Desde a infância, Dr. Plinio começou a formar uma ideia da Igreja, vislumbrando sua sublimidade perfeita, que reúne em si todas as qualidades, contém uma dignidade insondável, ao lado de uma Cátedra infalível, bem como sua fortaleza e amor extraordinário à paz. E ele tinha a sensação de que a Igreja o olhava e o analisava.
Há um aspecto da alma humana pelo qual o ato de vontade é imediatamente consecutivo ao ato de inteligência e, mais ainda, o ato de vontade ajuda a inteligir, e o ato de inteligência ajuda a querer, que para nós, internamente, são como se fossem uma só coisa.
Interação entre vontade e inteligência
Imaginemos, por exemplo, uma pessoa que nunca tenha ouvido coisa alguma. Eu conheci uma moça completamente surda, e que nunca na vida tinha escutado som nenhum. De repente, apareceram em São Paulo esses aparelhos de audição. O pai dela fez um esforço — porque esses aparelhos no começo eram caríssimos — e comprou um para a filha. Lembro-me dela contar para mim o maravilhamento que teve ao ouvir os primeiros sons; e uma das primeiras coisas que a maravilharam foi quando ela, tendo posto o aparelho nos ouvidos, abriu fortuitamente uma torneira e viu que, ao cair, a água fazia barulho. Ela ficou encantada com o barulho da água, e procurava imitar o ruído.
Suponhamos que ela ouvisse música pela primeira vez e, portanto, se abrisse ao mundo da música. Sua inteligência compreenderia aquilo, mas poderia ser que já nos primeiros acordes, o “dó, mi, sol”, no primeiro toque de órgão ou outro instrumento, ela tivesse um incêndio da vontade, um entusiasmo pela música e se lançasse nesse campo. Quer dizer, a inteligência viu apenas uma pontinha, mas a vontade entrou inteira e impeliu a inteligência a atuar. O ato de vontade ajudou a inteligência a fixar-se e, em certo sentido, até a entender.
Existe algo disso entre nós e a Igreja Católica, em virtude do dom da Fé. Podemos nos dar conta disso ou não, mas somos convidados, em nossos primeiros lances, a ver a Igreja com ênfase: “Então, é isto!” Esta ênfase varia muito de acordo com a pessoa, depende do modo de ser de cada um. Por exemplo, minhas ênfases calmas não são vibráteis e de grande vitalidade. Mas esta ênfase primeira nos é dada junto com a Fé.
Um conjunto de sublimidades perfeitas
Quando comecei a me aproximar e a formar uma ideia da Igreja — eu tinha uns sete ou oito anos de idade —, dizia de mim para comigo o seguinte: “Há aqui um conjunto de sublimidades perfeitas que é o tom de tudo. E a verdade total está nisso. E esse tipo de sublimidade perfeita reúne em si todas as qualidades e contém uma dignidade insondável, inimaginável, ao lado de uma Cátedra infalível, de uma fortaleza inefável, mas de um amor extraordinário à paz.”
Isso tudo está contido nesse primeiro momento em que olhamos a Igreja e temos a impressão de que ela nos olha. Naquela ocasião não formei essa ideia, mas hoje, lembrando-me daquilo, noto que eu tinha a sensação de que a Igreja me olhava, e eu sentia o olhar dela pairando sobre mim, analisando-me. E estava no direito dela… Se a Igreja fosse redutível a uma pessoa, esta como que se perguntaria: “O que vai sair disto: uma via de júbilo ou uma via de dores? De qualquer maneira, vou dar-me inteira a ele.” E eu, submisso, não cabendo em mim de entrega, de entusiasmo, de fervor!
União autêntica nascida do primeiro olhar
Tudo quanto eu via da Revolução e da Contra-Revolução era derivado do fato de ter no fundo da minha alma esse olhar primeiro. E eu quereria que a Igreja recriminasse os erros da Revolução e me repreendesse pelos meus defeitos. Uma Igreja mãe de misericórdia, como Nossa Senhora, mas que soubesse me dizer as verdades.
E pensava: “Analisando a Igreja, vejo que isto está nesse algo celeste que eu vi. É apenas um raio do sol dentro do sol. Não está incidindo no momento, mas tem que ser assim.” E cheguei a explicitar verdades que eu nunca tinha ouvido: “É preciso ser combativo, pois a combatividade é uma virtude católica.” Só muito depois vim a descobrir a virtude da fortaleza. Na época em que eu era menino, a fortaleza era apresentada numa tal banha de modorra e de sono, que não me dei conta do significado dessa virtude.
Vejam o lado interessante: eu não falava em nome da Igreja, mas, baseado na doutrina dela, fazia afirmações que possuíam fundamentos escritos para comprová-las.
E aqui está o que me interessa mostrar: esta forma de união proporcionada por essa espécie de olhar. E, sem ler o que os autores diziam, deduzir. Mas deduzir a partir de um estado de espírito e de uma virtude que eu tinha notado e me encantaram. Isso é realmente uma forma muito autêntica de união. Não quero dizer que seja uma forma excelsa, superexcelente de união, mas é uma forma de união muito autêntica.
No que consistiu esse olhar primeiro? É claro que a palavra “olhar” vai aqui entre aspas; trata-se de uma metáfora. Esse discernimento primeiro, em que consiste e que profundidades ele pode atingir? Nenhuma comparação é inteiramente precisa. Os latinos diziam: omnia comparatio claudicat, toda comparação claudica, um pouco ou muito. Eu compreendo que se poderia objetar contra o que estou dizendo, mas seria uma objeção desprovida de sentido, pois a ambição de uma comparação não visa dar uma definição, mas apenas ajudar a esclarecer um tema.
Foco divino da inteligência da Igreja: o Espírito Santo
Podemos demonstrar que a Igreja Católica é a verdadeira Igreja de Deus, através da razão apoiada pela graça. Mas há alguma pessoa que tenha feito, passo a passo, este itinerário inteiro, antes de crer: “Pois bem, depois de dez anos de estudo, está provado que a Revelação é verdadeira e que Nosso Senhor Jesus Cristo foi Homem-Deus. Entretanto, qual das igrejas cristãs é a verdadeira?” Para proceder racionalmente é preciso coletar todos os pontos de divergência, que existem e que existiram, e estudar cada um desses pontos.
Esse olhar primeiro e essa graça nos tocam e nos convencem. Depois, a razão, de cá, de lá, de acolá, de vez em quando faz uma pergunta, e nós, sem duvidar, podemos prestar atenção no que responde a Apologética; e isso nos satisfaz.
Considerando a História da Igreja, desde a época primitiva até a queda do Império Romano do Ocidente, e detendo a atenção no estudo das heresias, das polêmicas internas — já no tempo das catacumbas e mais tarde —, aparecem os grandes homens daquele período.
Vemos então uma inteligência da Igreja por onde, por mais que apliquemos a nossa inteligência, sentimo-nos umas crianças em comparação com aqueles personagens. Não é apenas porque aqueles doutores tenham sido tão inteligentes. Sem dúvida o foram; contudo, o meu comentário não versa sobre isso, mas sobre outra coisa: o foco de onde tudo isso surgiu é superior a eles todos. E por mais que procuremos compreender esse foco, ele nos compreende, mas nós não o compreendemos. É o Divino Espírito Santo.
(Extraído de conferência de 18/7/1981)