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Eixo e modelo de todo verdadeiro afeto

O afeto de Dona Lucilia para com os outros tinha como modelo o Sagrado Coração de Jesus, e o corolário desse afeto era a abnegação. Bem o contrário da mentalidade hollywoodiana, que se caracteriza pelo otimismo egoístico.

Na concepção de Dona Lucilia sobre as relações psicológicas, humanas, o termo final do relacionamento era o afeto. E o afeto tinha uma importância enorme, no modo dela conceber a vida.

Afeto cheio de admiração, renúncia de si mesmo

Mamãe considerava que quando as pessoas se conhecem e encontram uma verdadeira e séria afinidade, isso desfecha num afeto mútuo. E, portanto, para o processo mental de uma criatura humana em face da outra, seja qual for a natureza das relações — pai, filho, marido, mulher, irmão, irmã, amigo —, o desfecho é se contemplarem e, na consideração da semelhança ou da afinidade, terem um afeto.

E esse afeto representava algo que dava substância e calor à vida, e se simbolizava no coração. Donde a devoção ao Sagrado Coração de Jesus era o afeto de Deus pelos homens, e convidava ao afeto dos homens para com Deus.

Mas não era um afeto boboca, de querer bem sem consequência; era um afeto cheio de admiração, com entusiasmo, analítico, que examina o que quer e se transforma em dedicação, em abnegação.

Mamãe era muitíssimo abnegada. O corolário do afeto era a abnegação, a renúncia de si mesmo a favor da pessoa a quem se quer bem.

E muito razoavelmente, muito catolicamente, ela via na devoção ao Sagrado Coração de Jesus, Rei e centro de todos os corações, o próprio eixo e o modelo perfeito de todo afeto.

Ou seja, querer bem é como o Coração de Jesus ama cada um de nós; querê-Lo bem é amá-Lo com um amor que é o símile — guardadas as proporções — do amor que Ele tem a nós. E nisso está a devoção ao Sagrado Coração de Jesus, a qual realiza, assim, o processo, o périplo, o circuito inteiro da alma humana.

Mentalidade hollywoodiana: busca do interesse e do prazer

É exatamente o que começou a ser contestado no mundo, logo depois de eu ter iniciado a conhecê-la, não com aquele conhecimento instintivo que uma criança tem de sua mãe, mas quando, como filho, comecei a analisar, a admirar e a querê-la bem.

O sistema hollywoodiano1 de viver é a negação de tudo isso, porque ele importa em uma vida apressada, de corre-corre atrás do interesse e do prazer, onde não há tempo nem desejo de deter a atenção em valores dessa ordem, e uma vida que se detém nesses valores parece fracassada e balofa. A alegria saracoteante deve dominar toda a existência, e o homem precisa ter um otimismo egoístico, na contínua esperança de que vai conseguir tudo aquilo que ele deseja para si.

A outra pessoa com que o indivíduo se relaciona desempenha um magro papel dentro disso. Ele quer ter um automóvel, uma casa, um avião, quer fazer viagens, enfim, divertir-se; e todo esse afeto fica à margem, nas franjas da vida, importando cada vez menos, enquanto o egoísmo vai tomando conta da existência.

E o verdadeiro afeto tem qualquer coisa de tristonho, porque as condições desta vida levam a compreender que devemos uns aos outros uma estima, a qual entende bem que o outro sofre e nós sofremos também, e que temos de nos ajudar a carregar o peso da vida. O saracoteio hollywoodiano não comporta isso.

Quando analisamos a imagem do Coração de Jesus, vemos uma postura muito digna, em que Nosso Senhor Se dá inteiro e mostra seu Coração. E notamos qualquer coisa de triste n’Ele, como quem prevê a hipótese de não ser correspondido, de receber uma ingratidão, ou tem em conta uma ingratidão que recebeu, mas perdoa e convida para um novo ato de bondade, de confiança. É o que está expresso.

Comparemos isso com o perpétuo saracoteio, o pula-pula e a alegria contínua de Hollywood, e compreenderemos que há um abismo de diferença entre as duas mentalidades!

E Dona Lucilia pegou o fim dessa escola do afeto, da qual era discípula ardentíssima. Logo depois dela veio a escola do contrário.

Esteio temperamental e afetivo de nossas almas

Toda criatura humana que tem um pouco de bom senso compreende não haver afeto humano que não decepcione. Mas nem por isso se vinga, fica amarga, agressiva, deprimida; porque, se é verdade que nós, ao fazer bem aos outros, não somos pagos como teríamos direito, é certo que Nosso Senhor paga. Porque o bem que nós fazemos aos outros é feito a Ele, e principalmente, por Ele. De maneira que Jesus toma em todo devido valor o nosso afeto, recompensa um milhão por um, nos cumula torrencialmente do afeto d’Ele, e o que os outros tenham ou não tenham feito de nossa bondade é secundário.

Isso é o que cura de todo calvinismo; fica-se outro quando se toma isso em consideração. Sobretudo quando se concebe, ao lado ou abaixo do Coração de Jesus, o Coração Imaculado de Maria. Nosso Senhor é Pai, Nossa Senhora é Mãe, e tem essas ternuras, essas condescendências, esse superávit de bondade que o coração materno possui.

Ninguém pode nos amar mais do que Nosso Senhor. Maria Santíssima, portanto, não nos ama mais do que Nosso Senhor. Mas certas formas de amor, que são próprias da mãe, Ele quis mostrar que tem, dando-nos a Mãe d’Ele, para que n’Ela nós víssemos o que há a mais n’Ele que não se pode ver.

Então, os Sagrados Corações de Jesus e Maria são o esteio temperamental e afetivo de nossas almas.

(Extraído de conferência de 12/12/1984)

1) Referente à mentalidade difundida pelos filmes do cinema de Hollywood. Ver Revista Dr. Plinio n. 199, p. 14-15.

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