais ainda. A ogiva, conferindo-lhe essa tranqüilidade de alma, amaina por isso mil ansiedades e ardências, e o convida a uma necessária e comedida ascese. Dir-se-ia ser a ogiva uma espécie de gráfico da ordem do universo, que orienta o homem para essa valiosa disposição ascética, não rebarbativa, mas florida, mais espiritual que física. Porque o gótico empenha-se em manifestar mil doçuras e mil flores, as quais são de molde a oferecer ao homem alegrias e satisfações que desarmam muitas das objeções da anti-ascese.
Com essa suavidade, a ogiva acerta, ajeita e tranqüiliza o que houver de desarranjado no coração humano. Filha de uma arte inspirada pela graça divina, ela acaba exprimindo uma harmonia mais pensada por Deus do que pelos homens. Por isso é de uma extraordinária beleza!
(Extraído de conferência em 11/11/1988)