lunes, noviembre 25, 2024

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Incólume tabernáculo interior – I

A serenidade e a segurança que tanto caracterizavam Dona Lucilia, e que ela difundia tão prodigamente em torno de si, vinham-lhe de um tabernáculo interior que os vagalhões da vida não conseguiram atingir.

Quando alguém recebe um toque da graça vinda do Céu e sente uma espécie de glória que o cerca, o ilumina, é envolvido de uma tranquilidade, uma serenidade esplêndida, uma segurança magnífica e de um gáudio em que não entra em jogo a vidinha de todos os dias, nem o “vidão” do dia da glória. É uma espécie de participação da honra que Deus fará ao indivíduo quando ele entrar no Céu, que é uma coisa única!

Em todo homem há duas histórias: a interna e a externa

Todos nós, mais ou menos, tivemos ocasião, numa circunstância ou noutra da vida, de experimentar uma consolação especial na qual, entre outras coisas, sentimos todo o nosso ser honrado, dignificado e elevado por esse contato com Deus. Perto disso, todas as glórias terrestres de fato não são nada, não valem nada, não contam para nada.

Em geral, as pessoas com verdadeira vida interior têm em relação a esta vida terrena uma posição assim: elas podem dizer que a vida não vale nada, em certo sentido; vanitas vanitatum et omnia vanitas1, ou “tudo é vaidade e aflição do espírito”2 — expressões lindíssimas, aliás!

Entretanto, em outro sentido, não é tanto assim. Por exemplo, Jó recebeu um prêmio na Terra que foi o de ter muito mais depois da prova, do que a enormidade que ele recebera antes dela. Ademais, viveu muitos anos e — coisa muito pouco moderna e por isso mesmo muito verdadeira e bela — teve uma grande quantidade de filhos. Após perder todos os filhos, ter uma grande quantidade de filhos era ainda uma grande glória.

Esta vida, portanto, tem o seu valor, e o verdadeiro católico compreende esse valor.

Mas há duas coisas que se fundem e estão por cima disso. Uma é a história externa do indivíduo: aconteceu isso, fez aquilo, etc. Outra é a história interna: aquilo por onde ele passou de grande, de pequeno, de glorioso, de insignificante, toda a história de sua alma, com as cicatrizes que o sofrimento deixou nela, e que preparam esta pergunta: Em função do meu passado, como será o meu futuro, e como terminará para mim esta vida?

É uma indagação muito importante e que o homem cozinha sozinho consigo, porque ela é incomunicável. É tão íntima, tão interna, que eu acho que a maior parte das pessoas nem saberia como dizer para outro o que leva dentro de sua mente.

Como os rochedos batidos pelas ondas

Alexander Klink (CC 3.0)
Arquivo Revista

Se a pessoa internamente julga ter levado, ou estar levando, bem sua vida e que esta corre segundo a lógica das coisas, ainda que os outros achem que não, ela tem uma segurança, uma calma interna e uma noção de glória interior, as quais vêm da consciência tranquila, que constitui um elemento distinto da vida externa e dá para a pessoa uma calma muito grande, em razão exatamente do bem articulado de tudo aquilo que ela fez.

Quando não agiu bem, tem a calma da contrição, do perdão recebido e da vida consertada. E, portanto, a pessoa vai andando, pois, tendo sido perdoada, é amada por Deus. Essa sensação de ser amado por Deus proporciona uma convicção ultrarreconfortante, e o indivíduo pode receber os piores vagalhões da vida, que ele não é atingido no seu tabernáculo interior. E o fato de não ser atingido nesse tabernáculo lhe dá uma calma, que pode coincidir com todas as agonias e todas as angústias.

Essa calma não existe na pessoa que tem seu próprio tabernáculo interior devastado, ou que nem o possui. É tão sem reflexão sobre sua vida, tão sem história própria, que é como uma cortiça levada pelas ondas.

A noção da história interior e da satisfação que essa história pode dar é possível perceber eminentemente em uma pessoa, mesmo quando vagalhões enormes se soltaram sobre ela. Exatamente quando chega a hora do vagalhão baixar, a sensação de que o tabernáculo interno ficou intacto se manifesta. Essa sensação, bem como a de que o vagalhão foi inútil, dá uma segurança que é meio parecida com a dos rochedos batidos pelas ondas: vem o mar com aqueles furores e lança ondas que podem dar respingos que chegam até o alto do rochedo, mas este não se move. Quando o mar se retira, o rochedo está ali.

Morte de Dona Gabriela

Dona Lucilia era inteiramente assim nas ocasiões mais aflitivas. Lembro-me de quando ela perdeu a mãe3, a quem ela queria, respeitava e venerava muitíssimo. Um fatinho pode dar ideia de até onde ela levava isso.

A casa em que morávamos era dessas residências de antigamente, térreas e enormes. E a distância entre o quarto de dormir dela e o da mãe era grande. Minha avó tinha uma espécie de governanta de casa muito boa, dedicada, correta, que dormia ao seu lado. De maneira que qualquer coisa que minha avó quisesse, essa mulher atendia. Ela estava inteiramente bem atendida.

Minha mãe mandou puxar um cordão elétrico, com campainha, da cama de minha avó até a cama dela; porque a mãe dela estava velha e, no caso de urgência, podia levar certo tempo de a tal governanta chegar até o quarto de mamãe, e ela queria, tocando a campainha, ir correndo atender minha avó.

Quando a mãe dela morreu, fizeram-se as exéquias e compareceu muita gente. Cumprimenta um, recebe abraço de outro, perde-se um pouquinho a noção das coisas. Em certo momento me lembrei: mamãe onde estará? Comecei a procurá-la e não a vi. Com certeza, pensei, ela se sentiu muito abalada e foi para o seu quarto, e é possível que esteja com alguma indisposição. Fui ao quarto dela para ver. Ela estava deitada, em atitude inteiramente serena, com uma fisionomia muito triste, a posição composta e pensando.

É a tal coisa: o vagalhão não alcança!

Nunca eu vi vagalhão algum atingi-la. Em duas vezes, porém, quase a alcançou…

(Continua no próximo número)

(Extraído de conferência de 21/4/1990)

1) Do latim: Vaidade das vaidades, tudo é vaidade (Ecl 1, 2).

2) Ecl 2, 17.

3) Dona Gabriela Ribeiro dos Santos, falecida em 6 de janeiro de 1934.

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