Santa Isabel da Hungria - por Jan Provoost, Museu Palazzo Bianco, Gênova (Itália)

A Idade Média pode ser comparada a uma catedral, em cuja fachada estão colocadas imagens de muitos santos. Uma dessas figuras foi Santa Isabel da Hungria, glória da Ordem Terceira Franciscana e um dos ornamentos da Cristandade.

O calendário dos santos nos traz à memória Santa Isabel, viúva e religiosa, que viveu no século XIII, filha do Rei André II da Hungria e esposa de Luís, Landgraf da Turíngia.

O que era um Landgraf? Ao pé da letra, land significa terra e graf, conde. O Landgraf é um Conde da Terra. E foi com um grande senhor feudal, um príncipe, que ela se casou.

Muitos santos passam por dramas

Eu gostaria de considerar a biografia de Santa Isabel da Hungria debaixo de um ângulo muito interessante, que é o seguinte:

O itinerário, a linha geral, da vida de muitos santos se parece com o de Santa Isabel da Hungria. É uma situação inicial, um drama que leva a pessoa até ao heroísmo, depois se passam alguns anos de aperfeiçoamento e de estabilidade na quietude e no heroísmo, é a santificação, e por fim a morte.

Pode-se encontrar isso na vida de quase todos os santos que mudaram o seu estado de vida.

O santo mais característico nesse sentido é Santo Inácio de Loyola, um gentil-homem que frequentava a corte, era guerreiro e tinha todas as ambições costumeiras de um fidalgo de seu tempo. Entretanto, abate-se sobre Inácio o drama, que começa com o ferimento no cerco de Pamplona e termina quando ele fundou a Companhia de Jesus; foi uma fase convulsionada e difícil de sua vida. Fundada a Companhia de Jesus, inicia-se outro período de luta, mas com certa estabilidade. Depois de algum tempo ele morre.

Assim foi também com Santa Teresa de Jesus. Ela era tíbia, quer como pessoa do século, quer como religiosa, mas que depois se transformou tanto, a ponto de ser um vergel de santidade até os dias atuais. Mas é o drama: a religiosa tíbia que passa a ser fervorosa e fundadora e tem de enfrentar inúmeras dificuldades e tragédias. Depois, segue um período de estabilidade; a obra está fundada, ela é a Superiora Geral, dirige-a por algum tempo e morre.

No castelo de Wartenburg

A mesma coisa se passou com Santa Isabel. Ela era filha do Rei da Hungria e esposa do Duque da Turíngia. Era, portanto, uma senhora de alta posição social, que vivia na perfeita prática da virtude. Não se pode falar propriamente de sua conversão, mas ela vivia feliz no século. Deus a destinava a ser uma glória da Ordem Terceira dos Franciscanos, para iluminar e tornar-se um dos ornamentos da Cristandade medieval.

Sérgio Hollmann
Santa Isabel e o milagre das flores – detalhe de um vitral da Catedral de Lisieux (França)

A Idade Média pode ser considerada como uma catedral, em cuja fachada estão colocadas imagens de muitos santos. Uma dessas figuras ornamentais e inspiradoras é exatamente Santa Isabel da Hungria.

Ela foi para o Castelo de Wartenburg, na Turíngia, aos quatro anos de idade. Naquele tempo prevalecia a ideia — pelo menos nas altas camadas sociais — de que era conveniente mandar as meninas para os castelos das famílias onde deveriam se casar. Pois poderiam receber toda a formação do lugar e assumir inteiramente todos os seus costumes, embora elas fossem livres de dizer “não” no momento em que atingissem a maioridade, e de fato não se casassem.

Santa Isabel foi para lá e teve uma vida muito feliz. Ela e seu esposo deram-se muito bem.

O leproso acolhido no castelo

Entretanto, o que acontece na realidade é que os verdadeiros filhos de Deus sempre acumulam em torno de si a inimizade das pessoas más e invejosas. Não existe nenhum verdadeiro católico que não seja perseguido. Nosso Senhor Jesus Cristo já prevenira aos seus de que todo autêntico discípulo d’Ele seria perseguido como Ele o foi1.

Santa Isabel tinha contra si toda espécie de odiosidades, que vinham, muitas vezes, devido a sua prática da perfeição. Os ímpios e invejosos exploravam aspectos de suas virtudes que eram incompreensíveis a eles, pois tinham mau espírito.

Assim, por exemplo, em certa ocasião ela acolheu um leproso que viu passar pela rua e o convidou a entrar em seu castelo, deitou-o em seu leito e começou a tratar dele como se fosse o próprio Cristo, à vista daquela palavra de Nosso Senhor de que todos os sofredores representam a Ele2. A sogra de Santa Isabel soube disto e procurou a Luís, seu filho, e lhe disse: “Veja o que sua esposa está fazendo! Colocou um leproso em sua cama, para que depois você seja contagiado! Vá até lá e veja que estou falando a verdade!”

Francisco Lecaros
Santa Isabel acolhe um enfermo em seus aposentos – por Lucas Valdés, Museu de Belas Artes, Sevilha (Espanha)

Vida de Santa Isabel da Hungria, 19 de novembro

Embora todos os eleitos resplandeçam no Céu com um brilho próprio a cada um, Deus se compraz em agrupá-los em famílias, assim como o faz na natureza com os astros do firmamento.

A Divina Majestade transforma a santidade num patrimônio augusto transmitido de geração em geração pelos membros de uma mesma família. Entre estas benditas dinastias, nenhuma será de maior valor do que a linhagem real que, desde a antiga Panônia1, estendeu sobre o mundo, a sombra de seus ramos. Rica em virtude, apaixonada pelo belo, levando a paz às casas coroadas da velha Europa, os nomes por ela inscritos no livro de ouro dos bem-aventurados perpetuam sua glória.

Mas, de todos estes nomes ilustres, circundados como que por um diamante, agrupados numa coroa de pérolas, o maior para a Igreja e para os povos é o desta amável Santa, madura para o Céu aos vinte e quatro anos e que se reúne hoje com os Santos Estevão, Emeric e Ladislau.

Isabel nasceu em 1207, filha do Rei André da Hungria. Desde sua infância temeu a Deus, sua piedade crescendo junto com a idade. Casada com Luís, príncipe da Turíngia, seu zelo não foi menor no serviço de Deus do que de seu esposo.

Durante a noite, levantava-se e rezava longamente. Praticava as mais diversas obras de misericórdia, dedicando-se especialmente em aliviar as viúvas, os órfãos, os doentes, os indigentes, chegando a distribuir todo seu estoque de trigo, quando havia carência de alimentos.

Certa vez, os intendentes do castelo foram queixar-se ao príncipe dos excessos de generosidade da santa. Quando este foi ter com ela e perguntou-lhe sobre o que levava consigo, abriu-se a trouxa que levava e apareceram magníficas rosas em vez dos pretendidos mantimentos.

Cuidava dos escrofulosos, inclusive osculando-lhes as mãos e os pés, e o próprio Nosso Senhor aparecia-lhe nos leprosos que tratava.

Isabel entendia não dever subtrair-se de qualquer de suas obrigações e conveniências devidas à sua condição de princesa soberana ou de esposa.

Simultaneamente simples na prática das virtudes, quanto afável para com todos, estranhava a atitude sombria e morosa que alguns tomavam ao rezar ou sofrer: “Parecem querer assustar a Deus, dizia ela, malgrado este amar a quem dá alegremente.”

Após a morte de seu esposo, que dirigia-se à Cruzada, despojou-se de todos os ornamentos mundanos e passou a vestir tão somente uma túnica de tecido rude, e ingressou na Ordem Terceira de São Francisco, sendo sua primeira professa. Suas mais notáveis virtudes foram a paciência e a humildade.

Conrado e Henrique, seus cunhados, tramaram cruéis calúnias contra ela e expulsaram-na do castelo de Wartenburg com proibição de qualquer pessoa recebê-la ou prestar-lhe auxílio, e foi obrigada a mendigar e suportar mil reprimendas num país que tinha sido objeto outrora de suas inúmeras bondades. Ninguém teve coragem de acolher a pobre mãe com os filhos, em pleno inverno.

Durante essas tribulações, regressaram à Turíngia os cavaleiros que tinham acompanhado o Duque Luís à Cruzada. Apresentando-se a Conrado e Henrique, censuraram-lhes corajosamente a dureza e crueldade, e os dois culpados não resistiram à franqueza altiva dos seus vassalos e restituíram a Isabel todos os bens de que a haviam despojado.

Esta, porém, preferiu continuar no completo despojamento de todas as coisas, servindo inteiramente a Deus, numa modesta casa, ao lado de um convento dos Frades Menores. Ao perceber ter chegado o termo de sua santa vida, comunicou o fato às pessoas que viviam em sua companhia. Com os olhos fixos em santa contemplação, em meio a divinas consolações, e reconfortada pelos Sacramentos, faleceu a 17 de novembro de 1231. Inúmeros milagres ocorreram sobre sua tumba, já logo em seguida. Quatro anos após sua morte foi declarada santa pelo Papa Gregório IX.

(L’Année Liturgique. 14.ed. Tours; Alfred Mame et fils, 1922, v.VI, p. 380-383)

1) Antiga região banhada pelo Danúbio, correspondente à Hungria ocidental.

Francisco Lecaros
Jesus Cristo se faz visível para Santa Isabel e o Duque Luís – detalhe da obra de Lucas Valdés, Museu de Belas Artes, Sevilha (Espanha)

Ele foi e encontrou o leproso deitado na cama, e disse:

— O que é isto? O que significa este homem deitado neste leito?

Ela respondeu:

— Meu esposo, este homem é Nosso Senhor Jesus Cristo.

No momento em que ela afirmou isto, deu-se o milagre e o Duque viu, no leproso, a pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo. E sentiu um admirável odor de rosas, que se expandia da pessoa do leproso. Ele ficou profundamente impressionado e a sogra perdeu a partida.

O Duque Luís era muito bom homem. Ele partiu para a Cruzada, foi contagiado pela peste e acabou morrendo.

Terrivelmente perseguida, refugiou-se numa floresta com seus filhos

Desde então, a perseguição se desencadeou contra Santa Isabel de um modo trágico. Ela, que era Duquesa da Turíngia e filha do Rei da Hungria, teve de morar num estábulo de porcos3. Foi uma perseguição tremenda, que nos faz ver bem qual é a realidade das misérias humanas.

As pessoas que a desprezaram eram as que tinham sido beneficiadas por ela, mas que agora se manifestavam frias na hora do infortúnio. Em vez de irem ao encontro dela, afastavam-se, mantinham distância, pois estavam com medo das represálias que poderiam sofrer pelos que odiavam a Santa Isabel.

Certa noite ela acabou sendo acolhida num convento, no qual foi muito bem recebida, mas depois teve de se retirar, porque seu cunhado estava se aproximando. Antes de sair, pediu que se cantasse o Te Deum, para dar graças a Deus pelos sofrimentos pelos quais ela estava passando. Logo depois que saiu, caiu uma forte chuva sobre ela e seus filhos. E era uma chuva de inverno europeu, água gelada! E Santa Isabel, escondida numa floresta com seus filhos, sofrendo tudo aquilo teve um desfalecimento; parece ter sido tentada a ter dúvidas contra a Fé. Não se sabe qual foi o grau de seu consentimento, mas de qualquer maneira ela se penitenciou a vida inteira por isto. A Providência a perdoou, e ela chegou até a mais alta santidade. A fortuna lhe foi restituída, mas ela não quis voltar para as regalias antigas e dedicou-se de corpo e alma à Ordem Terceira dos Franciscanos.

A partir do momento em que seu marido vai para a Cruzada e morre, se inicia o drama para Santa Isabel: Ela fica sozinha, perde o ducado, é perseguida e começa para ela uma vida muito mortificada e miserável. Passa por dilacerações tremendas, e a boa moça se transforma numa heroína, depois na santa que vive todo o tempo na santidade e por fim morre. São três etapas que se pode verificar em muitas vidas de santos.

Isso também se verifica na vida comum: uma família se constitui, luta para ganhar a vida, formar e santificar os filhos, fazendo deles verdadeiros cumpridores da Lei de Deus. Quando essa batalha é vencida, os pais já estão velhos, têm um período de estabilidade e depois vem a morte.

Provavelmente isso se dará conosco. Nós temos um período de germinação, e depois de um período de lutas também chegará a ocasião de preparar a nossa alma e prestarmos contas a Deus.

A vida não teria sentido se não houvesse a luta

Devemos compreender, portanto, que todos os dramas da vida fazem parte dessa arquitetura e que a existência não teria sentido se não fosse exatamente esse aspecto de luta, de tragédia, de martírio, em função do qual todo o resto se desenvolve. Uma coisa é a preparação e outra é a conclusão, mas o importante é a parte da luta, a fase dramática, na qual o homem dá tudo quanto tem, tudo quanto pode dar!

E precisamos nos preparar para isso com muito entusiasmo, como um cavaleiro se preparava durante sua vigília de armas. Compreendendo que a fase mais importante da vida vai ser essa: algum momento, por vezes interior, em que a pessoa transpira sangue como Nosso Senhor no Horto das Oliveiras. Mas ela tem um ato de fidelidade e vai para a frente, confiando na misericórdia de Nossa Senhora. É o ápice da vida!

Sérgio Hollmann
Santa Isabel da Hungria cuidando dos pobres e doentes – por Bartolomé Esteban Murillo, Hospital da Santa Caridade, Sevilha (Espanha)

Feliz aquele cuja vida apresenta muitos ápices, que desfecha num ápice central! Compreendemos então a beleza da vida de cada homem, considerada sob este aspecto.

A vida de Santa Isabel da Hungria nos apresenta exatamente um exemplo muito frisante, muito importante. Peçamos a ela que nos dê a coragem nessas grandes horas e o desejo dessas grandes horas.

Devemos ver também na vida desta santa um exemplo de constância em meio às piores desgraças. Há duas formas de constância na desgraça: uma quando a desgraça acontece e a pessoa a suporta. Outra quando a pessoa prevê a desgraça, fita-a com olhos calmos e oferece a Nossa Senhora o sacrifício que vai ter, e faz a oração de Nosso Senhor no Horto das Oliveiras: “Pai, se quiseres, afasta de Mim este cálice; contudo, não seja feita a minha vontade, mas a tua!4

Essa foi a vida de Santa Isabel da Hungria, e assim deve ser a nossa. Na calma, a resignação de ver as desgraças pelas quais devemos passar e ter a constância no decurso delas. Isso não se pode conseguir a não ser seguindo o exemplo adorável de Nosso Senhor Jesus Cristo: na hora da aflição vigiar e orar para não cair em tentação5. Peçamos isso a Nossa Senhora, cuja prece é onipotente!

(Extraído de conferências de 19/11/1965 e 18/11/1966)

1) Cfr. Mt 10, 16-24; Mc 13 9-12.

2) Cfr. Mt 25, 31-40.

3) Ao narrar a vida de Santa Isabel, Dr. Plinio baseia-se no livro “História de Santa Isabel da Hungria”, de Charles Forbes de Montalembert.

4) Lc 22, 42.

5) Cfr. Mt 26, 41.