Ao analisar com muita admiração a Coroa do Império Austríaco, Dr. Plinio nos faz sentir um dos últimos perfumes exalados pela Civilização Cristã e mostra que ela é uma coroa que nasceu não de um mero planejamento, mas de um sonho!
A meu ver a coroa imperial da Áustria é a mais bela coroa que existe.
Mandada fazer por Rodolfo II1 para ser propriedade pessoal dele, depois passou a pertencer ao tesouro do Sacro Império Romano Alemão. Quando este foi extinto, as potências reunidas por ocasião do Tratado de Viena2 resolveram entregar ao Imperador da Áustria, Francisco I, o tesouro dos imperadores do Sacro Império. Então o novo Império Austríaco, que era uma espécie de continuação do Sacro Império Romano Alemão, tomou esta coroa como sendo a dos imperadores da Áustria.
Caráter intrinsecamente sacral do Império Austríaco
A mim me parece que ela exprime magnificamente a índole, conforme a expressão francesa, le génie da Casa d’Áustria, nos aspectos em que ela corresponde à graça.
A coroa é de um valor inapreciável. Ela tem um quê de mitra, exprimindo bem o caráter intrinsecamente sacral do Império Austríaco, continuador do Sacro Império Romano Germânico. É de linhas suaves, enquanto que a coroa carolíngia é mais hirta. Esta é quase uma carícia materna. Ao mesmo tempo é riquíssima, com uma quantidade enorme de ouro, pedras preciosas e pérolas, constituindo uma magnífica coleção.
Ela possui uma cruz do tipo oriental, com as pontas formando trevo. Em cima foi colocada uma safira de tamanho descomunal, muito bonita, a qual significa o nexo entre o Sacro Império e o Céu. É uma gota de Céu posta no alto da coroa. A safira incrustrada tem qualquer coisa de fábula!
Essa coroa tem todos os elementos para se fazer uma análise à luz do maravilhoso.
Para mim, o que encanta nela são as duas fileiras de pérolas laterais, que se abrem para cima e formam um todo; isso significa uma espécie de soberania. Para dizer tudo numa palavra só: essas sociedades antigas tinham entidades secundárias que, numa determinada linha, possuíam uma soberania até em relação ao Imperador. Neste sentido, se chamavam cortes soberanas, estados soberanos, vivendo dentro do próprio Estado. Eram determinados valores que tinham uma afirmatividade pessoal e se deviam ver na arquitetura do Estado, mas não se deixavam sorver pelo Estado.
Agradam enormemente esses dois lados, que se apresentam meio entreabertos, para se compreender como esses todos são distintos dentro do unum. Justificando um pouco a ideia de que o alemão e o francês são as duas metades do mundo, as quais se completam desta maneira sem se fundirem, em cuja fenda, não de guerra, mas de distinção, se sente melhor a força do pedúnculo. E isto se exprime muito bem nessa coroa, que eu acho rica em sentidos de toda ordem; uma coroa arquetípica.
A meu ver, esta é a coroa! Nela a Civilização Cristã moribunda exalou um dos seus últimos perfumes. O rude, presente aqui, não está nem sequer disfarçado, mas banhado pela safira. Eu considero essa coroa uma verdadeira obra-prima!
Possui esmaltes lindos, com um papel cromático que as pedras preciosas não possuem, e lhe dá uma característica própria. Não tem o requintado francês, mas é uma coisa que voa acima. Se a compararmos com outras coroas, pode-se dizer que essa é o seu pleno épanouissement3. Essa é a coroa por excelência, não há coisa igual.
Percebe-se nessa coroa muita bondade, própria de um reino paterno, uma joia perfeita. É a transesfera4, a águia bicéfala voando.
Dignidade, bondade, esplendor, conforto e força
A coroa de Luís XV é uma maravilha, mas comparada com a coroa austríaca…
Eu a considero como a coroa mais bonita do mundo.
Por quê?
Por uma razão muito simples. É que, olhando-a, tenho a impressão da beleza total, insuperável e dificilmente igualável. Logo, tem de ser a mais bonita do mundo. A inteligência de não fazer dessa coroa um capacete todo fechado de metal, mas deixar aparecer dentro um gorro de veludo muito bonito, bem arranjado… Acho essa abertura ideal. Por cima do veludo passa uma espécie de arco, que toca numa ponta e se abre de um modo bonito. Ela tem algo de oriental. Aliás, percebe-se também o papel do sonho nessa coroa; não é uma coroa que se planeja, sonha-se com ela. É uma coisa diferente.
Eu a considero a obra-prima em matéria de coroa.
Ela é austera?
É preciso ver o que se entende como austeridade; se é seriedade, gravidade, creio não haver dúvida de que ela é austera.
O que essa coroa tem de muito interessante é qualquer coisa de materno. Um súdito que olha para essa coroa, e entenda que ela é feita para governá-lo, se sente protegido.
Essa coroa é a imagem de um estado de espírito que abrange não apenas um aspecto, mas toda a mentalidade de um homem. Esse homem sonhou para si um estado de espírito de dignidade, de bondade, de esplendor, de conforto e de força; é o Céu na Terra para ele. E depois ele mandou executar o trabalho.
(Extraído de conferências de 13/5/1982, 6/6/1992 e 19/7/1992)
1) Rodolfo II de Habsburg (1552-1612). Arquiduque da Áustria, Imperador germânico, Rei da Hungria e da Boêmia, filho de Maximiliano II.
2) Conferência entre embaixadores das grandes potências europeias, realizada na capital austríaca, entre 2 de maio de 1814 e 9 de junho de 1815, cuja intenção era a de redesenhar o mapa político do continente europeu após a derrota da França napoleônica.
3) Do francês: desabrochar.
4) Assim denominava Dr. Plinio as realidades situadas em um plano metafísico, acima das realidades terrenas.