Quando, ainda moço, comecei a analisar mais detidamente os maravilhosos monumentos góticos da Idade Média, percebi que esse estilo havia atingido um apogeu e ali permanecera. Veio-me ao espírito a questão: o que deveria sucedê-lo? Porque não pode acontecer que o bem dê no mal, que a verdade redunde em erro, ou seja, não é razoável que o acerto até o último ponto de uma determinada linha de beleza produza decadência. Pois esta não é o fruto da fidelidade nem da coerência e, portanto, o supra-sumo não pode ser a véspera do ocaso. Isto se passa com o sol, elemento material, não com as coisas do espírito, como se pode qualificar um estilo artístico engendrado pela alma humana. Pobre sol, tão pequenino, tão apagado, tão vulgar na sua glória esplendorosa quando comparado com qualquer alma humana!”
Às voltas com esse problema, pensei: “De momento não sei resolvê-lo, mas dia virá em que encontrarei a resposta”. E, não raro, as soluções para esses problemas — na aparência insolúveis — são muito simples. Tal se deu quando, em uma de minhas viagens à França, estive na basílica e no convento de Paray-le-Monial, onde Santa Margarida Maria Alacoque recebeu as revelações do Sagrado Coração de Jesus
Deparei-me com uma linda igreja de estilo românico, bela no seu exterior quanto no interior, superiormente bem construída e arquitetada, lógica, majestosa, séria e austera. Minha atenção se deteve, portanto, na análise daquela concepção artística. E disse para comigo: “Ora, esse estilo tem categoria, força, grandiosidade e, não sendo o gótico, já prenuncia os traços dele e, francamente, alguns de seus aspectos podem disputar um lugar de honra ao lado das ogivas. Como o românico deu no gótico? Afinal, não seria melhor que o românico continuasse? No que poderia resultar?”
Bela no interior como no exterior, lógica, majestosa e austera, prenunciando em alguns de seus traços o estilo gótico que haveria de nascer
E aí fiat lux no meu espírito. Compreendi que o românico era uma longa adaptação do estilo clássico da Roma e Grécia antigas pelo espírito católico, que em seguida geraria o gótico medieval. Ele floresceu entre o período da invasão dos bárbaros e a alta Idade Média, e embora não tivesse previsto o gótico, este se achava insinuado nas nervuras daquele. Essa insinuação, essa espécie de pressentimento do gótico é o que mais me agrada no românico. Então conclui: “Eis a solução do problema. Assim como o românico esteve para o gótico, este ainda engendrará um estilo superior”.
Traçado pela virtude da sabedoria, o românico, ao cabo de seu crescimento, desabrocharia em rosáceas e ogivas
Minha satisfação e encanto cresceram quando, mais tarde, soube que a igreja de Paray-le-Monial era uma das poucas construções remanescentes da expansão artística promovida pela famosa abadia de Cluny. Por isso eu havia pressentido nela a minha bem-amada Idade Média!
Dir-se-ia, enfim, que aquela arquitetura românica representava a virtude da sabedoria se abrindo como uma flor a qual, ao cabo do seu crescimento, desabrochou nas rosáceas e nas ogivas góticas.
(Extraído de conferência em 4/8/1979)