Em sua luta tenaz, meticulosa e contínua contra a Revolução, Dr. Plinio conseguiu explicitar a bela doutrina sobre a sociedade orgânica, que se opõe radicalmente à sociedade socialista. Entre uma república orgânica e uma monarquia socialista, preferia ele a primeira porque está mais de acordo com a ordem natural das coisas.
A sociedade orgânica só é boa quando nela preponderam os bons, e a média geral é bastante boa. Então se origina daí uma espécie de espontaneidade reta, que é o fruto do bem. Quando o homem, imbuído do bem, entregue ao seu próprio movimento e à sua própria ação, colabora com outros bons, nasce daí um determinado tipo de sociedade que é, de um lado, profundamente espontânea, mas de outro lado profundamente ordeira. E a ordem nasce em grande parte da espontaneidade, e é o fruto da graça nas almas daqueles homens.
Necessidade do governo
Contudo, essa concepção não elimina o governo. Porque, tomados os vários homens retos e bons, sem um governo que os oriente operativamente e os informe, que faça, pelo princípio de subsidiariedade, o que o conjunto dos indivíduos não pode realizar, não há possibilidade dessa sociedade de bons, de espontaneidades boas, dar resultado.
Imaginemos uma cidade em que todos os habitantes fossem bons. Essa sociedade, pelo fato de ser grande e de se compor da interarticulação de elementos retos, mas numerosos, assume necessariamente uma certa complexidade. E uma complexidade que torna difícil ver quais são os problemas que nela surgem para seu reto desenvolvimento. E, de outro lado, torna difícil persuadir e levar a todos para uma determinada direção, exatamente porque nem todos veem do mesmo modo a situação.
Daí vem o governo, que é subsidiário dessa formação orgânica da sociedade, mas que deve ser concebido como uma emanação dessa organicidade social, no sentido de que os elementos desse governo são constituídos por essa sociedade de bons. Seus membros existem pelo consenso dos bons, no qual a sociedade orgânica é profundamente baseada. Esse governo de bons, de fato governa e precisa ser obedecido por um ato de fé confiante, da parte dos governados.
De maneira que, embora ninguém esteja vendo como se explica, o governo merecedor de confiança dirá: “Por razões que não podemos publicar, isto deve ser feito assim.” E, como na sociedade orgânica todos sentem a bondade daqueles que governam, confiam e tocam para a frente. Até lá chega a perfeição dessa sociedade.
Significado da palavra “orgânica”
Dessa forma, temos então uma sociedade que é governada, mas que é profundamente orgânica. O que faz aí a palavra “orgânica”? É que a ordem do organismo saudável é precisamente essa. Nele cada célula e cada órgão constituído por essas células são saudáveis, nascendo daí uma interação e uma operação externa também saudáveis, sem que ninguém tenha organizado. Foi a própria natureza posta por Deus que determinou e originou essa organização.
E apesar de haver analogias e muita harmonia de um organismo humano para outro, é preciso que cada homem — ser inteligente — tenha sobre si um olhar analítico, pelo qual ele seja capaz de perceber quando seu corpo não está bem, e escolher os alimentos, o sistema de vida e, se for necessário, os médicos que lhe restituam a saúde.
Assim, na sociedade orgânica o governo faz o papel da alma inteligente, e a sociedade desempenha a função do corpo. Temos, então, uma sociedade inteiramente nascida de uma interrelação, à maneira da existente num organismo.
Por exemplo, se os dedos de minha mão não se movessem por si mesmos, e não houvesse algo neles que é a minha vida, enquanto agindo neles e, portanto, também condicionada por eles com características próprias, eu não teria dedos normais; seriam dedos de pau ou de qualquer outra coisa, mas não membros de um mesmo organismo.
Em oposição à sociedade socialista
Essa doutrina eu a fui construindo de proche en proche1, raciocinando a respeito de um ou outro fato histórico, e sobre os erros da sociedade moderna. E é exatamente esse conceito de vida que caracteriza a organicidade.
A importância dessa designação de orgânico vem do fato de sua oposição à sociedade socialista.
A sociedade socialista — seja ela democrática ou ditatorial — parte da ideia de que tudo quanto o homem faz precisa sempre estar sendo governado e dirigido pelo Estado. E que ou o Estado faz tudo e a sociedade vai obedecendo, ou nada feito. E o Estado democrático, nascido da Revolução Francesa, embora fale de liberdade, é inteiramente assim.
E daí nasce um Estado artificial, feito por tecnocratas, e que é contraindicado e antinatural, como seria um organismo humano feito por tecnocratas. Quer dizer, não dá certo. Ou há uma certa boa disposição das potencialidades boas postas por Deus nos seres individuais, e que então se entrelaçam, ou nada feito.
Em outros termos, ou é a ação de Deus através da natureza, ou é nada. E o próprio governo, que tem essa função tutelar, só é verdadeiramente um governo de acordo com essa ordem natural na medida em que, exercendo a função que eu comparei com a da alma sobre o corpo, tomar o cuidado de ter a atenção continuamente posta na realidade do corpo, e governar consultando as inclinações, as tendências do corpo. Porque se não for isso, se cai no caos.
A primeira coisa que os governantes da sociedade orgânica devem ter não é o saber Economia, mas — eu diria — possuir quase uma espécie de discernimento dos espíritos, da mentalidade, das tendências boas e más do povo, e fazer junto a este a política do bem. Isso seria a sociedade orgânica.
Não é tão importante que o Estado seja republicano ou monárquico. Entre uma república orgânica e uma monarquia socialista, eu preferiria a república orgânica. Portanto, a verdadeira pedra de chave não está na forma de governo, mas na organicidade de toda a vida do país e, portanto, do Estado também.
O papel da aristocracia
Não obstante, uma primeira representação do povo, uma representação de primeiro grau é feita pela aristocracia.
Por exemplo, Zaragoza, na Espanha. Como por toda parte do mundo as aristocracias estão meio destruídas, creio que nessa cidade deve haver uma aristocracia, mas muito debilitada e pouco capaz de representar a totalidade de Zaragoza.
Mas no tempo em que o regionalismo era muito mais desenvolvido, Zaragoza, como capital do Reino de Aragão, tinha as suas particularidades como cidade, mas representava todo o Reino, porque nela existia por excelência aquilo que, de modo mais pálido e disseminado, havia nas cidades menores do Reino de Aragão. Assim também, por um análogo fenômeno, a aristocracia representava Zaragoza, era o elemento mais central, mais vivo da sociedade de Zaragoza, como esta era o elemento mais central e mais vivo do Reino de Aragão.
E isso fazia com que os trajes, as músicas, a arquitetura, a culinária regionais, a organização municipal de Zaragoza tivessem um unum de psicologia; e a nobreza, pela ordem natural das coisas, possuía essa psicologia de modo muito mais tônico do que as outras classes da cidade. E, por essa razão, a nobreza representava Zaragoza. Não é porque ela tivesse sido eleita para isso, mas devido a um fenômeno vivo que se trata de descrever; a nobreza era a Zaragoza por excelência.
Como nasce a dinastia
À vista do exposto, como se justifica a monarquia?
Pelo mesmo fenômeno através do qual a sociedade de uma cidade tende a explicitar-se a si mesma por meio de um grupo de famílias que a interpreta e a exprime melhor. O grupo de famílias que melhor interpreta e exprime a sociedade nacional tende a elaborar, por assim dizer, uma família que manifesta isso muito mais acentuadamente, e que é a dinastia.
Nasce daí a capacidade da dinastia de representar e de reinar. O direito de reinar lhe vem de Deus, é certo, mas através da natureza, por meio desse processo de destilação aristocratizante centrípeta. Aquilo que está difuso no povo vai sendo destilado por um certo grupo de famílias — porque elas existem em todos os povos —, e o povo vai voltando sua atenção e prestigiando mais as famílias em que ele se sente melhor expresso. É uma espécie de sufrágio universal mudo. Assim nasce a aristocracia. E por essa mesma destilação a nação gera a dinastia.
Surge, então, a pergunta: Mas se a dinastia se deteriora, qual é o remédio?
A nobreza representava Zaragoza. Não é porque ela tivesse sido eleita para isso, mas devido a um fenômeno vivo que se trata de descrever; a nobreza era a Zaragoza por excelência.
Se ela se deteriora, ela se debilita em um longo prazo, porque sua força vem do fato de todos sentirem a coesão de alma natural existente entre o povo e ela. Se essa coesão de alma murcha, ao cabo de alguns reinados a dinastia se evapora.
E, de um modo ou de outro, a História frequentemente faz com que aconteça com a dinastia o que sucede com a pele humana: se ela se desgasta continuamente é substituída por outras células de profundidade. O homem tem sempre pele, e embora esta se renove continuamente, é a mesma pele que ele possui. Assim, o que perdeu nexo com o fluxo vital geral, se desgasta e some. Entretanto, outra coisa substitui aquilo.
Esse processo de destilação se deu, no passado, com muitas aristocracias. Por exemplo, Fustel de Coulanges2 fala dessas aristocracias, famílias mais antigas do que Roma, e que a tinham fundado, e existiam quando o Império Romano caiu.
Existe a teoria de certas famílias nobres romanas, chamadas o Patriciado Romano, que pretendem ser descendentes das famílias fundadoras de Roma, ou que eram mais antigas do que Roma. A tese é extremamente simpática, mas não sei se isso se demonstra genealogicamente.
Sob certo ponto de vista, isso revela a robustez dessa ordem natural, mas não deixa de mostrar também a debilidade, porque Roma teve então essas famílias aristocráticas que não conseguiram impedir toda a decadência de Roma.
A Igreja é tutora e mestra da ordem civil
De fato, a solidez dessa aristocracia, como também da vida familiar — mas da família comum, do padeiro, do açougueiro —, é levada a um grau extraordinário pela vida da graça e pela Igreja Católica. Por causa da ação da Igreja, isso pode receber em si uma solidez muito maior. Mas supõe que a Igreja tenha consciência dessas coisas e exerça uma pregação contínua, acautelatória a respeito disso, junto a essas classes.
Entra aqui o discernimento dos espíritos, o qual nós não podemos ver como dado exclusivamente a um indivíduo para discernir o espírito de outro, que é a base da matéria tratada nos livros que cuidam disso. Mas devemos entender como a possibilidade de um bispo discernir o espírito de seus diocesanos no conjunto, ou seja, de sua diocese. Mas também de um rei para discernir o espírito dos seus súditos.
Quando decai a vida espiritual de uma nação, não tem remédio, esta começa a morrer. É preciso procurar a vida onde ela está, ou seja, na Igreja e na natureza enquanto robustecida e orientada pela Igreja.
E dada essa função da Igreja, não de reitora, mas de tutora e mestra da ordem civil, é inegável que com alguma frequência a Providência mande o carisma do discernimento dos espíritos para apoiar esta ação.
Mas que critérios seguirá a Providência para isso? Certamente os critérios de sua bondade e de sua largueza, como também de sua justiça. Há povos em que o discernimento se silencia: é um castigo. Existem outros em que o discernimento floresce: é uma recompensa. Daí para a frente, entramos nos mistérios da Providência enquanto governando a História. Quando e quanto o discernimento tem que entrar, é algo a ser resolvido, não pelos tecnocratas, mas por Deus.
A forma de governo ideal não é a que nunca adoece, mas aquela em que a saúde dura mais tempo.
Sobretudo há o seguinte: esse discernimento não pode ser um fato vulgar. Por ser um dom muito elevado, deve estar na linha de um excecional frequente, mas que não deixa de ser excecional. A História tem que ficar entregue às suas incertezas, conhecer seus tropeços, seus atos de contrição, suas conversões, tal como os indivíduos. Construir a nação perfeita, que nunca erra, nunca peca, que não depende dos vaivéns sublimes da justiça e da bondade de Deus, é construir uma utopia!
O rei é, antes de tudo, o representante de Deus
Os socialistas pensam nesses termos, porque para eles a razão humana resolve tudo; são racionalistas. Nós não. Somos humildes, sabemos que a História tem suas surpresas, as nações se deparam com seus tropeços, as catástrofes acontecem. E criar uma situação onde nunca sucede catástrofe nenhuma, é abrir a porta a todas as catástrofes, porque é tentar criar o impossível.
Toda essa doutrina, antes da Revolução Francesa, não era doutrina, mas um fato no qual estava subjacente uma doutrina que ninguém explicitou. Para manter essa realidade contra a investida revolucionária, procurou-se torná-la simpática às custas de denegrir a figura do rei, dizendo ser preciso defender o povo de seu grande inimigo que, segundo os revolucionários, era o monarca.
Ora, o rei é como a cabeça em um corpo. Se imaginarmos o corpo todo vivendo para se defender desse mal necessário que é a cabeça, temos toda uma doutrina de organicidade falseada.
Alguém dirá: “Mas com frequência, na História, as dinastias não têm exercido esse papel que o senhor descreve. Por exemplo, quase todas as dinastias da Europa, no Ancien Régime3, ajudaram a obra da Revolução.”
Não se pode negar. A começar pela dinastia que eu mais elogio: a Casa d’Áustria. José II, irmão de Maria Antonieta, filósofo laicista, fez os maiores estragos revolucionários!
“Então — continuaria o objetante — como não ver o rei como um mal necessário?”
Não é. O rei é solidário com a sociedade, e deixa-se levar pelo fluxo desta. José II foi o que foi e fez o que fez porque ele representava uma nação governada por uma falsa aristocracia de intelectuais, e não de nobres, uns “Voltairzinhos” e “Rousseauzinhos”4 austríacos, que espalhavam aquele espírito revolucionário. A nação toda estava apodrecendo, e ele era solidário com os erros da nação. O mal dele foi de não ter compreendido que quando a nação vai contra a Igreja, o rei deve manter a fidelidade, pois ele é, antes de tudo, o representante de Deus e não da nação.
“A raiz de tudo é a virtude”
A sociedade bem constituída seria, portanto, uma convivência orgânica, natural, entre o rei e os representantes da nação, para suprir aquilo que falta ao conhecimento humano a respeito do espírito público. Tais representantes seriam mais informantes do que legisladores, mas teriam o direito à autodefesa, como, aliás, vemos também num organismo.
Disseram-me que o fígado, quando adoece, produz certos líquidos para se defender da doença, os quais fazem bem a ele, mas prejudicam o organismo. Compete à cabeça descobrir isso e combater os sucos que o fígado ejeta, sem suprimir a função do fígado de se defender. Essa é a Medicina.
Contaram-me que na Idade Média, no reino de Castela, o rei partilhava o poder com todo o povo por meio das Cortes, do Conselho e da Câmara. Eu acho isso muito saudável.
Alguém objetaria: “Mas isso pode se prestar a abusos.” Estou de acordo, pois tem a solidez do organismo humano, que facilmente pode cair doente. A forma de governo ideal não é a que nunca adoece, mas aquela em que a saúde dura mais tempo.
A forma de governo durará mais desde que todos, ou ao menos a maior parte, sejam virtuosos. A raiz de tudo é a virtude.
A Revolução acabou nos obrigando a explicitar tudo isso. Porque nunca sentiríamos a necessidade de fazer esta explicitação se não fosse o erro oposto, como muitos dogmas só foram explicitados porque houve heresias. Do contrário, implicitamente, a verdade era aceita por todos.
Naturalmente um ateu daria risada e diria: “O Plinio é um utopista, porque a virtude nunca existirá nesse grau.” Eu sou um homem de Fé e creio que a Igreja Católica tem a missão de fazer isso, e ela pode cumprir a sua missão. É um ato de confiança em Deus, em Nossa Senhora.
(Extraído de conferência de 6/6/1991)
1) Do francês: de próximo em próximo, paulatinamente.
2) A cidade antiga. São Paulo: Ediouro, 2004.
3) Sistema social e político aristocrático em vigor na França entre os séculos XVI e XVIII.
4) Referência feita aos filósofos iluministas Voltaire (francês) e Rousseau (suíço).