Catedral de Reims – França

É fato que a graça de Deus toca a alma humana a propósito deste ou daquele aspecto que o mundo contemporâneo herdou do passado, de modo a nos dar a impressão de que o objeto contemplado se acha todo impregnado da mesma graça. Na verdade, o que admiramos será uma coisa natural, repassada de beleza e proporção, porém mero instrumento através do qual o dom divino exerce sua ação benfazeja sobre nosso espírito.

A ogiva desperta em nós bons sentimentos e eleva nossas almas às considerações das maravilhas divinas

Fotos: P. Mikio / S. Hollmann
Catedral de Bourges – França

Assim nos aparecem, por exemplo, os monumentos europeus, muitos deles construídos na plena era do amor de Deus, isto é, no apogeu da Idade Média, quando se delineou o sorriso — prenhe de afabilidade, de majestade e de uma discreta melancolia — do gótico.

Ela produz no homem um certo bem-estar e deleite de espírito, pelos quais a existência quotidiana se lhe torna menos árdua

Fotos: L. Werner
Abaixo, Catedral de Dijon, França; na página 33, Catedral de Amiens, França

Fotos: L. Werner

Tal impressão se faz notar, particularmente, quando admiramos uma ogiva: esta, pelo mencionado influxo da graça que nos move a admirá-la, desperta em nós bons sentimentos em relação ao Primeiro Mandamento, eleva nossas cogitações para as maravilhas divinas, de um lado; enquanto, de outro, produz sobre o temperamento do homem uma forma de quietude equilibrada, uma ordenação interior, um certo bem-estar e deleite de espírito sem os quais o existir quotidiano se lhe torna árduo ao extremo. Através desse deleite, desse equilíbrio, ele encontra a paz.

Manifesta mil doçuras e mil flores que convidam o homem para uma necessária e comedida ascese, mais espiritual do que física

P. Mikio
Interior da Sainte Chapelle – Paris
F. Lecaros
Notre-Dame de Paris

Mais ainda. A ogiva, conferindo-lhe essa tranqüilidade de alma, amaina por isso mil ansiedades e ardências, e o convida a uma necessária e comedida ascese. Dir-se-ia ser a ogiva uma espécie de gráfico da ordem do universo, que orienta o homem para essa valiosa disposição ascética, não rebarbativa, mas florida, mais espiritual que física. Porque o gótico empenha-se em manifestar mil doçuras e mil flores, as quais são de molde a oferecer ao homem alegrias e satisfações que desarmam muitas das objeções da anti-ascese.

Com essa suavidade, a ogiva acerta, ajeita e tranqüiliza o que houver de desarranjado no coração humano. Filha de uma arte inspirada pela graça divina, ela acaba exprimindo uma harmonia mais pensada por Deus do que pelos homens. Por isso é de uma extraordinária beleza!

(Extraído de conferência em 11/11/1988)