sábado, noviembre 23, 2024

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A beleza da luta – II

Do alto da Cruz, Nosso Senhor teve um consolo ao contemplar misticamente a epopeia das Cruzadas, que lutaram pela libertação da Terra Santa. E até hoje a palavra “cruzado” evoca nos corações algo de especial, luminoso e belo.

Outro desenho de Gustavo Doré representa Ricardo Coração de Leão desembarcando, com suas tropas, em São João d’Acre.

Vemos uma pequena elevação de terreno. É uma batalha em pleno curso, não de cavalaria, porque esta não podia subir ali. São os soldados de infantaria que atacam. Trata-se da bataille mellée, porque se misturaram os de um lado com os de outro completamente. Usando um termo corriqueiro de hoje em dia, estão engalfinhados uns nos outros.

Anjos de combate que parecem ser feitos de cristal

Os cruzados, com risco enorme da vida, estão subindo e rechaçando os inimigos da Fé. Na guerra medieval, estar em cima fornecia muita vantagem, porque quem se encontrava por baixo era mais sujeito a golpes. Ao contrário das guerras de hoje, onde quem se afunda numa trincheira tem vantagem. É que em nossos dias há vantagem para quem desce. Naquele tempo havia vantagem para quem subia.

O efeito dramático Gustavo Doré obtém magnificamente com essas velas altas, que parecem furar o céu, e o entrelaçamento dos homens: os católicos defendem a Fé e os ímpios, que não querem aceitar a Fé, estão querendo matar os católicos. Por detrás está um bispo com uma cruz.

A gravura seguinte representa uma legião de Anjos, mandada por Maria para socorrer os cruzados.

Eu queria chamar a atenção para o senso fino de interpretação de Gustavo Doré, a propósito desses Anjos. Eles parecem feitos de cristal, voam como Anjos podem voar, e vêm numa revoada gloriosa. Porém, são Anjos de combate! E que, quando pousarem, vão dizimar os inimigos da Fé que, provavelmente, já os viram antes de eles pousarem, e saíram na disparada.

Ali vem representado, de costas e na primeira fileira, um cruzado que viu a legião celeste e que, brandindo sua espada, aclama os Anjos que vão baixando. Pensem nisso quando estiverem em meio aos castigos previstos por Nossa Senhora em Fátima, e digam: Regina angelorum, succurre nos!1

Consolação de Nosso Senhor no alto da Cruz

Eis, nesta outra cena, a cidade de Jerusalém com suas muralhas fortíssimas, e o ataque que se desenrola. Também aqui os guerreiros estão aproximando uma das tais torres de madeira, quase da altura da grande torre quadrangular da muralha.

Reprodução
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Os cruzados escalam as muralhas da cidade subindo por uma escada, enquanto os maometanos estão fazendo o possível para derrubá-los. Os combatentes cristãos querem descer, mas vejam a dificuldade para saltar por cima dessas lanças e pedras…

Isso é o característico da guerra medieval: os maometanos eram censuráveis debaixo de todos os pontos de vista, os cruzados eram admiráveis. Pois bem, mas a guerra se desenvolvia de tal modo que se acaba tendo certo respeito por ambos os lados, pela coragem manifestada pelos contendores.

Neste outro lance os cruzados estão entrando e tomando conta da cidade.

Vê-se um bispo que caminha debaixo do pálio. Há quanto tempo não se via isto: um bispo da Santa Igreja Católica Apostólica Romana desfilando na cidade onde Nosso Senhor Jesus Cristo morreu! Eles entravam cantando, com certeza, músicas sacras. É a vitória de Nossa Senhora!

O bispo parece conduzir o Santíssimo Sacramento. Ao menos é a interpretação que eu dou.

Os cruzados entraram em Jerusalém numa Sexta-Feira Santa, às três da tarde, hora em que Nosso Senhor Jesus Cristo morreu.

O Redentor, que conhecia o passado, o presente e o futuro, do alto da Cruz conheceu isso e teve a consolação de ver que, se os discípulos d’Ele — que estiveram com Ele naquela intimidade do Horto das Oliveiras — dormiram, séculos depois vieram esses heróis que por amor a Ele morreram. Isso é supremamente belo!

Quem não combate o mal atraiçoa a Causa de Nosso Senhor Jesus Cristo

Este é um elemento integrante da psicologia do católico. O verdadeiro católico deve saber ser assim.

Distingamos, contudo, entre ser e fazer. “Fazer” será quando Nossa Senhora der as ocasiões e que for lícito, de acordo com a Moral católica. Entretanto, devemos ser já. É assim que nos preparamos para as lutas da vida.

É preciso amar ser assim e pedir a Nossa Senhora, noite e dia, a graça de sê-lo. Então seremos contrarrevolucionários, filhos de Nossa Senhora, de alma e corpo inteiros.

Alguém poderia preparar sua alma para amar isso, aplicando a esta temática o método lógico sugerido por Santo Inácio, em seus Exercícios Espirituais:

Esta guerra é lícita? Sim, e até uma obrigação.

O que acontecerá se eu não combater? Tais consequências.

O que acontecerá se eu combater? Glória para Nossa Senhora e tais outras consequências.

Eu tenho o direito de não querer combater? Não, porque atraiçoo a Causa de Nosso Senhor Jesus Cristo, meu Rei, e de Nossa Senhora, minha Rainha, se eu não cumprir o meu dever.

A pessoa imagina-se, então, no dia seguinte, jogado num campo de batalha ou levado de volta, estropiado. Tomou uma pancada na cabeça e ficou cego, inutilizado, portanto. Mas contente porque perdeu a visão por amor a Nosso Senhor e a Nossa Senhora, e porque a batalha apenas mudou de campo: ele terá agora um combate interior. Dia e noite estará em presença da privação tremenda, a que ficou sujeito por toda a vida.

Entretanto, dia e noite se recusará a entristecer-se, lutará contra a invasão do desânimo e dirá: “Meu Deus, pelas mãos de vossa Mãe, eu Vos ofereço de novo a pancada que sofri. Se Vós me restituísseis a vista, por um milagre, e eu tivesse de perdê-la novamente por Vós, de bom grado eu a sacrificaria!”

Quando um homem assim morresse de velho, teria vencido mil Cruzadas!

O suavíssimo São Francisco de Sales estimulou uma Cruzada

A vitória dos europeus sobre os maometanos se consolidou depois da Batalha de Lepanto. Mas já bem antes dela era improvável que os maometanos conseguissem dominar a Europa. Por duas vezes chegaram até as portas de Viena, e até conseguiram tomar esta cidade, mas veio o Rei João Sobieski, da Polônia, e expulsou-os, restituindo Viena ao Imperador.

Mas eram invasões que não tinham comparação com aquelas avalanches de muçulmanos, que invadiram a Europa no tempo da Reconquista ou por ocasião de Carlos Martel.

Com isso, espalhou-se pelo Ocidente um sentimento legítimo de segurança. As Cruzadas quebraram o ímpeto dos povos maometanos.

Jean-Pol GRANDMONT(CC 3.0)
Vitória do Rei João III Sobieski contra os turcos na batalha de Viena – Museus Vaticanos

Por outro lado, a Europa cresceu muito, tornou-se mais rica, desenvolveu-se intelectualmente, ficou capaz de elaborar táticas de guerra muito mais eficazes. De maneira que, por efeito da Civilização Cristã — portanto, da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo e das preces de Maria —, a Europa estava gozando de uma explicável segurança. Essa segurança era a paz de Cristo no reino de Cristo.

Pronunciou-se com isso uma dulcificação dos costumes. O homem medieval ainda era muito rude. O pós-medieval começou a lutar contra essa rudeza, que já não se enquadrava com a doçura da vitória. E com isso houve uma insistência muito grande nas virtudes doces, suaves. E uma insistência menor nas virtudes bélicas, militares.

Então, por exemplo, São Francisco de Sales. A Filotéia, a Introdução à Vida Devota, e outras obras de São Francisco de Sales são admiráveis, de uma doçura maravilhosa! Era já a época da douceur de vivre2 que começava a invadir a Europa, e a coroa de glória posta na fronte da Europa. E isso estava justo.

Contudo, para se compreender o equilíbrio que deve haver nisso é preciso tomar em consideração o seguinte.

São Francisco de Sales era Bispo de Genebra, cidade da Suíça que, naquele tempo, constituía o foco de irradiação do calvinismo protestante. Mas ele não era apenas bispo, mas também o Príncipe de Genebra, porque, pelos estatutos, o Bispo de Genebra era, de direito, o príncipe que governava a cidade. E São Francisco de Sales foi expulso de Genebra.

Tendo obtido o apoio do Duque de Savóia, cujas terras eram contíguas a Genebra, e de outros nobres da zona, armou uma Cruzada contra os genebrinos.

Quando visitei Genebra, um líder católico mostrou-me a parte da velha muralha, precisamente onde os protestantes conseguiram derrotar São Francisco de Sales.

Ele, o Doutor suavíssimo, o Doutor boníssimo, ideou, desenvolveu a manobra diplomática necessária e estimulou que fosse feita uma Cruzada, para esse bispo perfeito reconquistar sua diocese na ponta da lança, da alabarda e da espada, com mosquetão e tudo o mais! Esta era a doçura deste Santo.

Deformações provocadas pela ”heresia branca”

Mas depois veio a deformação da “heresia branca”3, segundo a qual suavidade corresponde a entrega, a capitulação diante do adversário.

Dou um exemplo do feitio da piedade “heresia branca”.

O martírio de São Sebastião é enormemente venerável. Ele era chefe da guarda responsável pela segurança do imperador e, portanto, um grande combatente romano. O imperador, descobrindo que ele tinha se tornado católico, ficou indignado e mandou executá-lo mediante flechadas.

Esse homem que era chefe de uma guarnição do exército que dominava o mundo, que tinha conquistado toda a bacia do Mediterrâneo, é apresentado por certo estilo de iconografia como um mocinho rosadinho, com cara de quem está levantando da cama; atado a um tronco, com uma perninha para frente, a outra para o lado, como quem está se distraindo em ver os passarinhos voarem e cantarem em árvores hipotéticas. Aquelas flechas parecem não fazê-lo sofrer em nada. Escorre um pouquinho de sangue, mas ele tem ar de quem não está padecendo.

Reprodução
Roberto da Normandia na tomada de Antioquia (1097-1098)

A “heresia branca” também não gosta que se fale de Cruzadas.

Eu ainda alcancei a época em que associações religiosas chamavam-se “Cruzadas”. Então, por exemplo, “Cruzada Eucarística Infantil”, “Cruzados do Santíssimo Sacramento”. A palavra “Cruzada” era usada para certas coisas religiosas. Depois, isso foi abolido completamente.

Contudo, há certas glórias sagradas na História que não se apagam, e cujo flash os livros não transmitem mais, mas se transmitem de geração em geração por uma espécie de milagre: uma é a glória de Carlos Magno, outra a das Cruzadas; e outras ainda são a glória do Sacro Império Romano Alemão, da Reconquista espanhola, da Reconquista portuguesa, que foram Cruzadas na Espanha e em Portugal.

Essas glórias conservam algo na imaginação e na Fé de todas as camadas do povo, e isso se transmite ao longo dos séculos, um pouco misteriosamente, de maneira que todos ficam com essa ideia da palavra “cruzado” como querendo representar alguma coisa luminosa, especial, bela.

Este é o legado que, com ou sem as deformações sentimentais posteriores, existe no consciente ou no subconsciente de incontáveis católicos. Por onde, se o católico comum é posto em confrontação com uma representação muito viva do heroísmo que se notou nas Cruzadas, o cruzado que “dorme” em sua alma se levanta e uma chama se acende.

(Extraído de conferência de 19/3/1988)

1) Do latim: Rainha dos Anjos, socorrei-nos!

2) Do francês: doçura de viver.

3) Expressão metafórica criada por Dr. Plinio para designar a mentalidade sentimental que se manifesta na piedade, na cultura, na arte, etc. As pessoas por ela afetadas se tornam moles, medíocres, pouco propensas à fortaleza, assim como a tudo que signifique esplendor.

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