sábado, noviembre 23, 2024

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Amando a Deus acima do filho querido

Como o ouro, que manifesta sua pureza ao passar pelo fogo, também o entranhado amor materno de Dona Lucilia por Dr. Plinio, tantas vezes descrito nestas páginas, demonstrou sua candura e retidão, ao ser provado no “cadinho” do filho afetuoso.

As primeiras recordações que eu tenho de minha mãe, em pequeno, são das carícias que ela me fazia. É próprio a uma criança gostar de ser acariciada, sobretudo pela mãe.

Dona Lucilia possuía, como ninguém, o conhecimento do por onde eu me sentiria melhor acariciado e, portanto, como fazer para agradar-me plenamente, incutindo em mim um gosto muito grande pelas carícias dela.

Um ordenadíssimo rio de águas douradas

Mas havia qualquer coisa no afago de mamãe que, por mais que fosse envolvente, doce, tranquilizante e representasse um carinho no sentido mais meigo da palavra, eu sentia que aquilo era como um rio de águas prateadas ou douradas que corria canalizado. Não como esses rios que, de vez em quando, se extravasam para a direita ou para a esquerda. Era completamente retilíneo, ordenadíssimo.

Rosée, Dona Zili, Dona Lucilia e Plinio, em Águas da Prata (SP)

E vendo em mim uma criança inocente, ela se encantava com a minha inocência. Mas se ela notasse em mim um defeito, imediatamente no espírito dela nascia uma restrição entristecida, não irritada no sentido de ter ficado com os nervos abalados.

Dona Lucilia com Plinio nos braços

Aliás, jamais a vi assim na minha vida, e nunca me passou pela cabeça que ela tivesse semelhante irritação; nunca, em nenhuma situação!

Mas era uma censura entristecida, como quem dissesse: “Isto está mal feito, ele é meu filho e eu vou corrigi-lo, pois se não o fizer, tê-lo-ei menos virtuoso. E isso eu não quero, porque nele eu amo, principalmente, a virtude.” Esse era o elemento ordenativo do afeto dela.

Querer bem por amor a Deus

Eu sentia, com profunda comoção, esse mundo de comprazimento por parte de mamãe. Ora, quando nos encontramos diante do afeto, a forma do entusiasmo que se tem chama-se emoção. Portanto, ficava profundamente emocionado.

Mas, de outro lado, encantava-me com aquela ordenação que correspondia ao que eu tanto apreciava, ou seja, que ela me quisesse bem, não apenas com um amor quase meramente instintivo, por ser seu filho, e ainda que fosse um facínora, me amaria tanto quanto se eu fosse um homem bom. Isso não!

O instinto materno chega até esse ponto: “Ele é um facínora, mas apesar disso, eu o quero bem porque é meu filho.” Em certo sentido, com as devidas ressalvas, está bem. “Mas, querê-lo tanto quanto o quereria se ele fosse bom, não. Porque devo amá-lo, antes de tudo, porque ele ama a Deus. E se ele não ama a Deus, eu o quero porque ele pode vir a querer a Deus se eu rezar muito por ele. Porém, se ele tivesse rompido com Deus como uma alma condenada, então não o quereria bem.”

É o que explica que as mães, estando no Céu e tendo conhecimento de que seus filhos estão no Inferno, não se entristeçam. No Céu não pode entrar a tristeza, é impossível. Mas como, logicamente, uma mãe não se entristece? Ela viu que aquele filho rompeu irremediavelmente com Deus, e que vai passar a eternidade blasfemando contra Ele; então, ela rompe com o filho, porque ela ama mais a Deus do que ao filho.

Ora, essa ordem eu sentia no fundo da personalidade dela, na franqueza e no espírito analítico de seu olhar. Eu me sentia examinado, analisado por ela, com afeto — não tinha nada de policialesco — mas com solicitude maternal.


”Você é sempre o mesmo!”

Já tive ocasião de contar que, voltando de minha primeira viagem à Europa, ela me recebeu no hall de casa, com um demorado abraço. Depois, afastou-se um pouco de mim e me olhou bem no fundo dos olhos. Em seguida, abraçou-me e beijou-me novamente, dizendo: “Você é sempre o mesmo!”

Eu era homem feito, porém uma viagem longa para um lugar brilhante como a Europa acarreta muitas possiblidades de elevação da alma, mas também de perdição. E ela conhecia o caso concreto de muita gente que fora à Europa e lá se perdera.

Era natural que ela, como minha mãe, tivesse uma preocupação: “Meu filho não vai ser tentado lá? Ele é feito de carne e osso, não está confirmado em graça, portanto, pode acontecer.” Posso imaginar quanto ela rezou! Juntamente com a alegria do encontro, quanto havia nela o desejo de saber que homem ela encontraria! Havia nisso uma retidão que estava de acordo com a lógica, e isso me encantava.

Passando pela prova…

Concluo lembrando um fato passado entre nós dois. Estávamos almoçando juntos, e ela servindo-se de um prato de que não gosto, mas ela apreciava muito: sopa de mandioca, na qual ela ainda mandava pôr agrião.

Evidentemente, embora eu considere horrível, seria capaz de ir comprar a mandioca e mandar a cozinheira fazer a sopa para ela, se fosse necessário. O que mamãe quisesse e não ofendesse a Deus, eu faria tanto quanto ela desejasse. E se há um prazer inocente, é tomar um caldo de mandioca com agrião.

Ela estava tomando a sopa com aquela calma característica, e os olhos postos nas árvores da Praça Buenos Aires, que ela gostava enormemente de ver e para as quais dá a janela da sala de jantar. Eu era já homem feito, e ela, uma senhora bem idosa.

Eu queria ver até que ponto mamãe, de fato, amava mais a Deus do que a mim. A certa altura da conversa, soltei a seguinte frase: “Mamãe, estive pensando o que eu faria se, de repente, a senhora ficasse protestante. Eu romperia as relações com a senhora. Daria dinheiro para mantê-la aqui nesta casa, para a senhora viver bem, mas não comigo, porque eu sairia da casa e viria ver a senhora umas duas ou três vezes por ano; fora disso não, porque para mim o relacionamento com a senhora estava encerrado.”

Olhei para ela para ver como receberia uma declaração como essa da parte de um filho muito respeitoso, muito afetuoso. Ela continuou a tomar sua sopa de mandioca com uma naturalidade como quem julgasse que eu estava dizendo uma coisa evidente.

A lógica confirmou o meu afeto e o meu entusiasmo.

(Extraído de conferência de 24/10/1987)

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