Notre-Dame de Paris. Diante dela, às vezes emudecemos de admiração. A catedral é bela em cada um de seus pormenores. Se considerarmos os três portais do primeiro pavimento do edifício, vemos lindíssimos arcos ogivais, profundos, indicando bem a espessura das paredes. Em cada portal, ao longo de toda a espessura, de um lado e de outro, aparecem esculpidos episódios da História Sagrada. Na parte de cima, uma fileira de imagens de reis do Antigo Testamento.
Para se ter idéia de como a catedral é esplêndida nos seus vários pormenores, imaginemos que não existisse a parte superior, acima das imagens dos monarcas. Ainda seria um bonito monumento. Ou pensemos num edifício formado pela grande ogiva central, pelas duas laterais e as menores que estão em cima, constituindo uma espécie de colunatas de esguias, delicadas e entrelaçadas ogivas: sem dúvida comporiam uma belíssima fachada lateral de qualquer igreja.
Esguia, graciosa e leve, com um quê de fortaleza incontestável, símbolo da plenitude do espírito da Idade Média
Imaginemos, ainda, cada uma das pontas de torre transformada num oratório e posta no solo. Seria lindo! Na catedral, aparecem como três belezas superpostas. Mas o tato francês, o tal “charme mais belo que a beleza”, os fez sentir que, isolados, algo ficaria faltando. Então, atrás ergue-se uma cúpula e, no alto desta, uma flecha. A famosa flecha de Notre-Dame que confere o arremate, o toque de leveza, de graça, de grandeza, às torres que não foram acabadas.
Com efeito, no projeto original essas torres elevar-se-iam mais alto. Porém, o estilo gótico esmoreceu sob o sopro da Renascença e do Humanismo. Em conseqüência, as torres de Notre-Dame ficaram limitadas ao tamanho que têm hoje, embora repletas de encanto e de beleza.
A meu ver, uma muito agradável impressão que se tem ao contemplar a catedral resulta do contraste entre a altura e a largura. Ela é esguia, muito mais alta do que larga, mas não pode ser chamada de um edifício frágil. Graciosa, leve, possui entretanto um quê de fortaleza, absolutamente incontestável, falando-nos da plenitude do espírito da Idade Média: hierático, sacral, hierárquico, ordenado, todo voltado para o que há de mais alto, em que a maior seriedade se compagina bem com a graça mais suave e com a delicadeza mais extrema. Tal se nota, por exemplo, nas colunas e nos vitrais.
O sorriso da Virgem Santíssima manifesta seu contentamento com a Cristandade, o reino do Filho d’Ela
Numa palavra, os mais belos aspectos da alma católica aparecem a todo propósito, em todos os ângulos da catedral.
E eu me pergunto: é ou não verdade que, ao nos maravilharmos com Notre-Dame, temos também a impressão de que cenas desenroladas ali ainda permanecem vivas? E que, do alto do lugar onde está entronizada, a imagem de Nossa Senhora — cuja cabeça tem como auréola a própria rosácea central — sorri para os seus filhos que transitam pela praça?
Sim, um sorriso que manifesta o contentamento da Virgem Santíssima com uma Cristandade que, afinal, era e ainda é o reino do Filho d’Ela. E, de fato, há qualquer coisa da glória da Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo no ar triunfal da Catedral de Notre-Dame de Paris.
(Extraído de conferência em 11/1/1989)