Na esfera sobrenatural, há momentos em que à vontade resta apenas dobrar reverentemente os joelhos, submetendo-se aos desígnios da Providência. Assim se passa com as graças que recebemos de Deus: nos são dadas gratuitamente, sem mérito algum de nossa parte. Tratando sobre este tema, Dr. Plinio nos traz valiosos princípios.
Depois da culpa original, a natureza humana não raras vezes é levada a atribuir a si própria as boas obras que executou.
Imaginemos um exemplo: No alto de um púlpito está um pregador, o qual fala para um público que o ouve contrito e devoto.
O orador está — como Moisés no alto da montanha — vituperando contra os pecados, censurando os erros, increpando as doutrinas falsas, abatendo as heresias. Evidentemente, se estabelece uma diferença entre ele e os ouvintes. Ele faz o papel de homem puro, santo, imaculado como a hóstia que vai ser oferecida no altar; ele censura os outros pela vida má que levam; ele é um homem que foi separado dos outros, por Deus, para ser o sal e a luz do mundo (Mateus 5,13).
Entretanto, este sacerdote cometerá um erro se julgar que a sabedoria de suas palavras nasce dele mesmo, pensando: “Vejam como eu sou bom: tirei das profundezas de minha personalidade, a energia e a lucidez para pensar acertadamente e trilhar o bom caminho. Realmente, minha natureza pessoal foi dotada por Deus de recursos admiráveis, mas eu sou o dono das qualidades naturais que Deus me deu; usei bem delas e as aumentei. Fui bom o suficiente para valorizar meus talentos, e por isso Deus me premiará.”
Qual é o erro deste raciocínio?
É o de esquecer-se que todo homem é concebido no pecado original e, por isso, é débil por natureza. E, assim sendo, sobrenaturalmente falando, por suas forças próprias não pode produzir nada de bom.
O fato de sermos herdeiros de Adão e Eva põe em nós um “fermento” que nos leva frequentemente ao mal, criando assim, em nós, uma tendência estável e permanente para o pecado.
Com a correspondência à graça, tornamo-nos verdadeiros heróis católicos, capazes de todas as audácias, de todas as coragens, de todas os martírios, de todas as investidas e de todas as vitórias.
À menor ocasião de pecado, o homem sente-se solicitado. Tal solicitação é tão forte que, por sua simples natureza, não é possível à pessoa permanecer durante um tempo razoável, fora do estado de pecado mortal.
Sem a graça de Deus não temos força para praticar a virtude
Assim também com o nosso pregador: Se não contasse com a graça dada por Deus, seria um celerado, um criminoso.
A graça é uma luz dada ao intelecto que nos ajuda a ver a verdade, uma força dada à vontade que nos ajuda a querer o bem.
Sem a graça, o homem pode praticar algumas virtudes isoladamente, porém, nunca em sua totalidade. Sem essa assistência de Deus, o homem não terá a capacidade de cumprir estável e duravelmente os Dez Mandamentos.
A graça de Deus é dada ao homem sem que ele a mereça; ela é um espontâneo ato da misericórdia do Criador. Foi por livre e espontânea iniciativa, que Deus deu a fé para o pregador crer, e a força para ele praticar os Dez Mandamentos.
A graça atual não entra no homem à maneira de uma injeção fortificante que um médico coloca na veia do doente. Esta se incorpora ao doente e passa a ser uma propriedade de seu sangue, de maneira tal que tomada a injeção, o paciente não precisa mais do médico. A graça não é assim, ela é renovada a todo o momento, dando-nos a capacidade de praticar a virtude de um modo que nossa natureza, por si só, não seria capaz.
Em síntese, o homem não é a origem e o ponto de partida da santidade que ele possa ter, mas sim, ele é santificado pela graça que vem de Deus. Aceitando essa bondade de Deus, a graça penetra em nós e nos modifica. Mas, é preciso ter presente que foi a graça que operou esta modificação.
Para aceitar a graça, é necessária outra graça
Alguém dirá: “Mas, Doutor Plinio, essa aceitação não tem certo mérito?” Eu digo: “Tem, mas a força para aceitar a graça vem da graça.”
Dou um exemplo:
Imaginemos um doente que se encontra no último estado de prostração, de abatimento, devido a uma doença que lhe faz manter, constantemente, os lábios cerrados. Um médico dá-lhe um fortificante e, ao mesmo tempo, ajuda-lhe a abrir a boca para que ele possa engolir o remédio. É evidente que se o paciente não tivesse colaborado com o médico, não se beneficiaria do remédio; mas, se não fosse para tomar o remédio, ele não teria sequer tentado abri-la.
Isto nos faz compreender qual é o papel do livre arbítrio e da graça em nossa vida espiritual.
Deus, na sua infinita bondade, não nos dá apenas graças suficientes, mas, nos dá também graças que vão muito além delas: as graças eficazes. Esta é um tipo de graça, a bem dizer, avassaladora, que o homem recebendo, certamente, não resiste.
Isso não quer dizer que o homem não tenha mérito em aceitá-la. O mérito da aceitação da graça não vem só do sacrifício que o indivíduo fez para a aceitar, mas também de uma certa disposição fundamental da alma, sempre inerente ao convite da graça, pela qual o indivíduo renuncia-se a si e dá-se a Deus. E isso sempre constitui um mérito, porque descolar-se de si e entregar-se a Deus é sempre doloroso para qualquer criatura no estado de prova em que nos encontramos. Sempre existe a possibilidade de o homem rechaçar as graças enviadas por Deus, não há graça que o homem, absolutamente falando, não tenha possibilidade de repelir.
A graça nos torna capazes de todas as audácias
A trajetória da graça na vida de alguém é mais ou menos a seguinte:
Na medida em que uma criança batizada atravessa os vários estágios da infância, e a luz da razão nela vai se desenvolvendo, a graça a vai iluminando e robustecendo, de modo que, com o passar do tempo, sua vontade vai se tornando mais forte.
Esta criança, quando corresponde à graça, faz-se um herói católico, capaz de todas as audácias, de todas as coragens, de todos os martírios, de todas as investidas e de todas as vitórias.
Há, portanto, uma batalha constante que é travada em nós: De um lado, a ação do demônio, que nos quer levar para baixo de nossa natureza, ou seja, de mera criatura, a qual se apropria dos dons dados por Deus; de outro, a ação de Deus que quer nos levar para o Céu, e à ordem sobrenatural.
É o pêndulo de nossa vontade que está continuamente convidada por Deus para subir, pelo demônio para descer. Subir, descer. Subir, descer. Esta é a situação do homem.
(Extraído de conferências de 20/3/1970 e 11/5/1994)