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Rainha e Medianeira universal

Correlacionando dois especiais títulos de Nossa Senhora, Dr. Plinio discorre com grande profundidade sobre alguns pontos da doutrina mariológica, tirando dela conclusões para os dias atuais, bem como princípios para a vida de piedade.

Dentre os diversos títulos de Nossa Senhora estão dois que me parecem ser de especial importância, sobre os quais gostaria de fazer alguns comentários: Nossa Senhora Rainha e Maria Medianeira de todas as Graças1. Procurarei analisá-los juntos, pois, como se verá, ambos têm uma íntima relação.

Medianeira necessária, por livre vontade Deus

Pelo título de Medianeira de todas as Graças reconhece-se ser Nossa Senhora o canal das graças distribuídas por Deus, bem como o fato de ser através d’Ela que todas as súplicas sobem a Deus.

Antes de tudo, é importante frisar que Ela não é um canal necessário em sentido absoluto. Ou seja, absolutamente falando, Deus não precisa ter Nossa Senhora como medianeira.

Nosso Senhor Jesus Cristo é o único Mediador necessário e absoluto, entre os homens e Deus. Tendo Se encarnado, Ele Se fez Homem, tornando-Se o elo indispensável entre a humanidade e a divindade.

Ora, se a ordem das coisas determina que todas as graças dispensadas aos homens devem vir através de Deus Filho, a vontade de Deus dispôs que essas mesmas graças deveriam passar por Maria, sua criatura eleita. Então, Nossa Senhora é Medianeira por livre vontade de Deus.

Rainha porque medianeira

Do fato de Nossa Senhora ser Medianeira provém seu título de Rainha.

Deus, sendo Rei do universo, ao constituir Maria como Medianeira de todas as Graças e de todas as súplicas, outorgou-lhe o poder de governar. De tal modo que os desígnios e o governo de Deus sobre o universo podem ser alterados pelos pedidos e orações d’Ela. Ou seja, o reinado de Maria se torna efetivo através de sua Mediação Universal.

A mais excelsa dentre das criaturas

Nisso se vê o papel incomparável de Nossa Senhora no conjunto da Criação. Das meras criaturas Nossa Senhora é a mais alta, pois tudo o que existe, exceto Deus, está abaixo d’Ela.

Por sua vez, do fato de Nossa Senhora ser Rainha do Universo, decorre que Ela é também Rainha do gênero humano, uma vez que o gênero humano é, dentro do universo sensível, a realidade mais alta. Ora, sendo a alma do homem aquilo que ele tem de mais elevado, a realeza de Maria se exerce especialmente nas almas. Pois, a realeza sempre se exerce mais plenamente no que há de mais nobre num reino.

Por isso, bem caberia a Nossa Senhora o título de Rainha das Almas, ou então, o de Rainha dos Corações — o qual é especialmente considerado por São Luís Grignion de Montfort — e que equivale a dizer Rainha das Vontades.

Estes títulos de Nossa Senhora afirmam, em primeiro lugar, seu direito de possuir, de ser conhecida, amada e obedecida por todos os homens; em segundo lugar, seu poder de fazer valer tais direitos, de maneira a poder recompensar os que o reconhecem e punir os que o negam.

Assim, a direção das almas depende essencialmente de Nosso Senhor Jesus Cristo, mas também de Nossa Senhora, por vontade de Deus.

Deus, sendo Rei do universo, ao constituir Maria como Medianeira de todas as Graças e de todas as súplicas, outorgou-lhe o poder de governar. Ou seja, o reinado de Maria se torna efetivo através de Sua Mediação Universal.

Uma Rainha destronada?

Alguém poderia pensar o seguinte: No mundo de hoje, Nossa Senhora está como uma rainha exilada, ou como uma ex-rainha; completamente rejeitada pelos homens, Ela tornou-se uma Rainha destronada.

Este modo de pensar é um grande equívoco, pois Maria Santíssima é indestronável, e quando Ela aparenta ter sido destronada, no fundo, trata-se de uma punição. Portanto, até nessa circunstância Ela está reinando.

Explico-me: Nossa Senhora obtém de Deus graças suficientes2 em abundância para que as almas se salvem. Mas, a essas graças as almas têm possibilidade de rejeitar.

Porém, Nossa Senhora pode também obter-nos graças eficazes3 — as quais não se podem recusar —, e assim fixar as almas na virtude.

Um clássico exemplo disso é o de São Paulo ao ser derrubado do cavalo, na via de Damasco. Ele foi objeto de uma ação de fulminante graça, que é a graça própria à conversão, a qual os teólogos afirmam ser irresistível.

Isso, em última análise, equivale a dizer que se Nossa Senhora quiser Se fazer obedecer por todos os homens, Ela o poderia. E se não o faz é porque está agindo por desígnios superiores, em plena harmonia com os desígnios de Deus.

Ora, o fato de Ela não obter essa graça irresistível para os homens constitui da parte d’Ela uma punição, que no fundo é o exercício efetivo de seu poder de Rainha. Daí decorre que ainda quando os homens A abandonam, Ela não deixa de ser Rainha.

O “Segredo de Maria”

Portanto, ainda que por vezes não o faça, Ela pode determinar que os homens não A abandonem. Essa graça especialíssima, que age por cima da vontade humana, fazendo a alma progredir e se converter, é o que São Luís Grignion de Montfort chama de “Segredo de Maria”. Pela ação de tal graça a pessoa não deixa de ser inteiramente livre, mas, sendo tão prodigamente iluminada e auxiliada, torna-se incapaz de escolher o erro e o pecado. Pois a verdadeira liberdade é a possibilidade de escolher o bem; pelo contrário, a possibilidade de escolher o mal se chama libertinagem.

Quando Nossa Senhora, por razões misteriosas, obtém para alguém esta graça que trabalha a alma, transformando-a e fazendo-a florescer, dá-se com ela algo análogo ao que se deu com a água que, por sua intervenção, transmutou-se em vinho nas bodas de Caná.

Sergio Hollmann
Bodas de Caná – Catedral de Notre Dame, Paris.
Plinio quando menino.

Nossa Senhora intercede junto a Nosso Senhor, o Qual, impossibilitado de recusar um pedido de sua Mãe, pronuncia sobre nossas almas uma palavra que as transforma no mais saboroso dos vinhos.

Tais são as extraordinárias graças que podemos receber de Deus se o pedirmos por intermédio de Maria.

Simbolizar materialmente realidades espirituais

Há um modo de manifestar os desejos a Nossa Senhora que muito especialmente me atrai, mas que infelizmente tem se tornado cada vez mais raro. Ele me agrada, sobretudo, por atender a uma necessidade natural do homem, o qual, por ser composto de corpo e alma, tende a procurar expressar através de formas sensíveis e materiais os movimentos de seu espírito. Normalmente isto se realiza através de gestos do corpo, mas pode também ser praticado de outras formas.

Uma delas encontramos no costume de acender velas aos pés de uma imagem. Elas ardem até consumirem-se por inteiro em louvor a Nossa Senhora, simbolizando assim a pessoa que durante toda a sua vida se imola para louvar Maria Santíssima.

Quando Nossa Senhora obtém para alguém esta graça que trabalha a alma, transformando-a e fazendo-a florescer, dá-se com ela algo análogo ao que se deu com a água que, por sua intervenção, transmutou-se em vinho nas bodas de Caná.

A vela quando acesa com este intuito torna-se um símbolo material da oração. O mesmo pode-se dizer a respeito da lamparina junto ao Santíssimo Sacramento, e do incenso, bem como de muitas outras coisas.

Lembro-me, por exemplo, de um ato de piedade que eu vi por primeira vez no Colégio São Luís, quando eu ainda era muito menino: em determinadas ocasiões, geralmente numa festa mariana, as pessoas escreviam num bilhete um ou mais pedidos, os quais eram depois reunidos e queimados de modo que a fumaça que deles se desprendia simbolizava as preces que sobem aos Céus, chegando a Nossa Senhora.

Isso, evidentemente, é um mero símbolo, pois não há de se imaginar que a fumaça em sua materialidade suba realmente até o trono de Nossa Senhora; porém, tal gesto representa de modo palpável algo de imaterial que são os desejos que temos na alma. Deste modo, de certa forma, contribui para tornar mais plena a nossa oração.

Por outro lado, isso certamente ajuda a que a oração seja mais bem recebida por Nossa Senhora, pois, apesar de simbólica, tal prática tem um valor efetivo.

O “Segredo de Maria”

Analisando tudo quanto São Luís Grignion de Montfort diz sobre Nossa Senhora, o que mais me agrada é a doutrina sobre o “Segredo de Maria”, a qual foi matéria de um de seus livros.

Embora ele não tenha encontrado uma explicação completa para tal “Segredo” — caso isso se desse não lhe caberia mais o título de segredo! —, pelo que neste livro está dito, ele parece consistir numa forma misteriosa de união com Nossa Senhora, a qual faz com que a alma progrida rapidamente.

Tal fenômeno constitui a mais alta e sublime escala sobrenatural na vida do católico, assim como da ação de Nossa Senhora sobre as almas. Por este “Segredo” chega-se a um excelso grau de conhecimento acerca de Nossa Senhora. Trata-se, portanto, de uma forma de aliança de Nossa Senhora com as almas, pela qual Ela atua de modo especialíssimo, tornando mais fácil e frutuosa a vida espiritual e a obtenção de seus fins.

Para dar um exemplo do que pode ser isso, consideremos o seguinte:

Dom Chautard conta o famoso episódio ocorrido com certo advogado que foi a Ars a fim de conhecer São João Maria Batista Vianney. Ao retornar, perguntaram-lhe o que lá havia visto. Ao que ele respondeu: “Eu vi Deus num homem.”

Ou seja, à vista de São João Maria Vianney, transbordante de graça e virtude, aquele homem, arrebatado, compreendeu tratar-se de uma ação de Deus. Nas extraordinárias qualidades de São João Maria Vianney filtrava a ação da graça, pela qual se podia chegar ao conhecimento de Deus.

Nota-se nesse fato uma ação especial de São João Maria Vianney sobre aquele homem. Trata-se da graça de Deus atuando em São João Maria Vianney, que de algum modo se transmitiu à pessoa que o viu. Misteriosamente, a pessoa recebe uma participação da graça que há no outro.

Creio que com o “Segredo de Maria” dá-se algo semelhante. Pela vontade de Maria, em certo momento o espírito d’Ela passa a habitar uma pessoa, e a graça que há n’Ela toca-lhe a alma, dando-lhe um prolongamento de suas virtudes.

Ora, pelo próprio livro de São Luís Grignion tem-se a impressão de que, por uma ação misteriosa de Nossa Senhora, ao lê-lo adquire-se uma especial comunicação das virtudes da Santíssima Virgem.

Parece-me também que o “Segredo de Maria” pode atuar estável e fixamente numa alma, de tal modo que ela passa a participar habitualmente da vida sobrenatural de Nossa Senhora. Assim talvez de modo ainda mais radical do que o próprio São Paulo disse a respeito de Nosso Senhor Jesus Cristo, a alma que vive nesta união pode afirmar: “Já não sou eu que vivo, mas é Maria quem vive em mim.”

Isto é, evidentemente, a mais alta forma de união que se pode ter com Deus. Pois, quanto mais se está unido a Nossa Senhora, mais se está unido a Nosso Senhor Jesus Cristo.

Portanto, é muito oportuno pedirmos a Ela que nos conceda seu espírito, bem como a comunicação de suas graças de modo estável, de modo a sermos verdadeiros prolongamentos d’Ela.

(Extraído de conferência de 2/5/1993)

O efetivo valor de um símbolo

Este valor é análogo ao da oração de uma pessoa que, contrita aos pés de um Crucifixo, chorasse seus pecados e com suas lágrimas umedecesse os pés do Crucificado. Evidentemente, o pranto vertido sobre a imagem não molha os pés de Nosso Senhor no Céu; entretanto, pelo fato de as lágrimas molharem os pés da imagem de Cristo, de certa forma, se torna efetivo o gesto de banhar com lágrimas os pés adoráveis de Nosso Senhor.

Da mesma forma, o ato de apresentar os pedidos a Maria Santíssima escritos num bilhete para ser queimado e oferecido a Ela, quando feitos com espírito de piedade, tem realmente muita profundidade e por isso mereceria ser perpetuado.

Muitas são as formas que temos para oferecer nossos pedidos a Maria. Seja qual for a que adotamos, o essencial é recorrermos sempre a Nossa Senhora Medianeira Universal, pedindo que Ela nos alcance de Deus a especialíssima graça de termos nossa alma inteira, irresistível e misteriosamente transformada, tal como a água nas bodas de Caná, para assim sermos verdadeiros súditos da Rainha do Universo e inteiramente conformes aos seus sapienciais desígnios.

(Extraído de conferência de 31/5/1971)

1) Sobre a Mediação de Nossa Senhora, conferir a Encíclica Redemptoris Mater (38-41).

2) Graça suficiente: Graça atual que age unida ao esforço de quem a recebe. (Cfr. Pe. Garrigou-Lagrange, Les Trois Ages, pp. 116-121.)

3) Graça eficaz: Graça atual que, passando por cima das insuficiências da natureza humana, produz o ato sobrenatural em vista do qual foi concedida. (Idem)

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