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Santo Odon, a formação de elites e o amor aos pobres

A Idade Média, com suas catedrais, castelos, universidades e outras instituições, causa admiração até entre os não católicos. O espírito dessa época histórica nasceu de Cluny, uma pujante Abadia que teve Santo Odon como primeiro abade. Graças à sabedoria deste grande santo, Cluny pôde influenciar toda a Europa.

No dia 18 de novembro comemora-se a festa de Santo Odon. Na “Vida dos Santos”, de Omer Englebert1, encontramos a seguinte síntese biográfica deste santo abade de Cluny:

Graças a Santo Odon, a influência de Cluny espargiu-se por toda a Cristandade

Odon era filho de fidalgos que viviam na Alsácia, os quais atribuíam seu nascimento à intercessão milagrosa de São Martinho. Foi mandado ainda criança para a corte de Fulk, o Bom, Conde de Anjou, e mais tarde passou para a de Guilherme, Duque de Aquitânia. Aos 16 anos foi acometido de dores de cabeça, que só foram curadas quando o jovem ingressou no cabido de São Martinho, em Tours. Dedicou-se durante vários anos ao estudo dos clássicos e dos Santos Padres, seguindo em Paris, em 901, os cursos de Filosofia de Remígio de Auxèrre. Aplicou-se também profundamente ao estudo da Poesia e da Música, as quais cultivou durante toda a vida. Após ter sido cantor do cabido e de ter escrito várias obras, Odon ingressou no mosteiro beneditino de Baume-les-Messieurs, na Borgonha, mudando depois para Cluny, quando da fundação desse mosteiro, onde foi nomeado abade. As escolas que ele criou em Cluny atraíram em breve tudo quanto havia de mais nobre no Ocidente. Era costume dizer-se que um príncipe, no palácio de seu pai, não recebia educação mais apurada que os alunos de Cluny. Graças ao santo abade, a influência da abadia espalhou-se por toda a Cristandade. Os Papas a ele recorriam em suas dificuldades, e os príncipes chamavam-no para reformar os mosteiros em seus estados.

Jean-Pol Grandmont
Vila e abadia beneditina de Baume-les-Messieurs, França

Nas cortes de Fulk, o Bom, e de Guilherme da Aquitânia

Tudo nessa biografia é digno de nota. É muito bonito observarmos, primeiramente, a nomenclatura dos personagens e lugares envolvidos nessa narração.

Por exemplo, os nobres a quem ele foi mandado para servir, quando ainda menino. Conde Fulk, o Bom: representa de tal maneira o conde medieval, em seu castelo, bom homem, ao mesmo tempo amável, gentil, mas valente no combate, que realmente chama a atenção. Dá-nos a impressão de uma figura de vitral.

Aliás, é preciso dizer que a palavra “bom” não tinha apenas o sentido que se costuma dar-lhe hoje. Não se tratava, portanto, apenas de uma pessoa caridosa, amável, mas de alguém capaz de cumprir eximiamente suas obrigações. Então, Fulk, o Bom, é o conde capaz de levar a cabo aquilo que tem de fazer.

Depois, Santo Odon passa para a corte de Guilherme, Duque da Aquitânia. Vem-nos à mente tudo quanto representa o ducado da Aquitânia, um grande feudo francês, um verdadeiro principado, uma miniatura de reino, na parte talvez mais poética da França, que é a França dos jograis, dos trovadores. E, apesar das heresias e erros morais ali surgidos, representava a França com um dos aspectos da Idade Média que era, precisamente, o aspecto poético.

Podemos imaginar, então, o Duque Guilherme da Aquitânia sentado num trono de carvalho trabalhado, recebendo homenagens de seus súditos à tardinha, no alto de uma escadaria do castelo, que dava para o pátio onde se adestravam os pajens. De repente, toca o Ângelus, todos interrompem suas atividades e rezam. Nesse ambiente é que Santo Odon formou sua mentalidade.

Música filosofada e Filosofia musicalizada

Após ter conhecido personagens tão interessantes, o jovem Odon foi estudar Filosofia, Poesia e Música na Universidade de Paris. Imaginemos um estudante daquele tempo, vestido com uma espécie de batina que vai até os pés, de cores variegadas, com um chapéu encimado por uma pluma, e que anda por Paris com alaúde ou algum outro instrumento; ele para à beira do Sena, toca um pouquinho e sai andando novamente… Eis a atmosfera inteiramente poética em que essa vida se passava.

Que riqueza uma pessoa estudar Filosofia e Música ao mesmo tempo! É aquela síntese da cultura medieval, por onde tudo é Filosofia e Música conjuntamente, e há uma Música filosofada e uma Filosofia musicalizada. Como isso é superior!

É uma tal visão das coisas, que se tem a impressão de serem figuras de vitrais, panoramas de iluminuras, e que toda a luz da Idade Média se irradia. É um prenúncio da luz do Reino de Maria.

Michal Osmenda
Abadia beneditina de Cluny, França

Nikater

Santo Odon cultivou essas duas coisas durante a vida inteira. Pode haver algo mais bonito do que imaginar um abade imponente, majestoso, que, numa hora de silêncio na abadia, entra sozinho na igreja e vai fazer seus exercícios de Música no coro, como grande conhecedor? Esse abade é um santo e sente-se algo da santidade dele modulando o próprio som do instrumento por ele tocado.

São Gregório VII foi monge de Cluny

Odon ingressou no mosteiro beneditino de Baume-les-Messieurs, na Borgonha…

Tem-se a impressão de que Baume-les-Messieurs é uma cidade pequena, cultivada, distinta, em cuja praça pública há continuamente messieurs2 conversando de um modo agradável e delicado. É um encanto, uma pedra preciosa engastada numa joia chamada Borgonha, uma das mais fabulosas regiões da França.

…mudando depois para Cluny, quando da fundação desse mosteiro, onde foi nomeado abade.

Gustavo Kralj
O Papa São Gregório VII abençoa a Condessa Matilde – Museu do Vaticano, Itália

Cluny foi a grande abadia beneditina, que chegou a ter sob sua regência mais de mil abadias espalhadas pela Europa inteira, e que deu o espírito da Idade Média. Para não dizer mais nada, São Gregório VII era monge de Cluny. Então esse homem, depois de ter estudado Poesia, Filosofia, Música, vai ser abade de Cluny.

Quem forma elites demonstra compaixão pelos pobres

As escolas que ele criou em Cluny atraíram em breve tudo quanto havia de mais nobre no Ocidente.

Mostraram-me um documento com as conclusões de um congresso no qual se criticava a Igreja e instituições eclesiásticas por se dedicarem demasiadamente à formação das elites.

Isso significa não compreender as coisas, porque se queremos favorecer a muitos ao mesmo tempo, devemos fazer bem àqueles que depois poderão ajudar os outros. É evidente. Seria um pouco como dizer: “Fulano não tem pena dos pobres porque fundou em tal lugar uma escola de Medicina.” Ora, assim formam-se os médicos que vão cuidar dos pobres. Portanto, quem fez isso demonstrou a máxima compaixão para com os pobres. Quem tem verdadeiro amor ao povo, forma elites capazes de fazer bem ao povo.

Assim, numa época de muito analfabetismo, a primeira coisa que Santo Odon faz é fundar escolas para a elite, atraindo toda a nobreza da Europa. Vem, então, aquele comentário transcrito na ficha: o menino educado em casa não poderia ter, nem de longe, a mesma finura e educação que se fosse educado em Cluny. Eis, exatamente, o empuxe de partida que Cluny deu a toda a Europa por sua influência sobre a nobreza europeia, como também sobre os clérigos.

Saudades de nossa casa paterna: a sacrossanta Idade Média

Como sempre acontecia na Idade Média, os grandes santos eram convidados para serem conselheiros dos Papas e dos reis. Esse homem foi um pilar da Europa também enquanto conselheiro de Pontífices e de monarcas.

Temos, assim, uma vida que mereceria toda ela ser representada em vitrais como os da Sainte-Chapelle, ocupando um lado e outro de uma catedral, começando com o nascimento dele, depois naturalmente os milagres, aparições; ele deve ter tido lutas, episódios como, por exemplo, encontros com o imperador que ia consultá-lo, etc.; até a narração de sua santa morte: ele esticadinho, à maneira medieval, numa cama feita de uns panos caídos por todos os lados, e uma pombinha saindo de sua boca, simbolizando sua alma que voava para Deus.

Como isso serve para matarmos as saudades daquilo que não conhecemos!

Pensa-se que as maiores saudades vêm daquilo que tivemos conhecimento. É muito maior a saudade daquilo que não conhecemos, que sabemos ter sido nossa casa paterna, roubada e destruída séculos antes de nós nascermos, e que é a nossa sacrossanta Idade Média.

Narrações como essa servem para alimentarmos nosso desejo do Reino de Maria.

Que Santo Odon acenda em nós esse desejo e a vontade de rezar para que Nossa Senhora apresse a vinda do Reino d’Ela, porque realmente estamos num ponto em que é preciso empenhar todas as forças da alma e fazer todos os sacrifícios para acelerar esse dia. Devemos ser chamas ardentes a pedir que se apresse a conversão ou a punição dos maus, e a implantação do Reino de Maria.

(Extraído de conferência de 17/11/1966)

1) Não dispomos dos dados bibliográficos da obra citada por Dr. Plinio nesta conferência.

2) Do francês: senhores.

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