Igreja de Santa Cecília, onde Plinio foi batizado

Ao comemorar, em 1980, o aniversário do seu Batismo, Dr. Plinio fez uma valiosa explicação do efeito deste Sacramento: uma participação na Vida divina.

No Reino de Maria, nenhum costume será mais adequado do que cada pessoa festejar com grande solenidade a data de seu Batismo.

Porque o ser de uma pessoa, no sentido natural da palavra, lhe vem no dia em que é concebido e tem um determinado fim: conhecer, amar e servir a Deus nesta Terra e dar-Lhe glória no Céu. É pelo Batismo que o indivíduo se encaminha para esse fim, tornando-se membro da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, elevado à ordem sobrenatural, convidado para os mais altos cumes da santidade, do heroísmo, da grandeza de alma.

Se alguém pudesse ter noção do que se dá com ele no momento do seu Batismo, tenho a impressão de que, sem um auxílio especial da graça, desmaiaria ou até perderia a vida! Porque ocorre nada mais nem menos do que o seguinte: a pessoa vive de sua vida natural e, pelo efeito desse sacramento, Deus lhe infunde um dom criado — a graça —, que é uma participação da própria vida divina. Dessa forma, ela é elevada a um nível como o maior rei, imperador, gênio, ou o homem mais glorioso da História não poderiam ser alçados por sua própria natureza nem pelos seus méritos.

Ao consumar seu Holocausto no alto da Cruz, Jesus redimiu o gênero humano e assim conquistou-nos a graça do batismo

Vitral representando o sacramento do Batismo – Catedral de Chartres, França. Na página da direita: Dr. Plinio na década de 80; ao fundo, Crucifixo da Igreja das Carmelitas – Barcelona, Espanha.

Imaginemos um guerreiro impávido que, partindo dos desertos gélidos da Sibéria, atravessasse a Ásia em diagonal e chegasse ao Mar Vermelho, vencendo povos, derrubando tiranos, erguendo principados, instituindo coroas, suscitando o gênio de artistas, de músicos, de engenheiros, de arquitetos para realizarem grandes obras que perpetuassem a lembrança dos seus feitos militares. Suponhamos ainda que fosse bem recebido por todos os povos que, transidos de admiração por tão grande herói, lhe tributassem todas as honras.

Isso não é nada em comparação com uma criança, sem mérito, sobre a qual o sacerdote, derramando água, diz: “Ego te baptizo in nomine Patris, et Filii, et Spiritus Sancti. Amen!”.

Enquanto o sacerdote pronuncia aquelas palavras, no Céu as três Pessoas da Santíssima Trindade atuam simultaneamente e lhe comunicam a graça, passando ela a pertencer ao Corpo Místico de Cristo.

Por que tão grande prêmio para quem nada mereceu?

Pelo simples fato — mas que fato, mas que fato supremo! — de que o Verbo se fez carne e habitou entre nós, nasceu das entranhas puríssimas da Virgem Maria, morreu sob o poder de Pôncio Pilatos para nos redimir, ressuscitou e subiu aos Céus. É essa a concatenação dos acontecimentos que são, a perder de vista, o píncaro da História!

Após ter passado por tantas dores, Jesus do alto da Cruz disse: “Consummatum est”.(…) Et inclinato capite, tradidit spiritum — E tendo inclinado sua cabeça entregou sua alma. Naquele momento Ele remiu o gênero humano e conquistou para nós a graça do Batismo.

Compreendemos, então, o significado da data do seu Batismo para uma pessoa que reflete sobre o fato com olhos de Fé. E quanta gratidão deve ter para com Nossa Senhora, que é a Medianeira de todas as graças e lhe obteve esse dom.

Quando criança eu ouvia mamãe falar a respeito de Nosso Senhor, Nossa Senhora, enfim, ensinar as noções de religião que as mães dão para seus filhos. Lembro-me de que ia tomando aquilo com tanta naturalidade e inteira aceitação, que me parecia a própria evidência. De vez em quando, eu tinha uma surpresa mas sem sobressalto. Como uma pessoa que, navegando num rio muito bonito, de repente este dá uma volta, aparece um panorama novo e ela exclama: “Oh! Que bonito! Não pensei que fosse encontrar coisa tão magnífica!”. Assim era o estado de minha alma.

“Quando, olhava para a Imagem do Sagrado Coração de Jesus que ficava no quanto de mamãe eu pensava: ‘Ele tem o jeito dAquele que ensinava aquela doutrina! Para fazer aquelas coisas só sendo esse homem!’”

Imagem do Sagrado Coração de Jesus que Dona Lucilia conservava em seu quarto.

Por exemplo, quando mamãe contava fatos sobre Nosso Senhor Jesus Cristo, eu olhava depois uma imagem do Sagrado Coração de Jesus que há no oratório do quarto dela; não me punha nenhuma interrogação em tudo que ouvira e pensava: “Como Ele tem o jeito dAquele que ensinava essa doutrina! Para fazer aquelas coisas só sendo esse Homem! E esse Homem só podia fazer coisas daquelas! É de fato o Homem-Deus”.

Eu tinha apenas uma pequena surpresa, que não era nenhuma dúvida, e cogitava: “Vou conferir essa Face com todas as faces que conheço, a partir da minha. É difícil compreender como, dessas matérias-primas que são nossas faces, pode a própria onipotência Divina tirar uma Face tão esplêndida como é a de Nosso Senhor! Que Divino! Como se deve ser assim! Que padrão! Que perfeição! Que incomparável!”.

Começava a imaginá-Lo lecionando tal parábola, tal outra, e olhava a face da imagem, não para verificar se conferia, mas para admirar como conferia. Depois, morrendo na Cruz, e via como aquele rosto sagrado era capaz de exprimir tudo quanto os Evangelhos narram tão magnificamente.

E dizia para comigo mesmo: “Aparecer sobre o Lago de Tiberíades, caminhar sobre as ondas, deixar os Apóstolos pasmos porque se transfigurou…. Que Varão!

Isso se passava em mim de um modo meio subconsciente; naquele tempo eu sentia mas não conseguiria explicitar como faço hoje.

Recordo-me da primeira vez em que vi uma pessoa ímpia dizer perto de mim: “Mas, afinal, quais são as provas da divindade de Jesus?”.

Eu era muito pequeno e não ousei discutir com ela. Porém, tive um movimento interno para responder-lhe: “Mas você ainda precisa de provas?! Onde está sua cabeça? Que uso você faz dela? Não entendeu que isto é assim?”.

A mim isso parecia tão natural! Eu não me dava conta de que essa flexibilidade de raciocínio, lucidez de espírito para as coisas de Deus, faz com que uma criança inocente alcance o que um homem adulto não é capaz de alcançar. Porque foi elevada à ordem sobrenatural, e tem uma participação da vida divina, existe nela um como que feeling [sensibilidade] especial para tudo quanto é verdadeiro, bom e belo.

Quer dizer, há no fundo de seu espírito uma como que tintura-mãe de tudo quanto é verdadeiro, bom e belo, por onde é levada a voar naquela direção e a incompatibilizar-se de morte com o que conduz no rumo oposto.

Tudo isto eu amo porque tenho Fé. E tenho Fé porque a graça ma deu. E recebi a graça porque fui batizado há 71 anos na igreja de Santa Cecília, a rogos de Nossa Senhora.

Se eu não tivesse Fé — do que Deus me livre! —, se a graça não me tivesse dado esse dom, os que estão neste auditório não me reconheceriam. E eu também não os reconheceria se não tivessem Fé. Quem perde a Fé fica inteiramente outra pessoa.

E essa é a dádiva inapreciável que a cada um foi dada no dia de seu Batismo. Dela nascem todas as outras. É-se puro, é-se honesto, é-se forte, é-se, enfim, um varão de Fé, é-se tudo isto porque se recebeu essa graça. E esse dom nos foi concedido porque Nosso Senhor sofreu até o “Consummatum est!”. E Nossa Senhora ofereceu seu Filho ao Padre Eterno no momento em que Jesus também se oferecia como vítima pelos nossos pecados!

Esta é a visão que devemos ter a respeito de tal dia. Uma alma reta, sentindo entrar em si a mentalidade católica tem um gáudio mais ou menos comparável ao que teria uma vela de ótima qualidade, feita com a melhor cera de abelha e com o pavio mais forte e afilado que se possa imaginar, quando pela primeira vez lhe comunicam o fogo.

Se uma vela pudesse se alegrar, ao ser acesa ela se rejubilaria, porque afinal está sendo utilizada, começou a realizar o seu destino enchendo a sala de luz.

Muito mais a pessoa que adquire a Fé: o lumen fidei se acende e ela percebe que começa a iluminar os outros.

Compreendemos assim tudo quanto devemos de reconhecimento, devotamento e entusiasmo por Aquele e por Aquela que, um como Redentor e outra como Co-redentora, nos conseguiram esse dom incomparável.

Extraído de conferência em 7 de junho de 1980