domingo, noviembre 24, 2024

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O mais belo mar! – II

Após descrever vários tipos de embarcação, Dr. Plinio prepara os ouvintes para o tema de sua conferência: a Metafísica. Transportando-nos da vida quotidiana para outros horizontes, ele nos faz velejar pelos mares da Filosofia.

Duas ideias ficam em nosso espírito: a de nau e a de homem. Existe imensa variedade de naus e imensa variedade de homens.

Diversidade de homens

Só num gênero de atividades humanas, a navegação, quanta diversidade de homens! Desde o comandante preciso, seguro, técnico, habilitado e competente dos últimos transatlânticos, até o antepassado dele, o velho viking de bigode louro comprido, com trancinha, olhos azuis injetados, perscrutando os mares e adivinhando, em meio às penumbras, os caminhos, sem bússola nem nada.

Que diferença entre esse bárbaro pagão, capaz de arrancar um carvalho com as mãos, e São Luís manejando sua espada de ouro, todo refulgente de luz, como se ele mesmo estivesse vestido de sol para combater entre os homens! São Luís católico, São Luís santo, São Luís da Sainte Chapelle, que ascensão! Dele para os navegantes descobridores, quanta diferença! Apenas quanto à psicologia, que diferença entre um tipo de homem e outro!

Os espíritos se bifurcam

E nosso espírito, então, fica maravilhado. Há duas espécies de espírito: os insaciáveis de admirar e os que se cansam de admirar.

Se eu declarasse que está terminada a reunião, as pessoas que têm espírito insaciável de admirar diriam: “Não! Admiramos, todos juntos, tantas coisas! Não cortemos assim de repente esse tecido! Vamos continuar ao menos até que a peça tenha se desdobrado por inteiro e o seu esgarçado final nos indique que ela acabou.”

Mas há espíritos preocupados apenas com coisas concretas. Tais indivíduos querem saber se está frio lá fora, se trouxeram lenço, pois são capazes de espirrar. E se espirrarem, o que pode acontecer… Enfim, preocupam-se com probleminhas sobre os quais nem vale a pena falar.

Quando algum deles consente em achar graça naquilo que nós estamos meditando juntos, ele o faz por instantes porque logo tem saudades do terra a terra, daquilo que se pega com as mãos, que se cheira com o nariz, que se degusta com a boca; ou que dá dinheiro, conforto, segurança, saúde. Todos esses veleiros, para ele, ficaram para trás e nós fazemos papel de poetas. Para eles o ser é só o que se apalpa, traz vantagens materiais, nutre e agrada o corpo e prolonga a vida.

Para as pessoas admirativas, pelo contrário, as coisas práticas existem para que o corpo não amole e o espírito possa livremente musicar, voar. Indivíduos assim não querem a cadeira para estar bem sentados, mas para esquecer que têm corpo e pensar, pensar, pensar. E, neste auditório, nós somos no momento como um grande transatlântico povoado de espíritos desses. Acabamos de navegar pelos mares da História e pela limitada história da navegação. Consideramos homens, embarcações e nem vos falei dos litorais e dos outros povoadores dos mares, os piratas e os aventureiros, os berberes, etc. Deixo tudo de lado para não tornar por demais extenso o quadro.

Fotos: G. Kralj; F. Lecaros; S. Hollmann.
Francisco Pizarro, conquistador do Peru – Praça Maior de Trujillo, Espanha.

O espírito admirativo, depois de pensar em todas essas coisas, diz: “Há mais algo… Todas essas embarcações são belas. Só poderia haver essas ou seriam possíveis outras? Não haverá uma arquiembarcação, que requinte essas embarcações em tudo?”

Então, mais uma vez, os espíritos se bifurcam.

O indivíduo que tem espírito admirativo começa a compor uma embarcação, não para que nela fosse gostoso viajar, mas que o enlevasse. Ele tem dotes artísticos e desenha uma embarcação de um gênero inteiramente novo. Fica contente e guarda o desenho numa gaveta.

Para mostrar a alguém? Não, ainda que os outros admirem. Ele engendrou um tipo ideal de embarcação, que exprime a alma dele. É quase como ele feito embarcação! Ele se definiu para si mesmo, como um guerreiro viking se definia para si mesmo nas volutas e nas formas da proa de seu barquinho; aquilo era o gráfico de um temperamento. Ou como um descobridor espanhol ou português se definia no esplendor das velas enfunadas pelo vento, um grumete, em cima, naquele cestinho espiando os mares.

Outros não têm talentos para isso e não compõem uma obra artística. Porque o talento artístico é um dom concedido por Deus, por onde o homem exprime de um modo simbólico e deleitável, admirável, aquilo que lhe vai dentro da alma. Mas há outros a quem Deus não deu esse talento; eles não exprimem o símbolo, mas ficam pensando. Eu me coloco entre esses.

Definindo o que é embarcação

Embarcação… Quantas embarcações! Depois de ter pensado em cada uma, elas se sobrepõem umas às outras e formam como que um caleidoscópio de embarcações.

Eu mexo na minha fantasia e as embarcações vão passando. Depois as pedrazinhas do caleidoscópio vão como que se fundindo umas nas outras, e vai aparecendo uma ideia da arquiembarcação, ou seja, da embarcação enquanto embarcação; é uma embarcação que não sei compor, mas da qual faço uma ideia sem formas, sem cores e nem nada de sensível. A embarcação em tese, a abstração.

É uma ideia de embarcação — e aqui está o engano de muita gente — que não corresponde meramente à definição. Nunca em minha vida pensei em fazer uma exposição sobre embarcações; estou tirando do meu caleidoscópio as figuras de embarcações e analisando pedrinha por pedrinha. Se eu fosse definir embarcação, eu diria — mais ou menos como deve estar no dicionário —: veículo aquático, destinado a transporte de passageiros ou de mercadorias.

Alguém dirá: “Por que o senhor não diz marítimo?”

— Porque tem os fluviais.

— Então por que o senhor não diz marítimo e fluvial?

— Porque há os lacustres, que navegam nos lagos.

Para ser uma verdadeira embarcação tem que ser um veículo para água. Então, veículo aquático está correto. Conceituada a embarcação em si — porque ela não é outra coisa —, vejamos agora qual é o seu fim. Especificada o que é uma coisa, bem como seu fim, está dada a sua definição. Uma embarcação é destinada ao transporte de homens ou de mercadorias. Está subentendido que pode levar uma coisa e outra, pois as mercadorias não viajam sem homens e, por razões econômicas, os homens não viajam sem mercadorias.

O espírito admirativo, depois de pensar na beleza que há nas embarcações, começa a compor uma que o enlevasse ainda mais.

Fotos: G. Kralj; F. Lecaros; S. Hollmann.
Cristóvão Colombo, descobridor da América – Barcelona, Espanha.

Então, está definida a embarcação. Mas, por um apanhado pouco feliz das coisas, tem-se a sensação semelhante à de uma pessoa que contempla uma bolha de sabão que pousa numa de suas mãos e, de repente, alguém fura essa bolha. E aquela armação lindíssima da bolha de sabão, com as cores do arco-íris, escorre ao longo das suas paredes externas e, na mão, ficam apenas umas gotinhas de água com sabão. O ar que estava dentro dela e lhe dava aquela contextura, um alfinete implacável liberou, e a bolha se desestufou.

Carruagens: bonbonnières para conduzir pessoas

Essas foram, um tanto ornadas, reflexões minhas feitas no passado — não especificamente sobre embarcações, mas sobre outras coisas —, que estou reapresentando aqui para entretê-los um pouco neste fim de sábado.

Não sei por que não exemplifiquei com carruagens, pois sobre elas eu fiz um raciocínio vagamente análogo a esse.

Ontem à noite, eu estava vendo fotografias de carruagens feéricas, mais propriamente bonbonnières para conduzir pessoas; havia também carruagens pretas, mas não desprovidas de elegância. Numa majestosa carruagem estavam o Rei da Inglaterra, Eduardo VII, e o Kaiser, percorrendo as ruas de Berlim. Que imensa variedade de carruagens havia!

O Museu dos Coches de Portugal é uma fábula. No palácio real de Madrid, que lindas carruagens! Nele há uma carruagem pequena, cor de gema de ovo, para carregar o Infante; que coisa maravilhosa!

Observando-as, eu tinha no meu espírito dois movimentos. Um consistia em querer ver todas as formas possíveis de carruagens para ficar vagamente — como uma espécie de som dos sons ou de nota das notas — com uma ideia genérica, difusa, que eu não seria capaz de exprimir artisticamente, de carruagem in genere. Uma carruagem que contivesse, em síntese, as belezas possíveis de todas as carruagens. Eu não seria capaz de pintá-la nem de esculpi-la, mas sim de intuí-la. De tal maneira que quando a visse eu diria: “Eis a carruagem!”

Talvez o carro, não a carruagem, em que Elias Profeta subiu ao Paraíso. Como deveria ser aquele carro? Pintam-no como uma biga romana comum, não sei por quê. Como poderia ter sido um carro adornado com asas de anjo? Ninguém imagina, é uma coisa fabulosa; fica-se com uma ideia vaga: o carro dos carros.

Quanta diversidade de homens há no gênero da navegação! Desde o velho viking até os navegantes descobridores, quanta diferença!

Fotos: G. Kralj; F. Lecaros; S. Hollmann.
À beira-mar, conquistadores observam a frota que se aproxima.

O ”gancho” da defininção

Mas depois de tudo isso considerado, há na minha alma, graças a Deus, algo como um gancho; ao mesmo tempo em que com a sensibilidade analisou, degustou tudo e chegou como que a um ápice imponderável e transcendente, minha alma tem certa vontade de deitar o gancho e definir: “Agora eu pego isso e o reduzo, numa ou em algumas palavras, num conceito sólido!” E depois de definir, penso: “É isto mesmo!”

E no meio de todas essas sensações, munido dessa definição, eu me sentiria como um guerreiro viking armado com sua lança.

O barco e o mar são lindos, mas na minha mão a definição é uma lança! Tal coisa, analisada, penetrada no seu âmago, assim se define. Dessa forma, eu sinto o poder de, com minha inteligência, atacar novas ideias e abrir novos continentes. Peguei algo, piso firme, respiro fundo e, para dizer numa palavra só, sou mais eu mesmo. Minha elucubração chegou até o fim.

O conceito de embarcação abrange também as suas variedades

Então, numa mente bem ordenada, qual é o papel da definição? É o da bolha de sabão que alguém desestufou? É! Mas não é só!

O conceito de embarcação, “veículo etc.”, abrange todas as variedades que as embarcações tomaram ao longo dos tempos. Essas variedades estão dentro do conceito, mais ou menos como as flores e os frutos estão dentro da árvore. É claro que se rasgarmos uma árvore não encontraremos o fruto dentro dela. Mas a árvore engendra a flor e o fruto; a capacidade de florescer e de frutificar jaz na árvore.

Nesse conceito vago, “veículo aquático para transporte de homens ou de mercadorias”, eu poderia acrescentar “correspondências”.

Veículo: quantas modalidades há!

Aquático: quantas formas de veículo aquático se pode imaginar!

Transporte: quantas espécies de transportes: de guerra, de comércio, de prazer, de gala, de ciência! Quantos objetivos a operação de transportar comporta!

Mercadoria: Que riquezas! Que tesouros! Que maravilhas! Quantos significados o termo “mercadoria” pode conter!

Homens: Que bandidos! Que missionários! Que heróis! Que santos! Que sábios! Que cientistas! Que nobres!

Então, com esse conceito reduzido ao mínimo, voltamos a passar a fita e vemos embarcação por embarcação. Começamos com o transatlântico de Porto Rico: Ah! É um veículo aquático. Tendo sido projetados os diversos tipos de embarcação, verificamos como a definição se aplica a cada um. Temos, então, a ideia construída, é o abstrato. A pura abstração coincide na nossa mente com aquela espécie de navio dos navios, que contém em si todas as formas de perfeições possíveis de todos os navios.

Continua no próximo número…

(Extraído de conferência de 10/11/1979)

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