No célebre “Tratado da Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem”, São Luís Grignion de Montfort comenta que os escravos de Maria terão especial devoção pelo mistério da Encarnação do Verbo, que se comemora a 25 de março, para honrar a total dependência que Jesus quis ter a sua Mãe estando cativo e escravo no seu seio. É o mistério mais elevado e o menos conhecido, resumo de todos os outros: “…este novo Adão, enquanto permaneceu nesse verdadeiro paraíso terrestre, aí realizou ocultamente tantas maravilhas que nem os anjos nem os homens as compreendem; por isso os santos chamaram Maria a magnificência de Deus” (n. 248).
Uma vez que Jesus Cristo é carne da carne e sangue do sangue de sua Mãe, a participação d’Ela no mistério da Encarnação é incalculável, não podendo haver maior intimidade de uma criatura com Deus. E Nosso Senhor passou trinta anos junto de Maria Santíssima, dedicando aos homens somente três.
Nossa Senhora gerou Nosso Senhor, criou-O e conduziu-O ao altar do sacrifício, pois Jesus morreu com o consentimento de Maria. Portanto, o papel d’Ela na Encarnação e na Redenção dos homens não poderia ser maior.
À imitação do Divino Mestre, entreguemo-nos por inteiro nas mãos de tal Mãe, para exercermos nossa verdadeira liberdade e alcançarmos a felicidade eterna, conforme nos exorta Dr. Plinio nas seguintes palavras:
“Escravidão”… rude e estranha palavra, sobretudo para os ouvidos modernos, habituados a ouvir falar, a todo momento, de desalienação, de libertação […].
Ora, há uma escravidão que liberta, e há uma liberdade que escraviza.
Do homem cumpridor de suas obrigações se dizia outrora que era “escravo do dever”. De fato, era um homem situado no ápice de sua liberdade, que inteligia, por um ato todo pessoal, as vias que lhe tocava trilhar, deliberava com varonil vigor trilhá-las, e vencia o assalto das paixões desonestas que tentavam cegá-lo, amolecer-lhe a vontade e vedar-lhe assim o caminho livremente escolhido. O homem que, alcançada esta suprema vitória, prosseguia com passo firme para o rumo devido, era livre.
“Escravo” era, pelo contrário, aquele que se deixava arrastar pelas paixões desregradas, para um rumo que sua razão não aprovava, nem a vontade preferia. A estes genuínos vencidos se chamava de “escravos do vício”. Tinham, por escravidão ao vício, se “libertado” do sadio império da razão. […]
Hoje tudo se inverteu. Para uns, é “livre” quem, com a razão obnubilada e a vontade quebrada, impelido pela loucura dos sentidos, tem a faculdade de deslizar voluptuosamente no tobogã dos maus costumes. E é “escravo” aquele que serve à própria razão, vence com força de vontade as próprias paixões, obedece às leis divinas e humanas, e põe em prática a ordem. […]
Foi em outra perspectiva que São Luís Grignion de Montfort ideou a “escravidão de amor” a Nossa Senhora, própria a todas as idades e a todos os estados de vida: leigos, sacerdotes, religiosos, etc. […]
“Amor”, em sã filosofia, é o ato pelo qual a vontade quer livremente algo. […] “Escravidão de amor” é o nobre auge do ato pelo qual alguém se dá livremente a um ideal, a uma causa. Ou, por vezes, se vincula a outrem. […] Quanto mais alto é o estado livremente escolhido, tanto mais forte o vínculo, e tanto mais autêntica a liberdade.
Assim, São Luís Grignion propõe que o fiel se consagre livremente como “escravo de amor” à Santíssima Virgem, dando-Lhe seu corpo e sua alma, seus bens interiores e exteriores, e até mesmo o valor de suas boas obras passadas, presentes e futuras, para que Nossa Senhora delas disponha, para maior glória de Deus, no tempo e na eternidade. Nossa Senhora, como Mãe excelsa, obtém em troca, para seus “escravos de amor”, as graças de Deus que elevem as inteligências deles até a compreensão lucidíssima dos mais altos temas da Fé, que deem às vontades deles uma força angélica para subir livremente até esses ideais, e para vencer todos os obstáculos interiores e exteriores que a eles indebitamente se oponham. […]
Para todos os fiéis, a “escravidão de amor”, é, pois, essa angélica e suma liberdade com que Nossa Senhora os espera no umbral do século XXI: sorridente, atraente, convidando-os para o Reino d’Ela, segundo sua promessa em Fátima: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará” 1.
1) “Folha de São Paulo”, 20/9/1980.
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