Em reconhecimento à bondosa intercessão de Dona Lucilia junto a Jesus e Maria, um dos discípulos de Dr. Plinio procurou retratá-la em pintura a óleo, com base nas últimas fotografias dela. O “Quadrinho” — como ficou conhecido — foi entregue a Dr. Plinio numa tarde de fevereiro de 1977. Cinco anos depois, ele assim evocava o momento em que recebeu aquela pintura que tanto o encantou e alimentou em sua alma a lembrança da diáfana e acolhedora figura materna.
Há cinco anos deu-se para mim a grande surpresa. Ainda me recordo do instante em que, no fim de um longo expediente, a pessoa que me trazia o Quadrinho disse:
— Fulano pintou um retrato de Dª Lucilia, e gostaria de oferecer ao senhor.
Algo constrangido, o meu interlocutor abriu o envelope, tirou o quadro e me apresentou, talvez pouco confiante no meu favorável acolhimento. De fato, devo confessar que, embora eu conhecesse os dotes artísticos do pintor, parecia-me um tanto ousado pretender que ele lograsse reproduzir na tela uma figura que correspondesse à imagem de mamãe como eu a conservava na alma.
“Tocou-me de modo profundo”
Perguntar-me-ão: “Então o senhor recebeu com dúvidas o quadro?”
Não. Eu o recebi sem nenhuma dúvida. Era um gesto afetuoso para comigo, o qual se tratava de tomar com bondade, mas estava certo de que daquele envelope não sairia sequer uma decepção. Apenas um bom desejo que eu acolheria com gosto e carinho.
Não será difícil imaginar, pois, minha surpresa, meu agrado quando me foi posto nas mãos. Olhei e logo percebi uma semelhança com mamãe, sobretudo no olhar, e numa presença de estado de espírito, eu quase ousaria dizer, uma comunicação de alma, que eu achava estivesse reservada para o Céu.
Rápida e silenciosamente, passei por várias sensações: “Não, tem de ser melhor! Mas é! Como? Não tem dúvida!”, etc. É evidente que a pintura me tocara de modo profundo.
A moldura perfeita
Após contemplar o retrato, analisei a moldura e, uma vez mais com surpresa, verifiquei que, no seu gênero e para seus efeitos, era perfeita. A imagem de Dª Lucilia se achava tão bem no interior da moldura que, se ela própria tivesse escolhido uma, dentro daquele diapasão, não seria diferente. A guarnição correspondia inteiramente à época, ao estilo e ao modo de ser da imagem reproduzida no Quadrinho. Por assim dizer, eu sempre a vi no ambiente dessa moldura e, por isso mesmo, ninguém pensaria em trocá-la…
Em seguida, passei a conjeturar onde colocá-lo. A escolha natural era a casa dela, e nesta, no meu escritório. Não se encaixaria bem num dos salões, já ornados com boas obras de arte, nem no meu quarto de dormir, pois eu queria estar acordado para contemplar o olhar dela na pintura… Portanto, ficou assente que ele ocuparia lugar na mesinha em que hoje se encontra.
Confiança, paz de alma e alegria
Ao ser posto ali, pareceu-me que a imagem de mamãe ressaltou-se naquele ambiente, e na pintura avivaram-se características que eram bem dela: sem nenhum esforço, sem dificuldade alguma, trazer consigo um sulco de luz, incutir confiança, paz de alma, alegria e instalar-se naquilo que era seu.
De tal maneira que, no conjunto de móveis de minha primeira infância, tão velhos, tão antigos, o Quadrinho entrou como se fosse um complemento natural. E ele é a alma do escritório, embora neste haja também um lindo Crucifixo, presente dos membros do nosso movimento quando fiz 50 anos. Acontece que este Crucifixo, imagem do Homem-Deus, governa o escritório como que acima dele, enquanto o Quadrinho o faz ali dentro, é homogêneo com aquele ambiente. Dir-se-ia que Dª Lucilia esteve ali há pouco, sentou-se atrás do Quadrinho e se pôs a nos observar através dos olhos do seu retrato.
A presença de uma mãe
Cabe perguntarmos a que corresponde o Quadrinho.
Acredito que ele simboliza a presença de uma mãe, e de uma mãe tal que, quem não tenha visto ao menos essa pintura, não pode fazer exata idéia de como ela foi. Quer dizer, para conhecê-la, seria preciso contemplar com essa fidelidade o Quadrinho, no qual se tem a impressão de sentir até o leve e discreto arfar da respiração de Dª Lucilia, o pulsar do seu coração, a sua tranqüilidade sofrida e resignada, prateada e lilás, e os anos que se foram acumulando. Tudo isso se sente no retrato, e sem isso não se pode dar por tê-la conhecido.
Reflexo do amor materno de Nossa Senhora
Resta sabermos a que desígnio da Providência corresponde o fato de esta fisionomia assim se manifestar, e pairar dessa maneira sobre tantos que invocam sua intercessão, marcada por dita maternalidade, e que julgam ter recebido um carinho, uma forma de apoio interno, de proteção, de ânimo doce para as coisas difíceis? A que corresponde uma assistência materna dentro da linha geral das vicissitudes humanas?
Como modelo perfeito e exemplar, acima de todos os outros amores, bondades e doçuras maternais, está o amor de Maria a Jesus, que d’Ela nasceu após nove meses de uma gloriosa gestação. Deus haveria de querer que o primeiro olhar de Jesus na Terra fitasse algo que fosse o resumo de todas as maravilhas do universo: os olhos do Menino se abriram e encontraram o olhar de Nossa Senhora, viram a face esplendorosa da Mãe, discerniram sua alma e seu imaculado coração. E então, podemos supor, o Divino Infante sorriu.
Nossa imaginação se perde ao tentar conceber como terá sido esse primeiro olhar do Filho para a Mãe incomparavelmente mais bela que toda a criação, a Rainha mais bela que o reino.
Igualmente nos sentimos pequenos ao pensarmos noutro olhar d’Ele para Nossa Senhora: o último. Antes do Redentor se despedir da Terra, seus olhos se baixaram sobre os de Maria e se entrecruzaram. Nessa derradeira troca de olhares havia algo talvez ainda mais belo do que houve na primeira, quando Ele entrou na vida. E a face de Nossa Senhora era mais formosa, sem comparação, do que eram horríveis todos os horrores da época. O amor d’Ela era mais esplêndido do que era hediondo o próprio deicídio. Entre olhar e olhar, que nexo magnífico!
Nosso Senhor Jesus Cristo desejou, portanto, um afeto de mãe quando abriu os olhos; e quis um carinho materno quando os fechou. Isso basta para nos dar a entender o significado do afeto de mãe e o papel que deve desempenhar na formação dos homens. Porque todas as mães que vieram depois de Maria Santíssima, precedendo-nos com o sinal da Fé, foram convidadas a serem mães católicas com a cintilação de algo que Nosso Senhor viu em Nossa Senhora.
“A imagem de mamãe ressaltou-se naquele ambiente, e na pintura avivaram-se características que eram bem dela…”
E nas maiores alegrias, nas ternuras mais delicadas, nos abandonos mais terríveis, convinha que d’Eles nos lembrássemos. Como a proporção e a harmonia entre o grandioso e a bondade teriam permanecido entre os homens se todas as mães tivessem sido inteiramente mães! Como a palavra “doçura” teria tomado outro sentido! E como a majestade materna teria sido grandiosa! Infelizmente, nas engrenagens do mecanismo da vida humana faltou muito do azeite do amor materno.
E então podemos compreender os desígnios da Providência em relação ao Quadrinho, que vem representar exatamente um reflexo desse amor de mãe, uma centelha do insondável carinho materno de Nossa Senhora para conosco.
Peçamos, pois, à Santíssima Virgem que nos faça aproveitar dessa imagem do seu amor aos homens, para assim nos unirmos ainda mais a Ela e a seu Divino Filho.
(Extraído de conferência em 22/2/1982)