Os gestos de Dona Lucilia, o timbre de sua voz, as palavras que dizia, o modo de se dirigir a alguém etc., exprimiam a harmonia que habitava toda a pessoa dela. Em tudo ela manifestava a doçura, não apenas de um coração afetivo, compassivo e benévolo, mas que resultava dessa mesma harmonia.

Sobre meu atual relacionamento com mamãe, há uma coisa um pouco difícil de explicar. Em meu quarto de uma das Sedes de nosso Movimento, tiveram a ideia filial e, ao mesmo tempo, magnífica, de colocar a fotografia de corpo inteiro dela, tirada em Paris. Naturalmente, não passo uma só vez pelo quarto sem olhar para a fotografia. Habitualmente, quer quando esteja entrando ou saindo, quer quando fico lá dentro, ao deitar-me, contemplo-a.

Dona Lucilia em Paris

“Eu a tenho presente continuamente, com todos os pormenores”

Mas uma pessoa poderia me perguntar: “O senhor sente saudades dela? Como são essas saudades?”

É uma pergunta cheia de propósito, mas difícil de responder pelo seguinte: a minha união de alma com Dona Lucilia era tão grande que, quando eu passo diante de sua fotografia, tenho a impressão de ter estado com ela há cinco minutos.

A figura dela habita de tal maneira em minha mente — a figura moral ainda mais do que a física, embora esta seja expressão da figura moral, é claro —, que a distância, mesmo entre a vida militante e a vida gloriosa no Céu, não é grande. E eu a tenho presente continuamente, com todos os pormenores, todos os detalhes e tudo o mais. De maneira que, ainda agora, passei em frente ao quadro e tive, uma vez mais, a impressão preponderante que a fotografia me causa, e pensei:

“É curioso, mas eu tinha esta impressão quando era pequenino e a via partir para um lugar, para outro, em traje de gala. Como posso explicar que eu mantenha essa mesma impressão tão viva hoje? Bem, deve ser a memória. Mas minha memória é tão pífia… não pode ser.”

O tule que ela segura nas mãos parece ser uma corporificação da harmonia

De fato, trata-se de uma coisa diferente; é o mesmo sentimento, como se experimentasse vivamente aquela sensação de doçura, não apenas de um coração afetivo, compassivo, benévolo; é uma doçura que resultava da harmonia de tudo dentro dela.

Há por detrás disso uma coisa, por assim dizer, filosófica. Ela era muito harmônica em tudo. Os gestos, o timbre de voz, o que ela dizia, o modo de se dirigir a uma pessoa; em tudo isso havia uma harmonia que, quem não a conheceu pessoalmente, não pode fazer uma ideia de como tenha sido.

Essa impressão Dona Lucilia me dava muito profundamente, e dessa harmonia decorria a doçura. Ela colocava o interlocutor, se este quisesse, dentro dessa harmonia também; e o envolvia e o penetrava de harmonia, que desarmava os maus humores, os nervosismos e todas as outras coisas análogas, deixando a pessoa inteiramente à vontade. Eu não saberia explicar bem como, mas era assim.

A meu ver, isso se exprime naquela fotografia, no todo, é verdade, mas especialmente nos gestos dos braços e no tule que ela conduz, o qual parece uma corporificação, uma condensação daquela harmonia. Dir-se-ia que mamãe pegou-a no ar, franziu um pouco e saiu o tule… E que ela andava e vivia nesse ritmo. Isso ficou de tal maneira presente na minha recordação, que é como se tivesse estado com ela cinco minutos atrás. Isso mora em mim!


A presença de Dona Lucilia

É fácil compreender que o problema das saudades se põe em outros termos. Mas alguém me perguntará: “O senhor não teria gosto em vê-la?” Muito! Mas aqui está o paradoxo: o gosto em vê-la é enormíssimo, mas não importa em dizer que eu a sinta ausente, no sentido em que, habitualmente, se considera a ausência.

Há uma expressão francesa muito verdadeira: “Partir c’est mourir un peu” — partir é morrer um pouco. De fato, quando viajamos temos essa sensação de que morremos um pouco para o ambiente que deixamos.

Para ela, não. Partir não é morrer um pouco nem muito. Há uma presença que não sei como explicar, mas que decorre, para mim, preponderantemente dessa harmonia que habitava toda a pessoa dela; uma doçura que se fazia harmonia e uma harmonia que se fazia doçura: era uma coisa reversível.

Nunca vi em Dona Lucilia um gesto, uma inflexão de voz, um tom, um modo de tratar alguém que não tivesse essa harmonia. Absolutamente nunca vi!

Harmonias harmônicas entre si

A palavra “harmonia” empobrece um pouco a realidade, pois ela era toda feita de harmonias harmônicas entre si; eram zonas intrinsecamente harmônicas da alma dela que, entre si, faziam uma única harmonia. Era uma coisa toda especial. E essa é a minha recordação.

Então, quando eu tinha de sair, e me lembrava de que mamãe estava em casa, ficava-me a impressão de que ela enchia a residência. Quando eu permanecia em casa e ela não estava, eu tinha a sensação de que a residência estava vazia.

Lembro-me de que, uma vez ou outra, depois de eu ser homem feito, ela fez viagens, ora para Santos, ora para Águas da Prata, para tratar da saúde, e que, por isso mesmo, exigiam em geral estadias longas. Eram, às vezes, vinte dias de ausência! Eu sentia a casa com um vazio fenomenal!

(Extraído de conferência de 2/8/1982)

Salão de visitas e sala de jantar do apartamento de Dona Lucilia

 

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