viernes, noviembre 15, 2024

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Matriz do pensamento de Dr. Plinio

A consideração dos arquétipos foi uma das bases para a formação do pensamento de Dr. Plinio, chegando a constituir-se um verdadeiro mestrado, conforme ele mesmo expôs em uma conferência no ano de 1980.

Imaginem uma pessoa que tenha uma alma muito sensível a vários — vou usar a palavra em seu sentido antigo — ideais. Por exemplo, a certo panorama ideal , ou certa música ideal, considerado não aquele panorama, aquela música, mas aquilo elevado para uma clave de uma ordem de coisas que contém a quintessência delas, mas de fato não existe, é uma vue de l’esprit1.

G. Kralj

G. Kralj
Coleção de porcelanas do Museu Capitolini, Roma (Itália)

Princípio por trás da ordem ideal pensada

Quase todas as figurinhas de porcelana e esmalte do século XVIII, por exemplo, representam marquesinhas, pastorzinhos, pastorinhas, carneirinhos, horizontes cor-de-rosa, azul-claros etc., que não pretendem ser uma descrição da vida do campo ou da sociedade daquele tempo, mas seus autores imaginaram aquelas coisas numa ordem transesférica2 de uma determinada maneira. Pode-se achar que eles não as desenharam com o senso católico necessário ­— esse é outro problema. Eles imaginaram uma ordem de coisas que, aprofundando-se, dá numa espécie de absoluto, que seria a delicadeza.

Eu creio que essa concepção é a própria matéria prima da inocência, do senso do ser e da tendência para o metafísico. E uma alma que não tenha o senso disso, perde completamente as suas possibilidades de elevação.

Sérgio Miyazaki
Dr. Plinio no início da década de 1990. No detalhe, aos 4 anos

Lembro-me de um bibelô que representava uma senhora do Ancien Régime3, com um grande véu de tule, dando de comer a um papagaio que saía da portinhola de uma gaiola. O jeito da senhora e o próprio modo do papagaio bicar o pedacinho de pão na mão dela, tudo visava ser muito delicado. Eram mil comentários diversos de uma certa ideia central: delicadeza. Uma ordem de coisas tão delicada assim não existia; a vida cotidiana poderia ter reflexos disso nessa ou naquela pessoa, mas não era essa ordem de coisas.

O importante é não só a ordem ideal pensada, mas um princípio que está por detrás dessa ordem: a delicadeza. Esse princípio figura transluzindo nas pessoas; e o artista o representa como existindo em si.

Digamos que a delicadeza fosse considerada como ideal para um certo círculo de pessoas. Esse ideal de delicadeza acabaria agindo no interior de suas almas como se fosse uma pessoa e teria uma influência à maneira da influência pessoal, a ponto de poder entrar e animar inteiramente as pessoas.

Na ordem experimental, dir-se-ia que um ideal é como uma pessoa que se conhece e com a qual se trava relacionamento. Quer dizer, como não se pode imaginar a coisa espiritual, então se concebe algo físico, ao qual se atribuem propriedades internas vaporosas e luminosas, à maneira de coisas espirituais. Tem um conteúdo mais espiritual do que material.

Base e ponto de partida do pensamento de Dr. Plinio

Eu creio que essa concepção é a própria matéria-prima natural da inocência, do senso do ser e da tendência para o metafísico. E uma alma que não tenha o senso disso se conspurca inevitavelmente nas coisas do terreno, toma poeira e perde completamente as suas possibilidades de elevação.

Portanto, o reto e ordenado cultivo disso é, de um lado, um ponto de partida, mas de outro lado, um píncaro.

Não podemos ignorar o fato. Ignorá-lo significa votar as almas à forma de exílio que se imerge na terra e é o introito da Revolução4.

A Revolução diz primeiro que isso não existe e depois leva as almas para onde está indo a grossa maioria das pessoas. Mas ela também trabalha as almas de outra maneira: suscita saudades e desvia.

É lastimável que muitos católicos não deem importância ao fato, julgando que isso não tem nenhuma relação com a vida de piedade, a vida de religião, a vida espiritual!

Ora, está em nossa vocação tomar isso na maior consideração. Se eu não tivesse me agarrado a isso com unhas e dentes, no momento em que percebi a solicitação de abandoná-lo, e se não tivesse feito disso, portanto, uma base e um ponto de partida de meu pensamento, creio que não haveria nosso Movimento.

Se uma pessoa prestar atenção no que eu digo e no movimento natural e normal de minha alma, notará que caminha normalmente no pressuposto da legitimidade e da santidade disso, e da ligação disso com a vida espiritual.

Identificação com o ideal que vive numa pessoa

Graças a Nossa Senhora, isso ficou preservado em minha alma, e não há o que eu veja que não o considere à luz de toda essa fileira de concepções e movendo-se em função desse ponto ideal último, que é a matriz a partir da qual eu penso.

Por exemplo, com essa alabarda5 eu faço isso. Vejo-a — aliás, gosto da forma e do jeito dela — e percebo que por detrás dela existe a concepção de todo um mundo de coisas onde o “universo das alabardas” está posto, mas nessa perspectiva que já não é o concreto, e sim uma sublimação. Exprime uma mentalidade que se apresenta na construção do meu espírito como uma coisa transcendente a um simples homem, embora no ver, no querer, no sentir é em tudo análogo ao homem. E o meu julgamento é feito com rapidez, decisão, truculência, porque aquele modelo de ideal de mais ou menos todo o universo habita no fundo do meu panorama.

Uma ou outra pessoa tem me dado essa impressão de ter uma quase identidade com aquilo que fica no alto dela mesma.

Tirithel
Alabarda da Armeria do Alcaçar de Segóvia (Espanha)

Quer dizer, deitando os olhos através de várias transparências — que não são as transparências do vidro da janela, inexpressivas —, chega-se a ter a impressão da realização, numa determinada pessoa, de uma identificação — não uma identidade —, que se diria ser aquela coisa ideal que vive nela, mais do que ela própria. E a pessoa funciona, portanto, como um tipo de lente que traz mais à sua presença aquilo que está afastado.

Esta concepção faz com que eu perceba que tenho personalidade, mas não corresponde ao que habitualmente se chama personalidade. Quer dizer, uma porção de peculiaridades que distinguem aquela pessoa da outra, pela singularidade. Por exemplo, ela tem uma orelha puxada para um lado, o gênio cismado etc. Aquilo é descolado do universal e é quase o anedótico.

Alguma coisa assim toda pessoa tem, mas percebo que é totalmente secundário. O que importa e constitui a personalidade é a permeação para dentro de mim disto, reservado, ao que a inocência dá acesso; a inocência mora na pessoa e esta mora na inocência.

É um outro eu mesmo. Mas é um arqui-eu, onde a parte anedótica — tanto quanto percebo — passou para segundo plano, e a parte que, pela inocência, se liga a isso tomou todo o desenvolvimento que certa extensão de vida comporta.

O mundo moderno é totalmente feito para esmagar isso.

A inocência nos germânicos e nos latinos

A justificação doutrinária do que estou dizendo — tratando da inocência enquanto inocência e como um católico deve ver isto — seria outro trabalho, mas eu acho que a inocência é dada a todos os povos e todas as pessoas a têm.

Mas nessa perspectiva, creio eu, ela é um dom da Providência mais para os germânicos do que para os latinos; ou os latinos pecaram mais contra isso do que os germânicos, não sei bem como qualificar. E a fidelidade a essa inocência durante muitos anos de vida traz uma espécie de contrapeso sumamente penoso — eu experimentei isso em mim —, porque, para uma porção de campos mentais-operativos, a pessoa fica numa espécie de impossibilidade da agilidade e da destreza, do ver e fazer as coisas das quais o homem normalmente precisa na sua vida e que a maturidade traz. Tal fidelidade retarda um tanto o indivíduo e o torna meio ingênuo, meio pesadão e, no total, pouco capaz de concorrer com outros na vida. E lhe põe a opção: Ou você prefere isso, apesar de tudo, ou você elimina esses valores como não sendo nada e imerge nos outros.

Se a pessoa for fiel à inocência, há posteriormente uma frutificação que é o cêntuplo nesta Terra e mais Nosso Senhor Jesus Cristo no Céu. Mas isto vem mais tarde e inesperadamente. Em certo momento, ela nota que está encontrando em si o que julgava não ter.

Eu sou fundamentalmente latino, mas sinto que essas coisas se passaram na minha cabeça à maneira germânica. Tenho a impressão de que a descrição que fiz corresponderia muito mais à realidade de um germânico do que de um latino. Embora eu veja que o latino, graças a Deus, tenha isso também em apreciável medida.

As mil invocações de Nossa Senhora parecem cada uma delas, uma pessoa. Vê-se que todas aquelas virtudes moram em Maria Santíssima. Cada luz em Nossa Senhora é uma personalidade inteira.

Henry Restrepo

T. Ring
À esquerda, NSra. do Bom Sucesso – Mosteiro das MM. Concepcionistas, Quito (Equador). À direita, NSra. do Carmo – Basílica de NSra. do Carmo, São Paulo (Brasil)

No germânico, isso é muito reluzente, mas há uma dificuldade: a diminutio da “antena” para o sobrenatural. Enquanto que no latino a “antena” para o sobrenatural é muito vibrátil, mas, se ele não foi muito fiel logo no começo, há uma espécie de coisa por onde ele tem uma tendência facílima para caçoar, zombar da inocência, e ver tudo isso de modo negativo, dizendo tratar-se de uma banalidade, de um sonho, e a partir daí ele começa a ter um comprazimento pelo sórdido oposto.

Perfeita harmonia em Nossa Senhora

O que vou dizer agora, sei que é rigorosamente teológico: para mim, Nossa Senhora se apresenta como uma personalidade na qual mora tudo isto, mas num estado de fulgor maior do que aquilo que concebi. Quer dizer, como que reluzindo todas essas coisas de uma essencialidade maior e com um fulgor partindo do interior daquilo. De maneira que Ela é, não a realização do que vi, mas do que eu não seria capaz de imaginar se não a tivesse conhecido. Maria Santíssima é o conjunto de tudo isso.

Para dar uma ideia que exprima um pouco meu pensamento, imaginemos uma bonita pedra preciosa, atrás da qual se acenda um foco de luz, à maneira de um spotlight, que seja do tamanho da pedra. A pedra tem seu brilho, mas ela mostra esse brilho com algo que se acrescenta e não vem dela, e que essencialmente vale mais do que ela.

Há em Nossa Senhora esse firmamento todo, num estado de excelência que estou apresentando descritivamente. Sei pela Fé que isto é sobrenatural, mas estou descrevendo como eu vejo. Isto faz d’Ela uma espécie de Paraíso onde, por assim dizer, esses predicados todos, inclusive os humanos, se saúdam, conversam e se entretêm, como se fossem quase pessoas dentro d’Ela, de tal maneira têm intensidade, expressão e força.

Para mostrar a realidade disso, explico um fato pequeno, de experiência corrente, para ver até que ponto é assim:

As mil invocações de Nossa Senhora parecem, cada uma delas, uma pessoa. Vê-se que todas aquelas virtudes moram em Maria Santíssima. E daí o fato de pessoas simples muitas vezes ficarem meio na dúvida se são várias pessoas ou uma só. É ignorância, naturalmente, mas essa ignorância tem uma explicação, não um fundamento lógico. Tomem, por exemplo, uma imagem de Nossa Senhora do Carmo ou uma imagem de Nossa Senhora do Bom Sucesso: representam pessoas completas. É a mesma pessoa vista sob determinada luz. E cada luz em Maria Santíssima é uma personalidade inteira, ainda mais com essa densidade sobrenatural de que eu falava há pouco. Tudo se reúne n’Ela e Ela é tudo isso ao mesmo tempo, com harmonia.

Harmonia que não saberia bem como descrever, mas que é a harmonia das harmonias. Pelo contraste entre esse superplenum de Nossa Senhora — pelo fato de ser a Mãe de Deus — e minha miséria, tão nada — para usar uma palavra alemã, unbeholfen6, tão desajudada —, eu compreendia, como uma consequência necessária daquele superplenum, uma tendência a se despejar em mim, a passar para mim. É o sentido da misericórdia.

E a ideia da misericórdia, na qual insisto tanto, tem como fundamento, como arrière-fond7, isto que estou dizendo. Portanto, Ela é Nossa Senhora das mil psicologias, Nossa Senhora dos mil maravilhamentos. Se quiserem, é Nossa Senhora das mil personalidades harmônicas.

The Yorck Project
Imperador Carlos Magno – por Albrecht Dürer, Museu Nacional, Berlim (Alemanha)

Subindo até o infinito, se a esta luz quisermos considerar Nosso Senhor Jesus Cristo, vê-se algo disso, mas completamente surplombé8 pela presença da divindade, se junta a isso um sol que ofusca. Digamos que isso existia na Humanidade d’Ele, mas não na Pessoa divina, onde isso já passa para um grau não atingível, que não é exprimível.

Conúbios da inocência com sociedades e personagens históricos

Houve alguns homens na História que foram suscitados por Deus e que tinham tal ou qual percepção de algumas coisas dessas, e chegavam a realizá-las de um modo misterioso e excelente. Ciro, rei dos persas, é um exemplo disso. Um exemplo menos nobre é Ramsés II, e César tinha algo disso.

Esses grandes monarcas marcaram não apenas os séculos, mas os milênios, e ficaram para sempre na História do mundo. Eles tinham certa missão de representar coisas dessas, mas foram ensaios, esboços defectivos, quebrados, malfazejos, pagãos, daquilo que Carlos Magno foi por excelência.

A Providência, governando a alma dos homens através da Igreja, foi construindo as coisas de tal maneira que Ela acabou criando uma sociedade que teve, tomada como um bloco, no seu modo de pensar, no seu modo de ser, etc., uma especial participação nisso. Para abreviar, a Cristandade Medieval — portanto Carlos Magno mais as revivescências carolíngias etc. — teve de fato isto como um bem comum de todos os homens dessa sociedade. Todos não quer dizer cada um.

Aí se elaboraram formas de cultura, de expressão, de arte, de mil outras coisas que são a realização humana mais perfeita conhecida até então, mas dignamente representativa disso que chamamos — para exprimirmo-nos assim — de valores abstratos que o espírito humano na sua inocência concebe.

Houve, portanto, conúbios da inocência com sociedades históricas, com personagens históricos. Às vezes um personagem, apenas num determinado lance, realizou esse conúbio, como Dom João d’Áustria, em Lepanto. Personagem repleta disso foi Santa Joana d’Arc.

Muito inferior a Santa Joana d’Arc, mas tendo alguma coisa disso já em decadência, foi Bayard. O mito de Bayard ficou, e outras coisas desse gênero, que se poderiam apresentar.

E no meu espírito isso se põe de tal maneira que, percorrendo a História da Cristandade, percebo muitas vezes ápices históricos que são a realização autêntica e excelente daquilo — não digo de modo inmejorable9 , a qual fica nesse mundo que podemos qualificar de imaginário.

Godofredo de Bouillon foi como que a valentia passando no mundo, impregnando o mundo dos luzimentos desse absoluto chamado valentia, fazendo com que centenas de homens depois, fossem valentes à maneira dele.

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Godofredo de Bouillon – por Eugène Simonis, Bruxelas (Bélgica)

Um verdadeiro Mestrado de História

E esses personagens históricos, enquanto possuindo isto, enquanto tendo, sob certo aspecto, realizado fugazmente isto, exerceram sobre mim esta forma de mestrado de dar um mais rico, um mais total, um mais especificado conhecimento do que seriam essas grandes figuras.

Para isso, a inocência desenvolveu em mim um seletivo histórico muitíssimo rigoroso, mas, graças a Nossa Senhora, dotado de precisão. De maneira que, onde isto existe, habitualmente eu percebo. E percebo bem que esses personagens, representando isto, têm um papel na História que não é tanto de fazerem o que fizeram, mas de serem esse valor enquanto passando no meio dos homens.

Por exemplo, Godofredo de Bouillon tomou Jerusalém, etc. Mas ele foi como que a valentia passando no mundo, impregnando o mundo dos luzimentos desse absoluto chamado valentia, fazendo com que centenas de homens depois, fossem valentes à maneira dele. E ficando na História como um elemento vivo de valentia para eu entender o que é a valentia ideal, que a simples elucubração sem a ilustração histórica não teria dado tudo quanto está na proporção que o meu espírito deseja conhecer.

Nesse ponto eu vou muito longe e acho que, mesmo em personagens da Cristandade decadente, alguns luzimentos desses prosseguiram.

Por exemplo, a sutileza de Talleyrand — que foi um facínora, mas enquanto tal ele teve o que se poderia chamar, meio erradamente, a sutileza absoluta, pois absoluto é só Deus. Entretanto, Talleyrand possuiu a sutileza total, ao menos a existente até ele.

De maneira que de tudo isto eu fiz uma espécie de mel, que foi o meu “mestrado” de História.

(Extraído de conferência de 7/2/1980)

1) Do francês: consideração ou “vista” do espírito.

2) Assim denominava Dr. Plinio as realidades situadas em um plano metafísico, acima das realidades terrenas.

3) Antigo Regime. Período da História da França iniciado em princípios do século XVII e extinto em 1789, com a Revolução Francesa. Aquela sociedade caracterizou-se, por um requinte de bom gosto e pela elevação no convívio humano.

4) O termo “Revolução” é aqui empregado no sentido que lhe dá Dr. Plinio em sua obra “Revolução e Contra-Revolução”, a saber: Processo que se manifestou, na ordem dos fatos, no início do século XV; nasceu ele de uma explosão de paixões desordenadas que vai conduzindo à destruição de toda a sociedade temporal, à completa subversão da ordem moral, à negação de Deus.

5) Objeto decorativo que se encontrava na sala onde essa exposição foi feita.

6) Do alemão: desamparado/a, desajudado/a.

7) Do francês: pensamento por trás de algo; o que está no fundo de algo; a parte mais oculta de algo.

8) Do francês: suplantado.

9) Do espanhol: excelente, que não pode ser melhor.

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