jueves, noviembre 7, 2024

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Inteiramente justa, extramamente bondosa…

Mais do que os fatos da vida quotidiana, Dr. Plinio analisava em Dona Lucilia a sucessão de estados de espírito. Às vezes, em pessoas censuráveis ela encontrava qualidades e delas se tornava advogada. Em seu senso de justiça, a bondade vinha como acréscimo.

A vida de Dona Lucilia se passava mais numa sucessão de estados de espírito do que num conjunto de ações. Ela levou, única e exclusivamente, a vida de uma dona de casa de seu tempo: pequenas obrigações sociais e domésticas.

Embora possuísse uma constituição física forte, mamãe era muito achacada de doenças, indisposições. Ela viveu 92 anos, mas sempre enferma e obrigada, portanto, aos cuidados, limitações e regimes de uma pessoa doente. É dentro disso que a alma dela se manifestava.

Lógica e bondade

Ela era uma pessoa que realizava, com precisão, exatidão, a aparente contradição de ser, ao mesmo tempo, muito bondosa e muito lógica. Em geral, se entende como bondade algo que entra, não no antilógico, mas, pelo menos, no não lógico.

Por exemplo, a oração em favor do adversário, à primeira vista, não parece lógica.

Uma pessoa “ploc-ploc”1 poderia fazer o seguinte raciocínio: “Tal indivíduo é meu inimigo, quer liquidar-me, e está passando mal à morte. Se eu pedir a Deus para ele sarar, ele fica curado e depois me mete uma porretada na cabeça. Que sentido tem isso? Não digo que vá pedir para ele morrer — é o impulso de muitos —, mas não rasgarei minha túnica devido à tristeza, se ele falecer; tampouco vou rezar para ele viver.”

Dona Lucilia era uma pessoa que realizava, com precisão, exatidão, a aparente contradição de ser, ao mesmo tempo, muito bondosa e muito lógica.

M. Shinoda
Dr. Plinio no fim da década de 1970.

Esse é um pensamento que Dona Lucilia não aprovaria.

O fio do pensamento parece muito lógico, mas poderíamos perguntar a essa suposta pessoa: Por que você coloca limites à bondade de Deus? Ele não pode sarar de alma e corpo seu inimigo? Ou permitir, por exemplo, que ele venha em cima de você, para lhe fazer sofrer um tanto por amor a Deus? Assim você não acabaria conquistando uma alma para Nosso Senhor? No balanço estreito e vulgar de seus interesses pessoais, sua atitude é bem lógica, porém a premissa não está errada? Existe só você? Nas relações entre você e seu inimigo, não existe Deus? Ou é o Criador que existe principalmente, e ele e você são duas meras criaturas? Sendo assim, procure o interesse de Deus!

Senso de observação…

A lógica de Dona Lucilia coincidia com um senso de observação curioso, o qual não fazia dela um Sherlock Holmes2. Mamãe muitas vezes se iludia a respeito das pessoas. Mas, às vezes ela pegava o lado ruim de um indivíduo com um discernimento espantoso, quando ele não tinha dado nenhuma manifestação disso.

Lembro-me de um amigo a respeito do qual ela me desaconselhou. Perguntei-lhe: “Mas, por quê?” Ela disse: “Pelo jeito de ele pegar no garfo…”

Eu não dizia nem sim, nem não, porque não queria que ela ficasse alarmada. Mas havia necessidade de apostolado com essa pessoa chegada a mim, e eu, portanto, a suportava de olho vivo. E percebia na prática de todos os dias como mamãe tinha razão.

Essa pessoa tem quase minha idade, passou a vida no teatro, ou seja, “teatrando” para o mundo, e já vai saindo para o outro lado do palco; egoísta, egoísta…

Pintura a óleo representando Dona Lucilia aos 92 anos de idade.

…não só para perceber defeitos, mas também qualidades

Dona Lucilia revelava seu senso, não só em pegar defeitos, mas também, às vezes nas pessoas mais censuráveis, algumas qualidades e se transformava em advogada delas.

Não eram qualidades comuns, que se alega comumente, “Ele é bonzinho”, mas do seguinte gênero:

Eu, por exemplo, “truculentizava” contra os defeitos de alguém. Raras vezes ela me dizia: “Você tem razão!”

Mas, quando havia cabimento, ela afirmava: “Filhão, é verdade! Mas, você note tal lado: apesar de tudo, ele é, por exemplo, muito franco. Muita gente, que não tem esses defeitos, é mais falsa do que ele. E essa franqueza tem seu valor. Você, quando falar de todos os defeitos dele, lembre-se de dizer também que é muito franco.”

E nisso ela manifestava seu senso de justiça. Nunca tomava uma atitude apaixonada, por onde se pudesse dizer que ela foi injusta com outrem. Absolutamente não. Sempre justa, justa, justa.

E a bondade vinha como acréscimo. Quer dizer, ainda que uma pessoa não prestasse para nada, fosse muito à toa, mamãe rezava por ela, suportava-a, enfim, fazia o bem que coubesse. Esse é o papel da misericórdia.

(Extraído de conferência de 4/2/1981)

1) Expressão onomatopeica criada por Dr. Plinio para designar o defeito de certas pessoas que, desprovidas de intuição, minoram a importância dos símbolos e negam o valor da ação de presença. Querem tudo explicar por raciocínios desenvolvidos de modo lento e pesado, à maneira de um paralelepípedo que, ao ser girado sobre o solo, emite o ruído “ploc-ploc”.

2) Sherlock Holmes: Detetive fictício, famoso por seu astuto raciocínio lógico, sua capacidade de assumir qualquer disfarce, e seu uso da ciência forense com habilidades para resolver casos difíceis.

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