No ano de 1937, entre os dias 3 e 6 de agosto, realizavam-se as festas do Senhor Bom Jesus de Pirapora. Ao longo dos anos, paralelamente à festa religiosa, havia se intensificado uma comemoração profana, com danças num local chamado Barracão. Tais festejos foram formalmente proibidos por ordem do então Arcebispo de São Paulo, D. Duarte Leopoldo e Silva.
“Certa vez, fui enviado a Pirapora por Dom Duarte, Arcebispo de São Paulo, a fim de acabar com os bailes populares e imorais que eram realizados por ocasião da festa do Senhor Bom Jesus.
“Dias antes da festa, Dom Duarte chamou-me e disse: ‘O senhor deve ir a Pirapora acompanhado de vinte soldados da polícia, com a incumbência de impedir, em nome da lei e por respeito ao culto, qualquer dança.’
“Ele não entrou em pormenores sobre o uso da força que o destacamento de polícia deveria fazer, porém acrescentou: ‘Não quero que façam violência, mas também não quero dar uma ordem para não fazê-la… Meu desejo é de que se estique a corda, porém sem arrebentá-la.’
“Quando cheguei a Pirapora, nas vésperas da festa, a cidade formigava de gente e, sendo eu o tesoureiro do Santuário, era tradição que a banda local tocasse para eu ouvir. Fui, então, ao terraço do hotel onde eu me hospedara a fim de ouvir as músicas. Eu percebi que as pessoas estavam me sondando para saber se eu ia consentir no baile.
“Mais tarde, o sargento que chefiava o destacamento apresentou-se, bateu continência e me disse: ‘Sou fulano de tal e estou no comando do destacamento que está à sua disposição. O senhor ordenando, sai até fogo!’
“Eu fiquei com a idéia de que o sargento estava favorável ao povinho, então pensei: ‘Vejo bem que meter fogo não posso — nem me passa pela cabeça — mas eu preciso pôr medo nessa gente.’
“Então disse-lhe: ‘Poste todo o pessoal como se fosse sair fogo; porém, não dê nenhum tiro sem falar comigo.’
“Ele ficou com a ideia de que, conforme o caso, eu mandaria atirar. Com isso devem ter pensado que a coisa era bravíssima.
“Passado algum tempo, alguém me procurou dizendo que uma comissão de festeiros queria falar-me. Quando me apresentei a eles, adiantou-se um velhinho meio coxo — andava de maneira que os dois joelhos se encostavam um no outro — e me disse, tirando o chapéu:
“— Doutor, faz favor, sou romeiro ‘véio’, há muitos anos não venho aqui sem minha festinha. Por favor, doutor, deixa ‘nóis dançá’!
“Eu respondi:
“— Dança, não! Terminantemente não. Todos têm liberdade para ir rezar, andar por onde quiserem, mas de dança não quero nem ouvir falar. Tenham isso bem entendido, de uma vez por todas: dança, não! E o comandante do destacamento tem as minhas instruções!”
“Na manhã seguinte, quando fui comungar, perguntei: ‘Então, dançaram?’
“Resposta: ‘Doutor, uma noite perfeitamente tranquila, ninguém dançou.’”
(Extraído de conferência de 21/2/1981)