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Organicidade e espontaneidade

O pecado original trouxe consequências nocivas para o homem e também para a natureza. Assim como deve procurar praticar a virtude e corrigir seus erros, o homem precisa aprimorar e, quando necessário, retificar os outros seres, preservando sempre sua organicidade.

Há um modo de expor o que é a sociedade orgânica e, consequentemente, de elogiá-la, que glorifica muito a espontaneidade como próprio daquilo que é orgânico.

Fica, assim, meio insinuado que a organicidade de algo traz com ela uma tal maravilha que o intelecto humano não é capaz de superar, por uma ação própria, aquilo que a natureza fez; portanto, o afastamento do homem experiente, cultivado, inteligente, da elaboração orgânica é o que melhor se pode imaginar.

O Vale do Roncal

Em princípio, isso assim enunciado não é verdade; deve-se matizar muito.

Faz parte da organicidade, da autenticidade e, portanto, da identidade da coisa viva consigo mesma, que ela exista para o homem e seja melhorável por ele. Por isso, torna-se necessária a intervenção do homem para aprimorar o orgânico, e às vezes para retificá-lo, porque depois do pecado original houve um efeito nocivo sobre a natureza e sobre o homem, que fez com que fossem necessárias retificações.

Portanto, a organicidade não elimina a ciência política ordenativa, mas é preciso que ela conheça bem o seu lugar, seus limites para não se transformar num desastre.

Tomemos como exemplo os municípios do Vale do Roncal1. Aquilo ficou parado até o momento em que a Revolução o debelou. Pelo fato de terem sido destruídos com tanta facilidade, segue-se que a organicidade estava comprometida previamente. Porque as coisas que têm organicidade não são tão destrutíveis com um peteleco. E quando caem com um peteleco, elas de fato já estavam destruídas por um processo interior inadequado, estavam sem raízes.

Mas caberia a um homem clarividente no Vale do Roncal ter percebido com muita antecedência que uma decadência começara, a qual não seria necessariamente, em seu início, uma decadência das estruturas, mas precisaria ter afetado também as estruturas para que elas fossem tão derrubáveis. E esse homem teria obrigação de saber discernir isso e corrigir.

Mas há também outro lado: aquilo não seria melhorável? E quem sabe se começou a decair porque não foi melhorado? As coisas podem existir muito tempo sem melhorar? É um problema que está ligado à própria organicidade delas e que se deve tomar em consideração.

Nasce, então, a seguinte questão: existe um modo de melhorar sem ferir a organicidade? E existe um modo de restaurar a organicidade, ou de curá-la quando ela for ferida?

São problemas delicados, mas sem os quais a própria organicidade não dura muito.

Medicina, Veterinária e Botânica

A Medicina, a Veterinária, a Botânica fazem coisas dessas com seres vivos. E basta observarmos bem para podermos aplicar o método a essa ordem de realidade.

O que se supõe de um médico, de um veterinário ou de um botânico é que conheça profundamente o operar vivo do objeto de sua ação, e quais são todas as linhas de ordem e de perfeição que aquilo tem dentro de si. Se ele conhecer, fica capaz de detectar o que ali dentro começa, em determinado momento, a andar errado. E sua primeira preocupação não deve ser de intervir com bisturi ou com remédio, mas se perguntar como despertar as reações normais desse organismo de maneira que este liquide o elemento nocivo.

Quer dizer, não se trata de fazer uma intervenção anorgânica, mas despertar as antitoxinas — para me exprimir assim — no organismo vivo, a fim de que este vença por si. Isso significa intervir o menos possível, e segundo o princípio da subsidiariedade, buscando no próprio movimento da planta, do animal ou do homem aquilo que poderá dar a vitória.

Se não houver outro meio — ou por falta de conhecimento, ou porque o processo de cura orgânica, por essas ou aquelas razões, não teve êxito —, então se recorre ao emprego de energias gradativamente mais violentas e menos ligadas ao ser doente.

Por exemplo, pode ser que se chegue à seguinte conclusão: as antitoxinas dessa planta existem, mas elas não prosperam nesse clima onde o vegetal está. Há tal injeção que pode paralisar bruscamente o processo enfermiço, com certo trauma para o organismo. Então, deve-se injetar aquilo que paralisa a enfermidade repentinamente e, conforme o caso — tratando-se de homens ou animais —, chega-se até à cirurgia ou mesmo à amputação.

Mas é preciso haver sempre a preocupação de voltar ao natural tão depressa quanto possível, e desconfiar da cura pelo processo não natural, pois esta tem frequentemente algo de nocivo ao organismo, tornando necessário um segundo tratamento para corrigir os desequilíbrios produzidos pelo remédio.

Necessidade do discernimento dos espíritos

Quanto à organicidade, no que diz respeito ao homem, é preciso partir da ideia de que quando ele faz alguma coisa contrária à sua ordem natural, quase sempre aquela ação partiu do intelecto. Houve um princípio errado que provocou o movimento errado. E é necessário conhecer o princípio para reformar as mentes naquele ponto.

Então, há uma proteção da organicidade que começa pelo ideológico e faz uma espécie de política especial da Contra-Revolução nas tendências e no campo das ideias. Portanto, o Estado e a própria Igreja devem estar aparelhados para estudar todos os problemas respectivos, por uma tabela de perguntas que vêm nessa linha. De maneira a não acontecer que a solução mais rápida e barata pareça ao governante ser, necessariamente, a melhor, mas ele saiba ir ao mais profundo, que é sempre moral e ideológico, e ali ter continuamente a sua linha de ação principal.

Para se fazer corretamente isso é preciso que a Providência — que ama a ordem como criatura d’Ela e gradua os bens de acordo com seus desígnios — mande normalmente pessoas com discernimento dos espíritos para o bem, que saibam tocar essa batalha.

(Extraído de conferência de 7/6/1991)

1) Situado ao norte da Espanha, na província de Navarra.

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