Dr. Plinio durante sua convalescença após o desastre.

No dia 3 de fevereiro de 1975, em uma estrada em Jundiaí (SP), sofreu Dr. Plinio um grave acidente de automóvel que quase lhe custou a vida. Em consequência, além de outras limitações, ficou ele restrito à cadeira de rodas pelo resto de seus dias.

Esse grave acontecimento era lembrado com frequência pelos seus discípulos, sobretudo a cada mês de fevereiro. Queriam eles conhecer melhor os movimentos de alma de seu mestre nesse momento de transcendental importância para a história do Movimento. E, diante de tão filial atitude, Dr. Plinio nunca deixava de fazer algumas reflexões.

Em uma dessas ocasiões, assim se exprimiu:

A morte é a mais augusta tabeliã que existe sobre a terra. Diante dela raramente acontece uma fraude. Ela tudo desmascara! Atrás da morte vem o Juízo, ao qual ela serve de arauto. E, ao ouvir os passos do grande Juiz chegando, é preciso ser quase satânico para não sentir medo e pedir perdão!

Os senhores falaram do absoluto e da superficialidade. Quanta razão têm para abordar este tema a propósito do meu desastre! Porque, principalmente para quem se entregou a uma vocação, toda obra humana é falaciosa, irreal e inconsistente se a pessoa não procura cravar até o fundo da própria alma as convicções que tem! É preciso, portanto, ter a noção — eu quase diria a vivência — do absoluto fincada no mais íntimo do espírito.

O desastre ocorreu em 1975, quando eu tinha 66 anos. Com essa idade já havia transcorrido toda uma vida! E posso dizer que aos olhos dos homens — não ouso afirmar o mesmo aos olhos de Deus — tinha um passado solidamente estruturado, coerente, lógico, limpo, rumando continua e abnegadamente para um mesmo fim.

Quando, ainda mocinho, li numa daquelas conferências da Université des Annales que Bayard1 era chamado “le Chevalier sans peur et sans reproche2, tive um frêmito. Eu não ousaria me aplicar essa expressão diante de Nossa Senhora, mas diante dos homens, sim! E não há quem tenha coragem de negá-lo, porque lhe perguntaria: “Quando me viram ter ‘peur’? Quando me puderam fazer um ‘reproche’?”

Se, entretanto, quem lhes fala tivesse conservado durante esses anos certa superficialidade de espírito, ela teria se manifestado nos períodos de inconsciência após o acidente, e algo do impulso dado aos senhores diminuiria naquele momento. Eu sairia da convalescença com a impressão de haver cumprido o meu dever, mas na hora do julgamento, seria interpelado: “Presta as tuas contas!”

A minha superficialidade seria, então, a causa do desagrado divino. O espírito não teria ido tão a fundo nem se enlevado como deveria.

(Extraído de conferência de 6/2/1982)

1) Pierre du Terrail, senhor de Bayard (1476-1524).

2) O Cavaleiro sem medo e sem reproche.