Ao discursar como paraninfo do Colégio Arquidiocesano, em 1936, Dr. Plinio exalta o ideal do catolicismo autêntico que, diante do mundo posto na alternativa de decidir por Cristo ou contra Ele, não transige nem se intimida, proclamando sua Fé com enérgica e inquebrantável tenacidade.
Permiti que esta oração, que nasceu do âmago de meu coração e contém o mais sincero de meus sentimentos, seja dirigida, em nome da gloriosa mocidade católica, que tenho a honra de representar nesta solenidade, aos meus jovens amigos, os bacharelandos do Colégio Arquidiocesano, de 1936 . (….)
As gerações que precederam a esta, que hoje ingressa na vida, então divididas em campos antagônicos. Uma imensa divergência intelectual separa seus expoentes mais representativos. Do alto das cátedras universitárias e das tribunas parlamentares, através das colunas dos jornais ou das páginas dos livros, pela palavra ampliada ao microfone ou abafada no segredo das confabulações políticas, procuram os professores, os escritores e os estadistas do presente traçar os rumos por onde querem guiar o Brasil.
Não se iludam, porém, os pregadores de ideologias boas ou más, construtoras ou demolidoras: sua doutrinação só será fecunda, na medida em que ela penetrar no espírito e no coração das gerações novas. A estas é que pertence o futuro. Para onde ela se orientar, orientar-se-á o Brasil de amanhã. Os pregadores de doutrinas não são, hoje em dia, senão meros advogados de causas santas ou de causas fraudulentas. À nova geração, é que incumbe a augusta função de juiz. (…)
A crise da adolescência
Pouco têm escrito sobre [a crise da adolescência] os sociólogos e os historiadores. Não importa. Tratemos de analisar esta crise, de lhe apontar as origens, de lhe investigar os efeitos, e chegaremos à conclusão de que nela se encontra uma das causas mais ativas de grande catástrofe do mundo contemporâneo.
A crise da adolescência é, em via de regra, o fato culminante daquilo a que se poderia chamar a história interior de toda a humanidade, nos últimos cem anos. É na diferença das atitudes tomadas por nós e nossos avós perante esta crise, que se encontra, em grande parte, o segredo da radical oposição entre o século XIX e o século XX, na filosofia, na sociologia, na política, na literatura e nas artes.
Nos cento e poucos anos que medeiam entre a queda de Napoleão e os dias que vivemos, a sociedade tem educado a infância em princípios que, geralmente, são cristãos.
Faça-se a estatística do número de adolescentes que, anualmente concluem o curso em colégios católicos, e ter-se-á uma idéia da extensão que a influência cristã tem na formação da infância contemporânea. Por mais que, em nossos dias, os fatores do ambiente contrariem esta influência, ela ainda é considerável. E muito mais considerável ela foi nas gerações anteriores tão céticas quanto a nossa, mas mais respeitadoras — por espírito de tradição, se quiserem — da moral cristã.
No século passado, como neste século ainda, o lar e o colégio, os dois principais ambientes em que transcorre a infância, foram guiados, em via de regra, por um espírito que, ora mais ora menos intensamente, apresenta matizes cristãos.
No colégio católico, a doce figura do Cristo irradia sobre os alunos o esplendor de sua harmonia moral. Por mais que essa irradiação seja inconscientemente recebida como muitas vezes ocorre, ela não deixa de ser real. O Cristo que se contorce em sofrimentos e em súplicas pela humanidade, no Crucifixo do refeitório, o Cristo que, no altar da Capela, aponta aos alunos o seu peito entreaberto, no qual pulsa um coração abrasado de amor, o Cristo cuja doçura e cuja imensa misericórdia são ensinadas na aula de Religião, exerce sobre os alunos uma impressão profunda, a que não se furtaram nem sequer os campeões da impiedade do século XIX.
“No colégio católico, como no lar, a doce figura do Cristo irradia o esplendor de sua harmonia moral e de sua imensa misericórdia, como o nosso supremo e benigno protetor”
No lar, o Cristo também figura como um protetor benigno e supremo dos interesses domésticos. É à sua bondade, que se deve toda a felicidade da família. É à sua clemência, que a família recorre nos momentos amargos da provação. É à sombra de sua lei, que florescem castamente as afeições domésticas, é d’Ele, que emana o ambiente de pureza sem o qual a vida da família não é possível. O Cristianismo floresce no ambiente doméstico, não apenas pela eficácia do culto que aí se pratica, como na carícia casta de mãe, da irmã, na austeridade do pai, e na inocência da vida dos filhos.
No século XIX como no século XX — aliás, no século XX menos do que no século XIX — é esta a regra geral.
O jovem entra num mundo que prega uma lei oposta
Mas, com a adolescência, rompem-se os véus que ocultavam à infância o verdadeiro aspecto da vida moderna. E o jovem, afeito a um ambiente de Fé e de pureza, se vê forçado a ingressar inesperadamente em um mundo que prega uma lei diametralmente oposta à que ele aprendeu a respeitar. (…)
Ao adolescente, educado no amor da Fé e da pureza, a sociedade dirige, no limiar da vida, uma frase que é a antítese da do famoso bispo de Reims: “curva a cabeça, cristão, queima o que adoraste e adora o que queimaste.”
Se o adolescente tiver o heroísmo de resistir, o mundo o apupará como um covarde. Se tiver a covardia de ceder, aplaudi-lo-á como um herói.
Esboçando em largos traços o panorama da crise da adolescência na sociedade semi-cristã dos últimos cem anos, não tive a pretensão de enquadrar, nesta descrição, com todos os seus detalhes particulares, a imensidade de aspectos diversos que, segundo as circunstâncias de tempo e lugar, essa crise pode assumir.
A necessidade de optar por Cristo ou contra ele
Em todos estes aspectos, no meio de tantas variantes, só quis destacar um traço fundamental, que se conserva invariável. Hoje como ontem — e, repito-o, ontem muito mais do que hoje — a influência da Religião se exerce sobre a infância, de modo todo particular. Essa influência, que a sociedade moderna tolera por um resto de Fé ou de tradição, entra em choque com as exigências do ambiente que rodeia a mocidade. Deste choque, nasce para os adolescentes a necessidade de optar por Cristo ou contra Ele. Mais consciente em uns, menos consciente em outros, esta necessidade se impõe a todos. E é nas lutas íntimas que esta opção provoca, que consiste, em síntese, a crise da adolescência.
Nesta crise, como procedeu o homem do século XIX? Colocado na contingência de optar pelo Cristo ou contra Ele, que partido tomou?
Um e outro. Ou melhor, nem um nem outro. A atitude do século XIX, na crise da adolescência, foi sobretudo, uma atitude de vacilação. Desta vacilação nasceu a grande característica do século, que foi a incoerência.
É peculiar ao Catolicismo uma admirável harmonia entre sua doutrina religiosa, seus princípios morais e suas diretrizes sociais. Não é possível negar a primeira, sem atacar os fundamentos dos outros. Como não é possível rejeitar a esta, sem se colocar em oposição flagrante com aquela. O monolito, desde que seja fragmentado, deixa de ser monolito. O Catolicismo, desde que seja privado de uma de suas partes deixa de ser Catolicismo.
Não percebeu isto o século XIX. E exatamente por isto, na imensa vacilação que foi a causa de sua incoerência fundamental, o século XIX raras vezes chegou a repudiar completamente o Cristo pela boca de seus principais pensadores.(…) E não foi diversa a atitude da generalidade dos homens. A maior parte deles admirava a moral cristã, exigindo dentro do lar a sua rigorosa observância. O que não era obstáculo a que negasse os princípios religiosos em que se estribava esta moral, e se julgasse livre de a violar na vida extraconjugal. A família continuava a viver cristãmente, ainda mesmo depois de perdida a Fé. Como dizia Renan, a sociedade do seu tempo conservava vestígios do Cristianismo, sem conservar a Fé, como um vaso que tem por algum tempo o perfume das flores que dele retiraram.
Outros, faziam o contrário. Conservavam a Fé mas desprezavam todas as conseqüências morais que dela decorrem. Católicos na igreja e no lar, eram pagãos na política, na vida profissional e, sobretudo, na vida extraconjugal.
Espíritos fragmentados, admirando verdades a que não obedeciam, ou obedecendo a princípios que não aceitavam, os homens do século XIX tinham dentro de si o imenso mal-estar que a prosperidade material apenas conseguiu anestesiar, e que tumultua necessariamente no coração de todo homem que não estabeleceu dentro de si o reinado da coerência. (…)
Repúdio à incoerência das gerações passadas
O século XIX admirava a “fé do carvoeiro”, na sua simplicidade e na sua pureza. Mas ridicularizava como preconceito inconsciente a Fé do cientista. Admitia a Fé nas crianças. Mas condenava-a nos jovens e nos homens adultos. Quando muito, tolerava-a na velhice. Exigia a pureza para a mulher. E exigia a impureza para o homem. Exigia a disciplina para o operário. Mas aplaudia o espírito revolucionário do pensador.
Evidentemente, contradições tão profundas deviam gerar crises íntimas, de grande intensidade. Em geral, foi em crises assim, que se formaram todos os agitadores que, no século XIX, atearam na Europa o incêndio dos ideais revolucionários. E foi também em crises assim, que se formaram quase todos os grandes convertidos ao Catolicismo, que proclamaram bem alto, contra o mundo e o século em que viviam, a sua Fé na Igreja de Deus.
Os acontecimentos dramáticos de que o século XX tem sido ator e testemunha, só concorreram para precipitar o desenlace desta crise.
Cada vez mais, a atitude de incoerência das gerações passadas vai sendo repudiada pelas gerações presentes. A bem dizer, nas gerações que despontam, só se deixam governar pela moral fragmentária do século passado os insuficientes, os displicentes, os indiferentes. (….)
“Como o Apóstolo Pedro disse do próprio Cristo Jesus, de cada congregado mariano se poderá escrever um dia: passou pela vida praticando o bem”
Pregadores infatigáveis do grande ideal
As falanges marianas são, no Brasil, um exército quase inumerável de moços que, em um combate de todas as horas e de todos os minutos, pugnam pelo Cristo e pela civilização, contra o mundo contemporâneo que rola pelo abismo da anarquia, impelido pela força de seus próprios vícios. (…)
Pela palavra, pelo exemplo, pelo estudo, o Congregado Mariano é um pregador infatigável do grande ideal pelo qual vive. Indiferente à admiração de alguns como ao desprezo de muitos, ele segue o seu caminho invariavelmente reto, cumprindo o dever, amando o próximo, amando a Pátria, servindo a todos os semelhantes, por amor de Deus. De sorte que, na sepultura de cada Congregado Mariano, a Pátria possa escrever um dia, como epitáfio, aquelas palavras admiráveis que o Apóstolo disse do próprio Cristo Jesus (At 10, 38): Pertransivit benefaciendo (Passou pela vida praticando o bem).
Mas o amor ao bem tem como corolário necessário o ódio ao mal. O Congregado Mariano é um inimigo irredutível do mal. Onde muitos se calam, onde tantos se acovardam, onde quase todos silenciam, a voz do Congregado Mariano se ergue altiva e denodada, para estigmatizar o mal, para desmascarar seus partidários, para contrariar os ardis dos inimigos da civilização. Com a mesma indiferença com que enfrenta hoje os sarcasmos e as perseguições, enfrentará amanhã os canhões e as baionetas. Não há barreira que seu idealismo não vença. Não há dificuldade que sua abnegação não supere. Não há obstáculo que prevaleça contra a sua tenacidade enérgica e invencível.
(Excertos do discurso publicado em “Echos”, nº 29, de 22/11/1936)