Remontando às suas experiências de infância em torno da escolha entre as alegrias proporcionadas pelo embalo e os gáudios inerentes à serenidade, Dr. Plinio nos revela a fonte de onde emanaram suas qualidades de orador e escritor, as quais, utilizadas com prudência, serviram-lhe de importante e eficaz instrumento de apostolado.
Antes de iniciarmos uma caminhada juntos, é prudente acertarmos bem os relógios. Assim, comecemos por nos entender a respeito da palavra embalo1.
O gosto da velocidade e a perda da noção de finalidade
Imaginemos alguém que esteja correndo a cavalo para levar uma mensagem muito importante, de uma cidade a outra, dentro de um determinado espaço de tempo. Tendo em vista o cumprimento do dever como, por exemplo, a realização de uma missão apostólica, a pessoa cavalga rapidamente. Em certo momento ela começa a ter sua atenção voltada não mais para a finalidade — a obra de apostolado —, mas para o gosto de correr a cavalo.
Esse gosto toma apenas a periferia e não o íntimo da alma, e atinge sua sensibilidade mais baixa, embora legítima. E o espírito superficial considera aquilo uma delícia.
De repente, quando se dá conta, a pessoa está no fundo de um precipício. Ela correu demais e o cavalo rolou abismo abaixo. Ambos estão quebrados e ela não sabe onde a mensagem foi parar. A finalidade foi prejudicada.
A essa pessoa faltou prudência. O embalo levou-a à imprudência, e a imprudência, ao desastre.
O que significa, na minha terminologia, a palavra embalo? No tempo em que aprendi a linguagem correntemente usada por mim, embalo indicava o gosto por um ritmo exagerado pelo qual o indivíduo perdia a noção da finalidade e o aspecto raciocinado da atividade, ficando entregue à mera fruição.
Então, por exemplo, estaria na linha do embalo o caso de uma pessoa que começa a contar um caso e, para tornar a narração mais atraente, diz uma pequena mentira. E os ouvintes manifestam interesse: “Ah, foi assim?!”
A pessoa, então, aumenta a mentira: “Não foi só assim, mas vou contar mais.” E, pelo embalo de causar cada vez mais admiração, ela acaba numa mentirada da qual não sabe sair. Embalo!
Não há coisa que embale mais do que a megalice2. O indivíduo chega numa roda e dá ares de que é um grande senhor, e os outros lhe fazem uma reverência. Ele pensa: “Ah, bom! se eu posso de tal maneira montar neles, vou fazê-lo ainda mais.” E termina por delirar, ou seja, tomando ares em que ninguém mais pode acreditar. E dão gargalhadas dele, dizendo: “Olha o mega3!”
Portanto, o embalo é um ritmo, uma ênfase determinada por um deleite superficial inebriante que se multiplica por si mesmo até chegar ao absurdo. É uma forma de prazer inteiramente diferente de outros gáudios ordenados.
Eu não vivia no corre-corre, no brinca-brinca, na agitação, ou seja, no embalo. Mas tranquilo, ordenado, como nestas ou naquelas linhas gerais Nossa Senhora me ajudou a ser até o presente momento, vendo as coisas com distância, com serenidade
O gáudio da serenidade
Existem os gáudios do equilíbrio, da objetividade e da distância psíquica que constituem um todo. Quem tem estes gáudios começa por se alegrar em ser tranquilo: “Eu sou eu mesmo, sinto que mando em mim e que obedeço a quem deve ser obedecido. Dentro de mim tudo está em ordem, e eu vejo todas as coisas nas devidas proporções e distâncias: isso é bom, aquilo é mau; isso é verdadeiro, aquilo é falso; isso é belo, aquilo é feio; eu catalogo segundo os predicados e as circunstâncias sem mexer em ninguém, e simplesmente olhando de cá, de lá, de acolá e formando o meu universo interior, imagem fiel do universo exterior analisado.” Isto dá uma plenitude, uma satisfação!
E depois vêm as legítimas simpatias e as legítimas execrações e antipatias. E como as ideias são claras, elas encontram as palavras adequadas para se exprimir, e saem cristalinas e fluentes. Não como um esguicho que jorra, mas como uma fonte em que as águas brotam puras, generosas, abundantes, irrigando uma parte do terreno e indo mais além, podendo formar um rio, mas na tranquilidade, no donaire daquilo que está ordenado e vê de cima.
Como isto é diferente do embalo!
Em meus antigos tempos, senti a propósito da oratória e de tantas outras coisas essa alternativa entre as duas formas de gáudio: o do embalo e o da serenidade, o qual, no fundo, é o gáudio da inocência.
Vários membros de nosso Movimento tiveram a paciência de coletar fotografias minhas de todos os tempos e, portanto, também da época em que era pequeno. Não creio que apanhem uma só fotografia em que eu tenha fisionomia de atormentado. Estou sempre tranquilo, sereno, em ordem e satisfeito. Creio não terem encontrado também uma fotografia em que eu esteja manifestando muita alegria. Com bem-estar interior, graças a Nossa Senhora, sim. Esse bem-estar interior era dado pelos gáudios da inocência com a qual todos nós nascemos. Essa inocência foi acrescida, de um modo sobrenatural e admirável, pelo batismo, e dela fomos fazendo este ou aquele uso, ao logo de nossas vidas. Não é um privilégio meu, pois todos nós tivemos em mãos essa possibilidade.
Um circuito semelhante à corrente elétrica
Desde os albores de meu convívio com outros, lembro-me dessa diferença. Eu me sentia, dentro de mim, cheio de gáudios. Quando eu estava com um certo número de colegas e amigos, percebia neles a fruição da alegria pela alegria, o desejo exorbitante da gargalhada, da brincadeira, do corre-corre e do remexe-mexe, que era propriamente o embalo. Eu tinha impressão de serem como o mensageiro de que falei há pouco, correndo pelo gosto de correr e se quebrando em qualquer lugar. Quando se quebravam, ainda davam uma risada: “Oh, que engraçado, eu me quebrei!” E estava tudo acabado…
Eu tinha a sensação de que os embalos formavam um circuito mais ou menos parecido com a conhecida experiência de Física: pegam-se um polo elétrico positivo e outro negativo, as pessoas se dão a mão e a corrente elétrica circula entre todos. Se um de fora toca naqueles, sente uma descarga elétrica.
Minha impressão era de que o embalo fazia daqueles meninos uma corrente assim, e eu estava fora dela. Porque eu não vivia no corre-corre, no brinca-brinca, na agitação, ou seja, no embalo. Mas tranquilo, ordenado, como nestas ou naquelas linhas gerais Nossa Senhora me ajudou a ser até o presente momento, vendo as coisas com distância, com serenidade. Categórico sim — e quanto! —, como puderam verificar pelo discurso4 proclamado há pouco, o qual não notaram uma só vez que fosse embalado. Quer dizer, tudo muito pensado, no mesmo ritmo; não há um momento em que se possa dizer: “Agora o orador está entusiasmado!” O discurso levanta o voo que pode levantar, segue assim e termina. Não tem girândolas, nem floretes.
Não creio que apanhem uma só fotografia em que eu tenha fisionomia de atormentado. Estou sempre tranquilo, sereno, em ordem e satisfeito, com um bem-estar interior dado pelos gáudios da inocência
E em relação aos outros, sentia-me como uma pessoa de fora da corrente e, portanto, uma espécie de alienígena que não só ficava excluído — o que já não era bom —, mas, pior do que isso, não tinha meios de influir. Ora, eu queria influir.
Então, como arranjar uma posição de equilíbrio onde eu, sem ceder ao embalo, pudesse, entretanto, ter uma comunicação que atraísse? Como me exprimir para gente embalada e que, portanto, não gosta das lentidões serenas e magníficas de uma Suma Teológica de São Tomás de Aquino, por exemplo? Como evitar que minha exposição não fosse recusada pelos partidários do embalo?
Aplicando a virtude da prudência à arte de conversar
Havia aqui uma tangente a tirar. E essa tangente tinha muito a ver com algo que, em mim, foi o prelúdio da oratória, bem como do escrever livros ou artigos: a conversa.
As circunstâncias me obrigaram que isso fosse assim e, prestando atenção nesse discurso, nos meus artigos da “Folha”5, ou passando pela penitência de ler um trecho de livro escrito por mim, se verifica que mais ou menos a matriz de tudo é a conversa.
A tal ponto que quando almocei na “Folha”, há algum tempo atrás, eu tinha diante de mim dois repórteres e, em certo momento, dirigi a palavra a eles. Um disse para o outro: “Olhe que curioso, ele fala exatamente como escreve!” Eu tive vontade de dizer: “Não, eu escrevo exatamente como falo.” Mas não quis dar a ideia de um beliscão, de uma réplica; fui cordial e deixei passar.
Mas eu tenho consciência de que meus artigos, comparados aos artigos de outros jornalistas, entretanto eméritos, são mais conversados. E hoje me dou conta de que a conversa, pelo fato de ser muito dirigida e moldada para exprimir-se em termos atraentes para os outros, começava a derivar para conferência, e da conferência para o discurso, do discurso para o artigo e para o livro. Porque essas coisas se prendiam uma à outra e tinham na raiz a questão do embalo.
Esse empenho de assim modelar a palavra para a conversa — mas entre dois meninos de 12, 13 anos; e que continuei mantendo até os 72 — se chama prudência, porque é a utilização das palavras tendo em vista os riscos e as vantagens de cada vocábulo, e o seu emprego orientado a um determinado fim.
O desejo de me comunicar vinha já do tempo em que eu, sendo criança, subia na mesa da copa de casa e fazia discursos, dava aulas de Catecismo para os empregados etc. Quer dizer, havia uma tendência natural a falar, a me expandir, a me comunicar, que eu atribuo à procedência nordestina de meu pai.
Essa tendência me levava a conversar com qualquer um, e eu falava muito. E a prudência consistia precisamente em modelar esse falar para atingir meu objetivo: influir para a vitória da Contra-Revolução.
A Providência preparou-me e ajudou-me a exercer esse papel não só por alguma coisa que me deu, mas também por muito do que me recusou.
Continua no próximo número.
(Extraído de conferência de 11/7/1981)
1) Jovens discípulos de Dr. Plinio pedem-lhe que discorra sobre a relação existente entre oratória, embalo e prudência.
2) Assim denominava Dr. Plinio o defeito de quem se imagina superior, dotado de qualidades que não possui ou que exagera as qualidades que tem.
3) O que tem megalice (ver nota anterior).
4) Discurso feito por Dr. Plinio no Congresso Eucarístico de 1942, em São Paulo.
5) “Folha de São Paulo”, diário de maior circulação no Brasil, para o qual Dr. Plinio passou a escrever a partir de 1968.